O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, no último dia 25 de janeiro, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais, acendeu o alerta para o estado de conservação e para a segurança desses reservatórios em todo o país. Em Caxias do Sul, são nove barragens de captação de água para abastecimento da população. Nenhuma delas possui plano de segurança. A elaboração dos planos será contemplada no investimento de R$ 1 milhão previsto para este ano pelo Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae), responsável pelos sistemas de água e esgoto da cidade.
É nesse plano de segurança que está o plano de ação de emergência, com previsão de alarmes e outros dispositivos em caso de rompimento. A verba deve atender ainda a contratação de empresa para vistoriar as construções e a compra de equipamentos para monitoramento. Além disso, a autarquia pretende contratar profissionais para compor a seção de engenharia de barragens.
De acordo com o diretor da Divisão de Planejamento do Samae, Gerson Panarotto, o valor foi aprovado no orçamento interno ainda em 2018, ou seja, não tem relação com a tragédia de Brumadinho, mas, sim, atender às necessidades do sistema.
Com as mudanças na legislação, de cerca de cinco anos para cá, o plano de segurança é pré-requisito para a concessão da outorga, documento que libera o uso da represa e o quanto de água pode ser retirado do curso d'água para a finalidade desejada. Segundo o Samae, apenas as duas últimas barragens construídas no município (Faxinal e Marrecas) têm outorga e, mesmo assim, não possuem planos de segurança porque não era exigido. As mais antigas da cidade não têm nem outorga porque, conforme o Samae, ela não era exigida no processo de liberação para a operação. Após a nova legislação, todas as barragens têm de se adequar.
– Na barragem Marrecas, chegou a ser feita uma minuta de plano de segurança, com base na Lei Federal, mas como não estava regulamentado no Estado, não foi oficializado como plano – relata Panarotto.
Panarotto explica que todas as represas do município são do tipo de gravidade, ou seja, têm a função de sustentar o empuxo da água com o peso próprio.
– Toda a barragem tem algum grau de risco de rompimento. Por isso, precisam ser feitas inspeções visuais, monitoramento por equipamentos e limpeza na parte jusante (abaixo da contenção) para ver o quanto de água está sendo drenado. Dentro do núcleo de argila, tem um sistema de drenagem das águas de infiltração, ou seja, as águas que infiltram nesse núcleo são captadas por uma drenagem e jogadas para frente da barragem. É preciso verificar se essa drenagem está funcionando, se a vazão tem aumentado e se está saindo somente água limpa... Esse tipo de verificação é feita para ver se a barragem está estável – explica Panarotto.
Barragem mais antiga é de 1928
Segundo o Samae, a barragem mais antiga do município é a São Paulo, construída em 1928. Ela faz parte do complexo Dal Bó, composto outras duas represas: a São Pedro, de 1942, e a São Miguel, de 1952. As outras seis barragens da cidade são a Samuara (1957), as duas de Galópolis (uma de 1967 e outra de 1980), a Maestra (1971), a Faxinal (1992), e a Marrecas (2012), a mais recente e também mais volumosa, com 30 milhões de metros cúbicos de água armazenados.
Apesar de armazenar menos volume de água do que a Faxinal e a Marrecas, pela posição em que está, na área urbana da cidade, é a Dal Bó a que apresenta mais riscos entre as represas do município.
– Por ser muito central, dentro da área urbana, ela tem grau de risco maior, o que chamamos de dano potencial associado, que é o dano que ela pode provocar se vier a romper. Quanto mais centralizada, maiores são os danos e as potenciais perdas de vidas que podem ocorrer. As outras sendo rurais, os danos seriam mais materiais e de campo do que de vidas – analisa o diretor da Divisão de Planejamento do Samae, Gerson Panarotto.
Empresa faz vistorias em área submersa
Diferentemente das barragens de Brumadinho e Mariana, que armazenam rejeitos de minério, a maioria das represas do Rio Grande do Sul têm como finalidade a irrigação e a retenção de água para animais, além, é claro, do abastecimento da população. O órgão responsável por fiscalizar se a autarquia municipal está mantendo as barragens em condições é a Secretaria de Meio Ambiente do Estado. À Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) cabe emitir a licença de operação para o sistema funcionar. A Agência Nacional de Águas (ANA) é o agente fiscalizador nos sistemas de domínio da União, como aqueles localizados em rios que cortam mais de um Estado, por exemplo. Mas também é a ANA que concentra as informações repassadas pelos outros órgãos fiscalizadores nos Estados.
