Em vez de crianças aprendendo, a reportagem encontrou salas de aula vazias na escola municipal Polo em Dois Lajeados, na Serra. É que, apesar de o prédio ter sido entregue pela construtora e recebido pela prefeitura no final de 2016, a instituição de ensino nunca recebeu nenhum aluno. A atual administração municipal questionou a execução da obra na justiça e o caso se arrasta até hoje. Enquanto isso, a estrutura foi depredada e o investimento para recuperá-la deve passar de R$ 120 mil. Além disso, as cerca de 100 crianças da educação fundamental continuam tendo de deslocar até a única escola municipal existente na cidade e que fica distante em torno de seis quilômetros da área central. O município paga pelo transporte.
A nova escola foi erguida com verba do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que destinou ao município R$ 1 milhão. A empresa Elvani Piaia Construções foi a vencedora da licitação e contratada para executar a obra que iniciou em meados de 2015. Por duas vezes, equipes do FNDE foram até a cidade vistoriar o trabalho. Em 26 de dezembro de 2016, a empreiteira entregou o prédio à prefeitura, que o recebeu como pronto. Ocorre que a administração que assumiu o Executivo em 1º de janeiro de 2017 fez uma vistoria no local e avaliou a obra como inacabada. Alegando riscos estruturais, alguns serviços não realizados e outros com acabamento precário, a nova gestão disse que os problemas eram capazes de colocar em risco a integridade das crianças que fossem frequentar a escola. Assim, o município decidiu ingressar com uma ação na justiça pedindo uma perícia no prédio. A 1ª Vara de Guaporé, que assiste Dois Lajeados, determinou que um engenheiro civil fizesse uma avaliação na estrutura, o que ocorreu em novembro no ano passado.
De forma geral, segundo o perito, a estrutura composta por três prédios e uma espécie de quiosque, ou pátio coberto, não oferece risco. O laudo, datado de 5 de dezembro de 2018, aponta trincas em pilares de madeira, falta de entrada de energia elétrica e de ligação de água, peças cerâmicas descoladas junto ao chão, rachaduras nas paredes em um dos blocos onde ficam os banheiros e a cozinha. A indicação do perito é pelo monitoramento de algumas áreas e do madeiramento e alguns reparos, que custariam pouco mais de R$ 20 mil.
Para além disso, o engenheiro descreve o que a reportagem constatou no local na última quarta-feira: degradação, abandono do patrimônio e vandalismo. No entorno, o mato estava alto e havia sujeira no pátio e no interior das peças. Os vândalos furtaram torneiras, extintores de incêndio, para-raios e a fiação elétrica, arrombaram as portas, danificando praticamente todas as fechaduras, quebraram vidros das janelas e luminárias.
O Pioneiro não conseguiu contato com a empresa, nem com o advogado que a representa no processo.
Reparos devem chegar a R$ 120 mil
Conforme os vereadores que acompanharam o caso da escola e a vistoria, quando a estrutura foi entregue, estava pendente a ligação da rede de energia elétrica do poste até os prédios (que não constou no projeto inicial), o cercamento no entorno do terreno e o portão de acesso. Tudo isso poderia ter sido feito com os R$ 146 mil que sobraram da verba inicial destinada pelo governo federal. Com isso, a escola teria sido ocupada pelos alunos, professores e servidores proporcionando melhores condições de ensino, o que, efetivamente, deveria ser o foco do município.
Mas, diante da discordância entre município e empreiteira, o abandono do prédio e a ação dos vândalos, atualmente, o valor deverá ser usado para recuperar os danos causados ao patrimônio. Uma licitação chegou a ser aberta pela atual administração para fazer a reforma, mas como o caso está sob judicie, a prefeitura desistiu do processo.
Os vereadores Osmar Cenci (PDT) e Vanilo Giacomin (PT) encaminharam o caso ao Ministério Público Federal de Bento Gonçalves. Para os parlamentares, não há impedimento para ocupação da escola. Além disso, o assunto entra na ceara do desperdício e má administração de dinheiro público, já que o município terá de usar o recurso do FNDE para recuperar os danos causados pelo vandalismo em vez de investir no mobiliário e outros equipamentos. Ainda, conforme os vereadores, a transferência dos alunos para a área urbana também representaria economia aos cofres públicos que gasta cerca de R$ 20 mil por mês com transporte escolar.
