O Ministério Público (MP) Estadual vai investigar como Caxias do Sul acolhe a comunidade cigana. O procedimento foi instaurado pela 5ª Promotoria de Justiça Especializada e terá a primeira audiência no próximo dia 19. A apuração foi motivada por um pedido do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) a partir de um episódio ocorrido em 2017.
De acordo com a coordenadora do CAM, irmã Maria do Carmo dos Santos Gonçalves, a solicitação foi feita porque os ciganos são considerados povo nômade e, por isso, têm direito a se instalarem nas cidades por onde passam. Porém, segundo ela, em Caxias, esse direito foi negado.
Tudo começou com um pedido de apoio feito ao CAM por representantes da comunidade cigana que estiveram em Caxias em outubro do ano passado. À época, os ciganos pediram que entidade mediasse uma negociação com a prefeitura. Segundo a coordenadora do CAM, o grupo relatou que encaminhou pedido à prefeitura para que fosse disponibilizada uma área em que eles pudessem montar acampamento. A solicitação foi negada. Conforme Rosecler Winter, presidente da Associação dos Ciganos Itinerantes do Rio Grande do Sul, eram cerca de 30 pessoas, entre adultos, crianças e idosos, e a estadia na cidade seria para comércio de produtos.
– Como Caxias é um local bom de comércio, eles queriam passar 30 dias na cidade para vender. Por fim, disseram que qualquer lugar que fosse próximo ao Centro, eles aceitavam ficar. Mas (diante da negativa), acabaram acampando no meio do mato, com medo de represálias – lamenta a representante.
O CAM, então, fez um encaminhamento ao Ministério Público Federal (MPF) com pedido de providência sobre o assunto. O MPF, por sua vez, entendeu que a questão não era de competência federal e remeteu o procedimento ao MP Estadual. Como o pedido era relativo ao período do final de 2017 e o prazo já havia acabado o procedimento foi extinto.
Há cerca de dois meses, o CAM entrou com nova representação no MP Estadual para que o município desenvolva um fluxo de acolhimento permanente a este público.
– Fizemos uma conversa com o Ministério Público dizendo que mesmo que não houvesse aquele grupo mais, haveriam outros. E que é sempre a mesma celeuma. Eles (ciganos) vão lá (na prefeitura) pedir e não há lugar. Ou acabam se colocando em lugares que não são apropriados. E eles têm direitos assegurados pela legislação de proteção e atendimento pelos municípios. Só que isso, no Brasil, é ignorado ou se usa de outros mecanismos legais para não se atender aos direitos que eles têm – argumenta a irmã.
Ainda conforme a religiosa, o mesmo aglomerado de 16 famílias, que não tinha conseguido local para ficar na cidade em 2017, demonstrou, recentemente, interesse em obter uma autorização para acampar em Caxias em outros momentos.
– As pessoas têm muito preconceito. Mas são famílias. Têm idosos, crianças, gestantes, não podem colocá-los em qualquer lugar. Muita gente não tem nem entendimento do direito que eles têm. É complicado – comenta a irmã.
PREFEITURA
"A resposta do município de Caxias foi que se buscasse áreas públicas federais para alocar essas pessoas. Seria muito contraditório, nós, tentando buscar terrenos e imóveis de domínio do município para colocar equipamentos públicos, disponibilizarmos área de terra (aos ciganos). A postura é que o Ministério Público Federal e governo federal nos ajudem com áreas deles."
Júlio César Freitas, chefe de gabinete da prefeitura
Polícia investiga caso
Em junho deste ano, uma ocorrência policial envolveu um cigano de um acampamento localizado no bairro Desvio Rizzo, em Caxias do Sul. O homem, que estaria embriagado, teria disparado contra o seu próprio veículo, uma Saveiro, e teria atingido no rosto um adolescente de 14 anos, que caminhava em via pública.
O caso ocorreu perto do acampamento montado em um terreno baldio, uma quadra distante da ERS-122. O suspeito não foi localizado. Moradores das redondezas disseram que na manhã seguinte ao fato, o acampamento tinha sido desfeito e os ciganos ido embora. Não há informações de para onde eles foram, nem de que grupo se trata.
A Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Caxias do Sul investiga o crime.
O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO
A Constituição Federal de 1988 reconhece e protege o pluralismo cultural e a diversidade de valores dos grupos étnicos formadores da sociedade brasileira; as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver.
A legislação internacional, como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, trata dos direitos dos povos culturalmente tradicionais. Se aplica aos povos em países independentes que apresentem condições sociais, culturais e econômicas distinguindo-se de outros segmentos da população nacional. E determina que "nenhum estado ou grupo social tem o direito de negar a identidade a um povo indígena ou tribal como tal ele próprio se reconheça." A Convenção reconhece o direito de posse e propriedade e preceitua medidas a serem tomadas para a salvaguarda destes direitos em relação à terra e ao território que as comunidades tradicionais ocupam.
Um projeto para a criação do Estatuto do Cigano (PLS 248/2015), do senador Paulo Paim (PT), tramita na Comissão de Direitos Humanos do Senado. O texto foi apresentado originalmente pela Associação Nacional das Etnias Ciganas (Anec) e adotado pelo senador.
Dados da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em especial sobre as três etnias ciganas conhecidas como Calon, Rom e Sinti, apontam que os ciganos estão em 291 cidades, em 21 estados brasileiros e que a população já ultrapassa 500 mil pessoas.
A proposta estabelece como "asilos invioláveis" os seus ranchos e acampamentos, que, em caso de aprovação, passarão a ser considerados parte da cultura e tradição.
Também garante educação e assistência à saúde. O projeto foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais e está na pauta da Comissão de Direitos Humanos.