Caxias do Sul parecia tranquila e não registrava um grande quantidade de crimes no final do século 19. Mas não era uma comunidade pacífica, pois ocorriam crimes frequentes e até mesmo as lideranças estavam envolvidas em confusões grandiosas. Uma delas marcou a conturbada formação da cidade. A chegada do padre italiano Pedro Nosadini, em 1896, deu início a uma série de conflitos entre a Igreja Católica e o governo municipal composto por integrantes da maçonaria.
A corrente ultracatólica defendia a prioridade da igreja em tudo e fazia críticas aos administradores públicos locais especialmente pelo envolvimento com a maçonaria . Conforme historiadores, Nosadini se tornou um líder e uniu os católicos, o que provocou grande desconforto na intendência.
A tensão entre as lideranças culminou num atentado contra o religioso em 1897. A casa paroquial, atualmente conhecida como Catedral Diocesana, foi invadida por um bando armado. Nosadini foi espancado e levado para longe da vila, onde havia sido sentenciado à morte, mas acabou poupado e expulso da comunidade. Ele voltaria meses depois com o aval do presidente do Estado, Júlio de Castilhos, após a intervenção do bispo do Rio Grande do Sul.
A paz durou pouco e os conflitos continuaram entre o padre e o intendente José Cândido de Campos Júnior. Os rivais inclusive usavam dois jornais para tecer acusações e versões. O Caxiense atendia aos interesses republicanos, no caso, a intendência. O Il Colono Italiano, fundado por Nosadini, se dizia representante dos imigrantes e era escrito em italiano, mas tinha o objetivo de fortalecer a influência da Igreja na cidade. Numa história nunca comprovada, Campos afirmava ter escapado de um atentado a tiros cometido por apoiadores do padre. Após muita pressão, o padre foi removido de Caxias em 1898 e voltou para Itália.
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Desarmamento no tempo antigo
A polêmica em torno do Estatuto do Desarmamento parece atual, mas já era tema discutido no passado. Com fim da Revolução Federalista em 1894, não houve recolhimento ou entrega espontânea de espingardas ou revólveres, embora o Código Penal da época proibisse o uso para quem não fosse militar ou policial. Logo, homens circulavam armados especialmente na zona rural e não havia muitos guardas ou as chamadas blitze para identificar os infratores.
— As pessoas andavam extremamente armadas — conta o historiador e oficial da reserva da Brigada Militar Manoelito Savaris.
Mas se não ocorriam crimes como assaltos, por que os moradores de Caxias precisavam se proteger?
— O colono tinha a arma para proteger sua terra, sua propriedade — complementa a socióloga e historiadora Vania Herédia.
Embora parecesse normal e fossem usadas também para a caça, as armas estimulavam os rompantes de macheza e os acertos de contas entre rivais. Na esteira, ocorriam tragédias familiares, o que começava a atemorizar as pessoas. Em abril 1904, uma menina de cinco anos morreu com um tiro ao manusear a espingarda deixada pelo pai atrás de uma porta. Na mesma notícia, o semanário O 14 de Julho chamou a atenção para os inúmeros casos parecidos que ocorriam na região.
Em janeiro de 1910, o delegado de Polícia, Francisco Januário Salerno, publicou um edital no jornal O Brazil alertando para a proibição do uso de armas de fogo sem licença expressa. A desobediência resultaria em prisão. O próprio Salerno usava a determinação com conhecimento de causa, afinal havia liderado a revolta armada dos colonos em 1891. Onze meses depois, o novo delegado de polícia reiterou novamente a lei e o armamento já era usado de forma discreta, sem ostentação.
A legislação que regulamentaria ainda mais a fabricação e o uso de armas no Brasil só seria promulgada 20 anos depois no governo de Getúlio Vargas. As medidas, porém, não seriam suficientes para impedir contendas, duelos e vinganças. Pelo contrário, o suposto controle das autoridades sobre o comportamento da população seria testado ao longo do tempo com muitos tiros e vidas perdidas.