A palavra mais falada pelas fundadoras do Instituto da Audiovisão (Inav) de Caxias do Sul é, sem dúvida, independência. Esse é o espírito que move usuários e funcionários da entidade nos 10 anos de atuação, recém-comemorados em fevereiro. Fundado em 2009, o instituto atende hoje 160 pessoas surdocegas, cegas e com baixa visão gratuitamente.
Tudo começou em uma casa de poucos cômodos na Rua Alfredo Chaves. O endereço abrigou as atividades durante nove anos. Há um ano, o instituto mudou para um imóvel maior no bairro Cristo Redentor. Em uma casa de dois andares, os usuários contam com espaço para lanche, aulas de canto, teatro, violão e artesanato, além de atendimentos nas áreas de pedagogia, psicologia e assistência social. Eles ainda têm acesso a aulas de informática, tecnologia assistida e contam com um pequeno quintal com balanço adaptado e uma hortinha.
A intenção é promover a independência e fortalecer a inclusão daqueles que nunca enxergaram ou que perderam a visão durante a vida. Pessoas com baixa visão, cujo sentido é bastante reduzido, também são acolhidas e bem-vindas na entidade — essa, inclusive, é a parcela maior dos usuários do instituto.
— A pessoa com baixa visão é aquela que apesar do uso de óculos ou outro recurso, não tem uma visão dentro dos padrões de normalidade. E, às vezes, o usuário não se reconhece com essa limitação, porque a vida inteira foi assim — diz a pedagoga Cleidi Favero.
Os atendimentos iniciam desde bebês até a terceira idade, sendo personalizados conforme as necessidades de cada um.
— O usuário chega, passa por um acolhimento e avaliação e, depois, é montado um programa de atendimento específico para ele. Um bebê, por exemplo, trabalhamos a estimulação precoce. Já numa criança com idade escolar o atendimento é feito com informática, orientação em mobilidade, entre outras coisas. Uma pessoa adulta que perde a visão terá que ser reabilitada em todas as áreas, reaprendendo a viver com a deficiência visual — explica a coordenadora do Inav, Fernanda Ribeiro Toniazzo.
Acolhimento, aliás, é parte fundamental do processo de quem chega às portas do Inav. A sensação de que a vida "acabou" é partilhada por muitas pessoas que procuram a instituição, segundo a profissional. Por isso, os trabalhos em grupo são tão importantes para mostrar que é possível, sim, viver bem com a limitação visual.
— Muitas vezes a própria família se desestrutura. Por isso, trabalhamos com todo o entorno, com os pais e irmãos. A deficiência não é totalmente limitante como as pessoas pensam. É possível eles serem ótimos profissionais, pais de família, como qualquer pessoa. A sociedade não tem que vê-los com pena — reforça Cleidi.
De usuário a professor
Moradora do bairro Planalto, Naura Terezinha Ribeiro da Silva, 55 anos, chegou ao Inav em 2015, incentivada pela filha. O sentimento era o mesmo que afetava quase todos os usuários que chegam ao serviço: impotência e tristeza diante da deficiência. Hoje, ela faz questão de frequentar boa parte das atividades oferecidas, ocupando assim, a agenda da semana, que antes era praticamente vazia.
— A primeira vez que eu vim no Inav fiquei em nervos, vi as pessoas com bengalas e fiquei pensando 'será que vou ter que usar também'. Deu uma tristeza no começo, porque eu me achava inútil, sem serventia pra nada. Mas depois que eu comecei a frequentar os grupos, conversar com as pessoas, eu senti que a minha vida mudou totalmente. Sinto de não ter conhecido antes — avalia Naura.
Ao lado dela durante a entrevista estava o professor Giovani França Pereira, 27, que convive com a cegueira desde que nasceu. Ele começou no instituto apenas como usuário, em 2012, e hoje é o responsável por passar adiante os conhecimentos de informática. Inclusive, o rapaz se formou recentemente no curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas oferecido pela UCS.
— Nem sempre foi fácil, porque o curso é muito visual. Teve momentos bem complicados — comenta Giovani.
Tecnologia a favor da deficiência
A tecnologia é um dos maiores aliados para aqueles que possuem deficiência visual. Claro, que nada se compara à dedicação humana, mas objetos e sistemas facilitam, e muito, o cotidiano dos usuários do Inav. Um dos recursos mais recentes adquiridos pela entidade é OrCam My Eye, que consiste em uma pequena câmera que pode ser acoplada a um óculos qualquer. Com um simples toque do usuário, o objeto - seja ele um livro, jornal, revista, cardápio de restaurante ou folheto - é fotografado, escaneado e transformado em áudio. A ferramenta ainda é capaz de reconhecer rostos, cédulas e com gestos específicos indicar a hora.
O dispositivo faz parte do atendimento de tecnologia assistida oferecido pelo Inav:
_ A tecnologia assistida são recursos e serviços que possibilitam a inclusão. Entre elas, está a audiodescrição, que é forma de tornar acessível o conteúdo de imagens. É feita a descrição de fotos, por exemplo. No Facebook e no Instagram, que são muito visuais, funciona muito bem. Também temos teclados e computadores adaptados para pessoas com deficiências múltiplas ou baixa visão_ lista a pedagoga e professora Inav Glenda Stimamiglio.
Solidariedade mantém instituto
Seja na construção de um armário, na manutenção do prédio ou na organização de eventos, é fato que as atividades oferecidas pelo Inav se mantém de pé graças aos esforços dos funcionários e voluntários. São pais e mães que mesmo com os desafios do dia a dia encontram tempo para auxiliar a entidade.
Atualmente, o instituto sobrevive com recursos municipais, mas que não suprem toda a demanda de despesas, por isso, a direção se desdobra para organizar eventos beneficentes e recolher recursos extras, que possibilitam o pagamento dos 17 colaboradores e o aluguel do imóvel, contas de água e luz, entre outros gastos.
Para quem deseja praticar a solidariedade, há diversas formas de auxiliar o Inav: é possível adotar carnês mensais, com boletos fixos, ou depositar qualquer quantia diretamente na conta do Banrisul, em nome do INAV - Instituto da Audiovisão; agência 0873; conta jurídica 06.199400.0-1.
Mais informações de como ajudar podem ser solicitadas pelo telefone (54) 3226-6262.
Você sabia?
Há diferenciação entre as bengalas utilizadas pelos deficientes visuais: a branca é utilizada por cegos; a verde por pessoas com baixa visão e a bengala branca com listras vermelhas é indicada para o surdocegos.
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