Relatos, documentos históricos e notícias de jornais antigos dão uma ideia da violência e da criminalidade em Caxias do Sul e nas localidades subordinadas entre os anos 1896 e 1920. Confira alguns casos marcantes do período. Os nomes de algumas vítimas e autores estão suprimidos em respeito aos descendentes das partes. Foram mantidos apenas a identidade de pessoas que ocupavam cargos públicos ou em casos com grande apelo histórico:
:: Imigrante da França e com filiação ignorada, um homem bebia e jogava num bar em Caxias do Sul quando foi procurado pela mulher, que queria levá-lo embora. Na frente dos conhecidos da bodega, agrediu a mulher a bofetadas e levou-a embora. Em casa, concluiu a agressão com um tiro fatal. O crime de 30 de junho 1901 marcou a cidade de tal forma e chegou a inspirar artistas que pretendiam notar uma peça teatral sobre o caso. Posteriormente, a disputa pela guarda do filho do casal também teve cobertura da imprensa. O francês foi condenado a 30 anos de prisão e seria solto em condicional em 1925.
:: Crime horroroso. Assim o jornal O Cosmopolita classificava o bárbaro assassinato de um agricultor em Mato Perso (Flores da Cunha). Em fevereiro de 1903, um italiano de 60 anos decapitou um morador da localidade com um machado durante uma suposta briga. Preso, o assassino seria levado dias depois para tratamento psiquiátrico.
:: Naquele mesmo mês e ano, o julgamento de um homem que havia "deflorado" três filhas era o assunto de Caxias. Os jurados condenaram o réu a sete anos de nove meses de prisão com base no artigo 268 do Código Penal de 1890, que estabelecia pena para estupro de "mulher virgem ou não, mas honesta (sic)".
:: Se muita gente questiona a violência atual de adolescentes, esse problema já ocorria há mais de 100 anos. Em 1910, na localidade conhecida como Burgo (o atual bairro Jardelino Ramos), um guri de 16 anos matou a facadas um ferreiro de 27 anos durante uma briga banal. O adolescente teve o nome exposto publicamente (hoje isso é proibido) e foi preso.
:: Era um jogo de cartas num bar. A vítima estava atenta ao baralho quando levou um golpe no pescoço. A arma: um cabo de guarda-chuva. O crime ocorreu em 4 de agosto de 1912 e foi registrado pelo jornal O Brazil. Dias antes, a vítima apartara uma briga entre dois homens, sendo um deles o assassino. O criminoso fugiu e só voltaria anos mais tarde para Caxias quando o homicídio já havia prescrito.
:: Angelo Muratore, subintendente de Caxias, era um dedicado funcionário. No dia 15 de outubro de 1914, ajudou a prender um morador de Porto Alegre que havia furtado joias e outros objetos de uma casa na área central de Caxias. O ladrão seria levado para a sede da intendência. No meio do caminho, na Rua Sinimbu, o criminoso sacou uma pistola e atirou contra Muratore. Mesmo ferido, o subintendente conseguiu desarmar o algoz. Muratore morreria horas depois. O ladrão fugiu, mas seria preso e condenado a 24 anos de prisão em janeiro de 2016.
:: Em maio de 1917, um militar do Exército perderia a vida numa briga de bar. O corneteiro da corporação em Caxias jantava pão e salame numa bodega quando levou uma facada. A arma do crime era a mesma que o militar tinha usado para cortar o pão. O assassino foi preso.
:: Sobrinho do célebre Barão do Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos Júnior), o tenente do Exército Homero da Silva Paranhos, 31 anos, foi assassinado em Caxias . Natural de São Gabriel e integrante de uma família tradicional de militares, Paranhos era o primeiro instrutor do Tiro de Guerra 248, um clube de Caxias que habilitava o manuseio de armas e mais tarde seria incorporado ao Exército. Na noite de 27 de setembro de 1917, durante uma briga com um dentista na Rua Doutor Montaury, perto da Praça Dante Alighieri, o tenente foi esfaqueado e morreu dias depois. O oficial morava havia um ano em Caxias. A morte causou grande comoção no Estado. Eventos públicos foram cancelados e a cidade parou para participar do enterro no dia 16 de outubro no Cemitério Público Municipal.
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IMPUNIDADE ANTIGA
:: Em 1904, a imprensa local questionava as absolvições de vários réus em julgamentos por crimes variados em Caxias do Sul, um recorte da impunidade tão debatida atualmente.
:: Em agosto do mesmo ano, o jornal O Cosmopolita exortava a população a "meter bala" em ladrões. A indignação era contra a falta de investigação e punição dos autores de furtos de galinha, lenha e roupas na cidade. "Para substituir a polícia só uma boa espingarda", frisava a publicação. A polícia também afirmava ter apreendido no mesmo ano notas falsas de dinheiro.
:: Uma nota no jornal O Brazil, em julho de 1911, chamava a atenção para o jogo do bicho em Caxias. Mesmo proibida, a jogatina avançava e era considerada um mal para o progresso da cidade em 1911. Já se passaram 107 anos e os jogos ilegais estão mais fortes do que nunca.