Atuar na proteção animal é uma jornada constante e crescente de desilusão com o comportamento humano. Todos os dias, voluntários recebem denúncias de maus-tratos e pedidos de ajuda: bichos mutilados ou doentes, abandonados ou vivendo em condições precárias de higiene são rotina para uma rede que se articula como pode. Em Caxias do Sul, dezenas de ONGs, grupos de voluntários e protetores independentes buscam compensar o pouco alcance das políticas públicas para a área.
O volume de casos é significativo: somente no ano passado, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) realizou em torno de 863 verificações de maus-tratos contra os animais. Nos primeiros 25 dias de 2019, já foram 123 verificações. Quem atende aos chamados é o Departamento de Proteção e Bem-Estar da pasta, criado em janeiro de 2017. Desde então, foram mais de 1,2 mil atendimentos. Apesar de não haver estatísticas para comparação, voluntários dizem que o número é alto e está crescendo. Nove pessoas compõem o setor na Semma.
Mais do que a insuficiência da rede de proteção institucional, o problema, na visão de quem convive com essa realidade diariamente, é o descaso de donos, que se tornou mais visível graças às redes sociais.
— Os donos de animais estão muito relapsos. É muito fácil jogar a responsabilidade para uma ONG. As organizações estão falidas, todas elas. Temos de tirar da cabeça das pessoas que as ONGs têm obrigação de atender — reforça a presidente da ONG Na Rua Nunca Mais, Paula Terres.
Há mais de 20 anos atuando na causa, Paula relata que em duas décadas muita coisa mudou na relação donos/animais: as pessoas foram tirando cães de correntes, e muitos já tratam o bicho como integrante da família. Por outro lado, os casos crescem a cada ano.
— Não sei se por haver rede social estamos sabendo mais, mas nunca vivi uma situação tão séria na nossa cidade. Não sei o que está acontecendo com a população, acham que abandonando alguém vai recolher e cuidar. Eu nunca vi tanto abandono — complementa Paula.
Catia Giesch, presidente da ONG Proteção Animal Caxias (PAC), que acolhe 200 animais vítimas de maus-tratos, ressalta que no fim de ano e férias, quando muitas pessoas viajam, o número de denúncias aumenta ainda mais:
— De novembro a março, a demanda aumenta. Entre Semma e PAC, são mais de 30 denúncias. A maior parte são de animais abandonados nas casas, sem água nem comida, ou de pessoas que se mudaram e deixaram animais para trás — relata.
O amor pela causa é o que transcende qualquer dificuldade. Ainda assim, por mais que se orgulhem do trabalho que fazem, protetores prefeririam não ter de fazê-lo.
— Quando telefone toca e uma pessoa diz que precisa de ajuda, já me dá um mal-estar. Isso que eu não sou diretamente envolvida com isso. Mas a gente endurece nessa causa, perdemos a fé no ser humano muito rapidamente — desabafa a professora universitária Rejane Rech, que coordena o projeto Engenharia Solidária, cujo objetivo é angariar fundos para entidades protetoras.
Ajudar além do textão de Facebook
São frequentes as publicações de denúncias de crueldade e abandono de animais em redes sociais. Textos enormes geram comoção de usuários, cobranças ao poder público e clamor por justiça. Porém, nem sempre o ato é suficiente ou recomendado.
— A proteção está muito banalizada. As pessoas perderam a noção. Batem uma foto e colocam nas redes sociais com texto. Vai um monte de gente e comenta. Aí, quando chegamos no local, não é nada daquilo. Sem contar que, às vezes, expor faz com que os donos descubram e se livrem do animal antes de chegarmos. Mais útil do que fazer textão no Facebook, é ajudar de fato ou denunciar a quem pode ajudar — comenta a presidente da PAC, Catia Giesch.
— Não adianta ir para Facebook e armar maior barraco. Não adianta bater foto e jogar na internet e dizer que alguém tem de ajudar — complementa Paula Terres, da ONG Na Rua Nunca Mais.
E acrescenta:
— Na internet, todo mundo se comove e nos procura, dizendo que quer ajudar. Mas, na hora, ninguém vai. Não temos retorno da sociedade. Só na hora de pedir ajuda.
COMO DENUNCIAR
Denúncias de maus-tratos podem ser feitas presencialmente na Semma ou pelo site caxias.rs.gov.br, na aba PROTEÇÃO ANIMAL, com preenchimento de dados completos e envio de fotos. Toda denúncia é anônima e sigilosa. Denúncias realizadas por redes sociais não são válidas. Dependendo da gravidade do caso, o atendimento é quase imediato. Situações mais brandas são averiguadas em até 48 horas.
Ajuda para ajudar
Em meio a tantas demandas, as ONGs ainda precisam correr atrás de recursos para custear os trabalhos. Alguns grupos, inclusive, desenvolvem ações de arrecadação de verba e repasse para entidades voltadas à proteção animal. Caso da Engenharia Solidária, coordenada pela professora Rejane Rech. Cerca de 40 pessoas atuam, principalmente, no recolhimento de tampinhas plásticas, que são revendidas e o valor (ou o equivalente em ração) destinado a entidades que atuam na causa animal.
De 2015 a 2018, foram obtidos R$ 155 mil com a coleta de 78 toneladas de tampinhas. O valor renderia, pelos cálculos de Rejane, cerca de 40 toneladas de ração.
— O objetivo é auxiliar quem trabalha na linha de frente. Ajudamos duas ONGs e cerca de 20 protetores independentes — destaca.
Ainda assim, a ajuda é insuficiente.
— A gente paga, apenas com lar temporário, em torno de R$ 6,5 mil. Tenho de tirar dinheiro da coleta de tampinhas, de brechós, de pedágios, porque não recebemos ajuda de ninguém — lembra Paula Terres, da ONG Na Rua Nunca Mais, que oferece acolhimento temporário a cães abandonados.
COLABORE
Para ajudar ONGs de proteção animal, a orientação é que as entidades sejam contatadas via Facebook. Abaixo uma relação de algumas ONGs de Caxias:
:: Proteção Animal Caxias (PAC)
:: Na Rua Nunca Mais
:: Amor Vira Lata
:: Brechó Chicão
:: Help Vira Latas
:: S.O.S. Peludos
:: Peludos em Apuros
:: Soama
:: ONG da Vaquinha
:: Engenharia Solidária
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