Num contexto no qual centenas de crianças estão fora de creches e escolinhas infantis públicas em Caxias do Sul, a criação de 30 vagas no distrito de Vila Cristina pode não ter tanta força a ponto de balançar a fila de espera. Só que essa possibilidade, inflada pela promessa de R$ 550 mil para a reforma de um prédio que abrigaria uma futura creche, encheu de expectativas e, ao mesmo tempo, dividiu a comunidade.
Para parte dos moradores, o desejo de contar com um espaço público para a gurizada de zero a três anos se materializa com a ocupação da Escola Municipal Assis Brasil, que atende 24 alunos da Educação Infantil (quatro e cinco anos) e das séries iniciais do Ensino Fundamental.
Na prática, a ideia era que a Secretaria Municipal da Educação (Smed) levasse os estudantes da pequena escola municipal para a Escola Estadual Renato Del Mese, na sede do distrito, onde há vagas para os anos iniciais. Em contrapartida, usaria os R$ 550 mil para reformar o prédio da Assis Brasil e acolher ali crianças que hoje são encaminhadas a creches de Nova Petrópolis e Vale Real.
A alternativa desagradou a comunidade atendida pela Assis Brasil, localizada na Estrada do Vinho, caminho da Terceira Légua. A transferência para a Renato Del Mese foi reprovada durante uma assembleia realizada na terça-feira passada, em que havia três vezes mais votantes por parte da comunidade escolar do que moradores interessados na criação da creche. Com a decisão, quem acreditava numa solução para a demanda histórica de Vila Cristina agora teme perder os recursos da prefeitura.
Mães que nunca puderam deixar os filhos em escolinhas públicas ou que recorrem a outras cidades se consideram prejudicadas pela falta de perspectiva. A diarista Eloide Dallegrave, 42 anos, leva o filho Vitor José, cinco, para uma escolinha de Nova Petrópolis, a 15 quilômetros de Vila Cristina. Ela está grávida de dois meses e imaginava que pudesse contar com um serviço no distrito para o novo filho ou para Vitor.
— Minha opção foi procurar a escola e um emprego em Nova Petrópolis — conta Eloide.
Glaucia Martins Coelli, 28, passa por situação semelhante. Mãe de Arthur, três, atualmente ela trabalha em um restaurante de Vila Cristina e deixa o menino com a sogra, de 73 anos. Antes de o pequeno nascer, Glaucia tinha emprego em uma metalúrgica.
— Não havia saída: tive de sair da empresa para cuidar do meu filho. Temos esperança que a situação mude — diz Glaucia.
Faltam terrenos públicos
O maior problema, segundo a própria Smed e lideranças do distrito, é que não há terrenos públicos apropriados para a instalação de uma creche ou escolinha no distrito. Engenheiros da prefeitura avaliaram 10 áreas públicas e nenhuma têm solo estável para a construção de uma escolinha.
Ainda em 2014, a Amob pediu auxílio do Ministério Público (MP) para intervir na demanda. A Promotoria Regional de Educação acabou pressionando o Executivo. Em 2016, a mobilização comunitária identificou um imóvel particular ideal para acolher crianças. Para garantir o espaço, a Amob, com apoio de uma empresária, pagou aluguel de R$ 600 mensais durante 18 meses, além da água e luz.
A casa ficou desocupada no período porque só poderia ser transformada em creche com as devidas reformas. A prefeitura acenou com os recursos necessários, mas o dono do imóvel rescindiu o contrato de locação em maio deste ano.
Foi então que surgiu a possibilidade de ocupar a Assis Brasil, devido a duas situações. As quatro peças do prédio seriam suficientes para receber cerca de 30 crianças, que é o tamanho da fila de espera na faixa etária de zero a três anos na comunidade. A outra é que a escola atende apenas em meio período (turno da manhã) e não haveria lógica administrativa em manter duas escolas com mesma etapa de ensino num raio de apenas dois quilômetros _ distância entre a Assis Brasil e a Del Mese. A 21 de Abril é a terceira escola que oferece a mesma modalidade em Vila Cristina.
"Não houve equilíbrio na votação"
Para a presidente da Associação de Moradores de Vila Cristina, Claudete Maria Bortoluz, faltou coerência da Smed no momento de convocar a assembleia. A líder comunitária diz ter recebido um telefonema por volta das 9h de terça-feira, no qual a secretaria informou que haveria uma discussão sobre o tema às 19h do mesmo dia. Ao chegar no local, acompanhada de cerca de 10 moradores, Claudete topou com outras 30 pessoas interessadas em impedir a transformação da Assis Brasil em creche. Logo, prevaleceu a vontade de quem tinha mais vozes na reunião.
— Se soubéssemos que haveria votação, teríamos nos organizado. A escola foi comunicada com antecedência e reuniu pais, moradores. A Amob não recebeu o aviso com antecedência e fomos com poucas pessoas. Não houve equilíbrio — reclama Claudete, que recorrerá novamente ao MP.
A secretária da Educação, Marina Matiello, reconhece que a reunião foi marcada de última hora, mas para ela havia representação de ambos os lados. Sobre os R$ 550 mil necessários para a reforma, Marina esclarece que nunca houve recursos empenhados, mas, sim, uma sinalização.
— O que havia era a possibilidade de retirarmos dinheiro de um setor e aplicarmos na Educação Infantil do distrito, pois é um segmento com prioridade no governo. Mas com a decisão tomada, não temos um planejamento, uma previsão de construir uma creche — alega Marina.
Para a secretária, a intenção da assembleia foi realizar a escuta da comunidade para decidir qual seria a melhor solução.
— Vamos levar o assunto para o MP. Se for caso, o próprio MP pode convocar uma audiência para decidir os rumos — pondera Marina.
O MP ainda não se manifestou sobre o assunto.
Opinião
A reportagem contatou a professora que coordena a Assis Brasil, mas ela só teria condições de falar sobre o assunto nesta segunda-feira. Procurados, pais de alunos que estudam na escola preferiram não se manifestar.
SAIBA MAIS
:: A Escola Assis Brasil, fundada há mais de 40 anos, tem o perfil de escola multisseriada (duas a três séries por turma), pois recebe estudantes de colégios rurais que fecharam as portas nos últimos anos. Frequentam o local crianças de localidades como Nova Palmira, Cerro da Glória e Caravaggio da Terceira Légua, entre outras.
:: Na projeção da Amob Vila Cristina, as aulas seriam mantidas normalmente na Assis Brasil até o final deste ano. Em 2019, as crianças migrariam para a Del Mese e teriam transporte fornecido pelo município. Em 2020, com as reformas já realizadas, iniciaria o trabalho da creche na Assis Brasil, que ficaria responsável também pelo atendimento das crianças de quatro a seis anos.
:: A diretora da Renato Del Mese, Irmtraud Goldbeck, garante ter espaço para receber as turmas da Assis. Antes, porém, é necessário reformar piso e banheiros. Segundo a 4ª Coordenadoria Regional de Educação (4ª CRE), o projeto já está em elaboração e, posteriormente, será encaminhado para a licitação — as melhorias são estimadas em R$ 150 mil, segundo Janice Moraes, titular da CRE.
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