Para quem consegue parar no primeiro copo, pode até parecer fácil manter o controle diante da cerveja, do vinho ou do uísque. Mas a realidade é bem diferente para quem sofre com o alcoolismo, doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para se ter ideia da gravidade, a própria OMS diz que 3 milhões de pessoas morrem por ano em decorrência do uso nocivo do álcool. Outro dado pode ajudar a entender melhor o tamanho do problema: 200 doenças e lesões estão relacionadas à ingestão de bebidas alcoólicas.
Os números são um alerta, que ganha ainda mais importância nesta segunda-feira (18), quando é lembrado o Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo. Embora para a maioria das pessoas a ingestão de bebidas alcoólicas esteja relacionada a comemorações, elas representam um perigo para as relações sociais de outra parcela da população. Resistir a um copo é um desafio, já que o álcool é socialmente aceito e negá-lo pode trazer até mesmo constrangimento.
— O consumo de álcool tem uma diferença. Ninguém vai ser abordado na rua por estar carregando uma garrafa de vinho. Parece que o álcool não causa nenhum problema social, mas na verdade causa muito desestruturação de família, problemas clínicos, como cirrose. A síndrome de abstinência do álcool é ainda a mais grave que existe — explica Merielem da Silva, coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Reviver.
Difícil é encontrar algum adulto que nunca tenha bebido. Mas essa é uma relação que começa ainda na adolescência. Conforme a Sociedade Brasileira de Pediatria, o álcool é a substância psicotrópica considerada droga legal mais utilizada por adolescentes no Brasil e no mundo. O médico Celso Luís Cattaneo, psiquiatra com especialização em Dependência Química, afirma que quem começa a beber na infância ou na adolescência tem maior risco de dependência, porque o sistema nervoso ainda não está maduro.
Também há diferenças em relação ao efeito do álcool no corpo feminino e masculino. Conforme o psiquiatra, as mulheres têm uma metabolização menor, o que implica em menos tolerância. Ainda assim, a porcentagem de mortes atribuíveis ao álcool entre os homens é de 7,7% em comparação com 2,6% de todas as mortes entre mulheres, conforme a OMS. O alcoolismo parece mesmo estar mais relacionado ao sexo masculino. Na reunião dos Alcoólatras Anônimos acompanhada pela reportagem, a maioria dos frequentadores era homem e a própria rede pública de saúde de Caxias do Sul tem apenas leitos masculinos em um dos serviços oferecidos, a Unidade de Acolhimento. No entanto, o efeito é nocivo independente do gênero, como mostra a entrevista com a jornalista Barbara Gancia.
A ingestão excessiva de álcool traz uma série de consequências para o organismo, explica o médico. O sistema digestivo é altamente prejudicado. Entre as doenças que podem surgir, estão gastrite crônica, úlcera, cirrose, hepatite tóxica, além da maior chance de desenvolvimento de câncer. O sistema nervoso também é afetado, com alterações de memória e síndrome da abstinência, por exemplo. Até o coração sofre. Conforme o médico, o dependente pode ter taquicardia, arritmia e pressão alta.
A dependência do álcool pode ser controlada, mas a doença não tem cura. Cattaneo explica que o uso recorrente, por meses ou anos, resulta em alterações neuroquímicas:
— Essas alterações psicopatológicas e de funcionamento neuroquímico, na medida que são instaladas na pessoa, não desaparecem. É como se o sistema nervoso da pessoa fosse se acostumando ao efeito do álcool e, depois destas alterações se processarem, os neurônios ficam pedindo mais e mais para que a pessoa use a substância. Eles se costumam com essas alterações e essas alterações não poderão mais ser desfeitas.
Em Caxias do Sul, a Secretaria da Saúde não tem um número de pessoas em tratamento do alcoolismo. No Sistema Único de Saúde (SUS), cerca de 15 mil pacientes procuraram serviços contra a dependência química desde 2004.
População precisa se conscientizar
Droga lícita, o álcool acaba não sendo, muitas vezes, encarado com a seriedade que merece. O uso abusivo representa um grave problema de saúde pública. Para resolver ou ao menos amenizar os problemas, políticas públicas são importantes para monitorar os comportamentos de consumo. Mas, segundo o doutorando em Saúde Coletiva Maiton Bernardelli, é preciso também conscientização da população sobre os riscos e danos da bebida alcoólica.
— Nem sempre isso (alcoolismo) vai ser identificado pelas pessoas que estão próximas de quem faz uso abusivo como um problema. Vai entender que se passou um pouco porque era uma festa, por exemplo. E muitas vezes isso está mascarando um problema. Você enxerga a pessoa feliz, alegre, mas ela pode estar disfarçando uma depressão, uma crise de ansiedade. Por isso, a conscientização da população em relação ao consumo é de suma importância para poder diminuir o uso abusivo — destaca o professor da FSG.