Sair do país de origem em busca de uma vida melhor é, em si, um ato de esperança. Justamente com a intenção de estimular os sonhos de quem, muitas vezes, precisa deixar a família para tentar a sorte em terras estrangeiras é o que a Cáritas Internacional promove no mundo todo com a campanha Compartilhe a viagem. A iniciativa foi lançada em 2017 pelo papa Francisco e prossegue até o final do ano que vem.
No projeto, malas são distribuídas em diversos países e percorrem cidades onde são recolhidos depoimentos de estrangeiros sobre expectativas e sonhos que movem as migrações. Desde o dia 2 de outubro, a mala destinada ao Rio Grande do Sul — ao todo são cinco espalhadas pelo Brasil — está em Caxias do Sul. Na primeira semana, ela esteve no Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), no bairro Marechal Floriano. Até sexta-feira, a mala permaneceu na Igreja São Pelegrino e, neste sábado, estará disposta na Catedral Santa Tereza.
Em Caxias, segundo o CAM, todos os migrantes atendidos neste período foram estimulados a compartilhar depoimentos na mala. Junto ao papel, é possível deixar um objeto de valor simbólico pessoal. Atualmente, a mala está cheia, e apenas com depoimentos de estrangeiros que residem em Caxias mas também daqueles que vivem nas 10 cidades por onde o objeto passou.
— A ideia é sensibilizar e também mostrar que, independentemente do motivo que trouxe esse migrante, seja por refúgio, acolhida humanitária, ou voluntariamente, todos eles têm sonhos — comenta o advogado do CAM, Adriano Pistorelo.
"Qual seu sonho quando decidiu migrar?" é a pergunta que respondem os migrantes em uma pequena cartela. Dentro da mala, em um pequeno varal, alguns dos bilhetes exibem as expectativas dos estrangeiros.
"Ajudar os sete filhos que ficaram no Haiti com boa escola e moradia. Esposa faleceu há um ano", "Conseguir trabalho para buscar minha filha no Haiti", "Ajudar minha família a construir nossa casa", "Conseguir emprego para dar melhor educação aos filhos", dizem algumas das notas.
— Preciso de trabalho para realizar meu sonho: ter uma vida melhor. Depois, queria viajar, conhecer o mundo, mas antes preciso de um trabalho — relatou Kendy Charles, haitiano que está há cerca de cinco meses em Caxias.
As expectativas de quem está há pouco tempo são semelhantes. Mas para quem já se estabeleceu na cidade e já conta com emprego, sonhar já parece um pouco mais fácil.
— Meu sonho é voltar à escola para fazer depois a faculdade. Ainda não sei o que quero (cursar), mas num futuro quero fazer faculdade. Hoje estou muito feliz, tenho meus filhos morando comigo. Agora, meu sonho é melhorar de vida. Voltar ao meu país, só para visitar — comenta a haitiana Maude Jules, que é artesã e funcionária do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM).
Após encerrar a passagem por 13 cidades do Rio Grande do Sul, todas as malas serão remetidas a Brasília para o encerramento da campanha em nível nacional. Em seguida, elas serão encaminhadas para Roma, para ato de conclusão com o Papa Francisco.
"A mala representa a todos nós"
Motivada pela passagem do projeto na cidade, a Diocese de Caxias programou atividades alusivas à migração. Na terça-feira, uma missa temática foi ministrada pelo bispo Dom Alessandro Ruffinoni na Igreja São Pelegrino.
— O que percebemos com a campanha é que os sonhos nunca são individuais. Os migrantes sempre esperam e buscam ajudar as famílias, conseguir trabalho — afirma a coordenadora do CAM, irmã Maria do Carmo Gonçalves.
Apesar de se restringir à participação de migrantes e as entidades ligadas à ação, segundo a coordenadora do CAM, a iniciativa da mala dos sonhos contribui para humanizar o olhar sobre os fluxos migratórios:
— A gente vive atualmente num mundo onde as hostilidades estão tão afloradas e de rejeição com próximo. Essa campanha tenta abordar o outro sentido, de que somos todos viajantes nesse mundo. E as pessoas que vêm, trazem uma história com elas. Não são tão diferentes dos demais do ponto de vista humano, elas sofrem e têm sonhos. Muitas vezes esse sonho é algo singelo, é o sonho por uma vida mais digna e por respeito — ressalta.
Para o bispo, a campanha não só incentiva a reflexão sobre o papel de todos na recepção e aceitação de migrantes, como também o cultivo de valores como o respeito com o próximo:
— Sem essa mala, nós não estaríamos aqui. Não necessariamente essa mala, mas o que ela representa. Todas nossas famílias migraram para cá, com malas como essa. Por isso, temos que agradecer os que vieram e os que estão vindo, pois são eles nos despertam esses sentimentos cristãos de acolhimento, de respeito. Nem todos eles são católicos, mas os nossos valores são os mesmos — defendeu Dom Alessandro no sermão durante a missa.
O haitiano Charles Monsanto, que está em Caxias há cerca de três anos foi um dos que participou da missa. Ele comenta que não é católico, mas fez questão de prestigiar o ato.
— Gostei da ação. Hoje me sinto mais bem acolhido, no início, quando cheguei, sofria preconceito, hoje não mais — destaca.
Questionado sobre o que escreveu no bilhete depositado na mala, respondeu:
— Não escrevi muito. Só coloquei que meu sonho é ter uma vida melhor.
Neste sábado, a mala participará da missa das 19h na Catedral. Após, ela será encaminhada para Novo Hamburgo.
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