O setor local responsável pelas vistorias nas barragens da cidade é a Divisão de Recursos Hídricos do Samae. Em 2015, o Samae contratou uma empresa de consultoria que elaborou laudos para todas as represas de Caxias. Os laudos apontaram a necessidade de limpeza nos entornos dos sistemas para facilitar a visualização e a instalação de equipamentos como piezômetros (aparelhos que monitoram a pressão) nas barragens. Na parte estrutural, o documento refere que elas estavam em boas condições e estáveis.
Com base nos apontamentos, nos últimos dois anos, foram feitas limpezas junto ao complexo Dal Bó, à Faxinal e à Maestra. Depois disso, segundo a autarquia, a manutenção é periódica. A ideia é manter os locais limpos para facilitar a visualização de alguma anormalidade. Fora isso, o Samae tem contrato com uma empresa de mergulho que faz as vistorias nas partes submersas e manutenção nas comportas caso ocorra algum problema.
Caxias já teve transbordamento e vazamento de barragens
Durante um período de chuva intensa no início dos anos 2000, a barragem São Miguel, no complexo Dal Bó, transbordou. Foi preciso abrir uma vala de drenagem de forma emergencial para escoar água para o Arroio Tega, evitando que houvesse risco de rompimento. A partir do episódio, foi feito um estudo que apontou que o vertedouro (escape) da barragem era menor do que o necessário. Assim, foi construído um vertedouro de reforço que é controlado por uma comporta, aberta quando o nível da água está muito alto.
– Foi uma obra necessária para dar segurança à barragem. Nas demais, nunca teve problemas. Todas têm estabilidade, não apresentando situação de risco – garante Panarotto.
Dona Fátima Terezinha Martins dos Santos, 46 anos, mora com o marido, Juvenil Antunes dos Santos, 45, dois filhos e a nora, em uma casa logo abaixo da barragem São Miguel, no bairro que tem o mesmo nome dela, Fátima. Moradora há 23 anos do local, ela lembra de quando houve o transbordamento, mas diz que não sente medo:
– Após essa tragédia (de Brumadinho), claro que dá um certo medo. Mas, fazer o quê? Na verdade, não tenho muito medo não. É bom as autoridades ficarem alertas, porque depois que acontece (o rompimento) não adianta mais.
Seu Juvenil conta que a água da barragem desceu pela rua asfaltada que passa em frente à casa mas não chegou a invadir o pátio deles, somente os de moradores que vivem na parte mais baixa do bairro, assim como os do bairro vizinho, o São José.
Em janeiro de 2014, o Pioneiro mostrou que um vazamento que persistia desde abril de 2013 na barragem Marrecas. A água escapava por entre o concreto do paredão e as rochas de basalto. O líquido também escorria em pontos de junção na galeria interna e pelas paredes externas. Como a obra estava dentro do prazo de "garantia", as empreiteiras Fidens e Sanenco, de Minas Gerais, foram acionadas pelo Samae para providenciar o conserto. O problema teria se resolvido com a aplicação de nata de cimento nas ombreiras (laterais) da parede externa, entre o concreto e as rochas e a injeção de poliuretano nas juntas dos blocos da barragem.
Confira quais são e as características dos seis complexos que reúnem as nove barragens que abastecem o município:
:: Complexo Dal Bó composto por três barragens: São Paulo, construída em 1928, São Pedro, de 1942, e São Miguel, de 1952. Capacidade total de 1,9 milhão de metros cúbicos. Construídas em alvenaria de pedra.
:: Samuara, de 1957. Capacidade de 720 mil metros cúbicos. Construção mista com parte em terra (núcleo de argila) e alvenaria de pedra.
:: Galópolis composto por duas barragens: uma de 1967 (de jusante, ou seja, mais abaixo no arroio) e outra de 1980 (de montante, ou seja, mais acima no arroio). Capacidade de 5,2 mil metros cúbicos. Construída em alvenaria de pedra.
:: Maestra, de 1971. Capacidade de 5 milhões de metros cúbicos. Construção em terra (núcleo em argila responsável pela impermeabilização) com enrocamento (lascas de pedras depositadas nas laterais) para dar resistência e impedir que a água fique em contato direto com a terra.
:: Faxinal, de 1992. Capacidade de 25 milhões de metros cúbicos. Feita em terra (núcleo em argila responsável pela impermeabilização) com enrocamento (lascas de pedras depositadas nas laterais) para dar resistência e impedir que a água fique em contato direto com a terra.
:: Marrecas, de 2012. Capacidade de 30 milhões de metros cúbicos. Construída em concreto compactado a rolo (CCR).