— A prefeitura tem uma dificuldade imensa de conseguir recurso, quando consegue acontece isso — disse Cenci referindo o abandono do prédio.
Pais têm diferentes opiniões sobre o assunto
Enquanto a nova escola não é inaugurada, as crianças continuam frequentando a única instituição de ensino do município, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Conelio Mattei, na localidade de Linha Dona Cândida. O prédio aparenta estar em boas condições, tem três salas de aula, biblioteca, cozinha, sala de direção e de informática e dois banheiros para as crianças (nenhum deles adaptado). Em função da restrição de espaço, as turmas são divididas em dois turnos _ duas pela manhã (4º e 5º anos) e três à tarde (1º, 2º e 5º) _ em um total de 67 alunos.
A nova escola, além de ter uma sala de aula a mais, elas são maiores, arejadas e com boa iluminação natural, assim como os demais ambientes. Há sala para direção, para professores, biblioteca e laboratório de informática, cozinha com refeitório e banheiros adaptados. Segundo o ex-prefeito, Valnei Cover, que recebeu a obra da empreiteira no final de 2016, a ideia do município ao construir o novo prédio era ter todas as crianças estudando em um mesmo turno e, também, implementar educação em turno integral.
Os pais têm diferentes opiniões sobre o assunto. A agricultora Elaine Filipi Chiela, 40 anos, se diz indiferente à transferência ou não dos alunos para a nova escola. Ela mora a poucos metros do atual colégio, portanto, a distância não é um problema para levar a filha Gabriela, 9, para as aulas no 4º ano.
— Eu gosto daqui, moro aqui. Para mim é indiferente nessa escola como lá (na nova) — disse a agricultora.
Para o perito que avaliou a estrutura a pedido da justiça, o perigo que o trajeto até a Cornelio Mattei oferece é um ponto a ser considerado. São seis quilômetros pela ERS-341. O trecho é feito quatro vezes ao dia pelo transporte escolar na rodovia que tem movimento intenso de veículos leves e caminhões.
O QUE DIZ A PREFEITURA
Segundo o prefeito Tiago Grando ele foi alertado por uma engenheira servidora da prefeitura que havia problemas na obra. A construtora foi contatada, foram feitas reuniões, mas não houve acordo.
— No nosso entender e, de acordo com parecer técnico, tem melhorias que deveriam ter sido feitas — disse o prefeito.
Além disso, conforme o gestor, a administração enfrenta questões burocráticas. Grando diz que o terreno não tem escritura regularizada. A questão é tratada há um ano e meio pela administração e o documento deve ser assinado e registrado na terça-feira. Com isso, será possível pedir a ligação de luz, fazer o acesso até a escola e encaminhar documentação à 16ª Coordenadoria Regional de Educação para a abertura.
O gestor conta que esteve em Brasília, no dia 27 de fevereiro, em reunião com o FNDE para discutir o projeto de cercamento da área com a utilização do recurso que sobrou da verba do fundo (R$146 mil). O FNDE ficou de dar um retorno sobre isso após o Carnaval. Conforme Grando, um projeto chegou a ser encaminhado ao fundo, mas não foi aprovado. Ainda, segundo o prefeito, caso o FNDE não aprove o projeto de novo, a prefeitura vai licitar e custear a obra com recurso do caixa do município.
Sobre os atos de vandalismo, o prefeito disse que ocorreram porque a área não era cercada e a prefeitura não tinha como colocar uma pessoa vigiando o local. Aliás, a prefeitura não tem, no quadro de servidores, o cargo de vigilante ou guarda.
Por fim, vencidos os entraves burocráticos, o prefeito projetou para até junho a abertura da escola.
— Não é uma questão política. Somos os mais interessados em fazer essa escola funcionar. É um embaraço que vários outros municípios estão passando pela mesma situação. Estamos tentando resolver. Não estamos medindo esforços — declara o prefeito referindo que a prefeitura investe 26% do orçamento em educação.
O Pioneiro ligou cinco vezes para o celular do procurador jurídico do município, Gilmar Marino, durante a tarde da última sexta-feira e desta terça, mas ele não atendeu as chamadas.