A desocupação total da área conhecida como loteamento Vila Verde II, próxima ao bairro Planalto, em Caxias do Sul, é iminente e inevitável. Os donos do terreno de três hectares obtiveram sentença favorável da Justiça que determina a remoção das famílias que se instalaram ali ao longo da última década.
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Conforme o advogado Claudio Fichtner, que representa os proprietários, falta só uma definição de data para a execução do mandado de reintegração de posse. A Brigada Militar já teria visitado o local para calcular o efetivo necessário para o cumprimento da decisão.
— Estivemos lá há uma semana com a Brigada, até para fazer o planejamento adequado. Acredito que todos os invasores que estão lá têm conhecimento que o cumprimento do mandado de reintegração é iminente — diz Fichtner.
Não foi esta a situação verificada pelo Pioneiro na terça-feira. Na parte mais alta do loteamento, acessada por uma subida que prolonga a Rua João Pedro Fedrizzi, alguns galpões de madeira novos e estruturas inacabadas podiam ser vistos em terrenos onde, um mês antes, só havia restos de materiais deixados por moradores que saíram do loteamento sob a ameaça da reintegração.
Ali, a reportagem também conversou com Moacir dos Passos Alves, 32, que recolhia tábuas de madeira em melhor estado deixadas nos terrenos vazios. Desempregado, ele contou que vive com o irmão no loteamento há cinco anos. Na época, a casa foi negociada com um loteador em troca de um carro. Com a saída de outros moradores, ele aproveitou o espaço e materiais disponíveis e começou a construir uma nova residência para ele e o filho.
— A gente sempre se desentendeu por causa do barulho. Estou tentando fazer um puxadinho, mais para o lado, juntando madeira para fazer o assoalho — explica.
O Vila Verde II já chegou a abrigar entre 130 e 160 famílias, totalizando cerca de 400 moradores. A sentença do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS) pela reintegração de posse saiu nos últimos dias de 2017, mas o prazo para a desocupação foi prorrogado algumas vezes. Durante esse tempo, a maior parte dos moradores deixou a área.
Até o fim de junho, quando o prazo para sair do local voluntariamente terminou, 56 famílias permaneciam no local. Elas fizeram uma última tentativa para comprar a área dos proprietários, que não quiseram negociar. A maior parte acabou saindo da área, que desde então tem recebido novos invasores.
Mesmo com toda a movimentação, Alves diz não ter conhecimento da ação judicial e também não acredita que terá de deixar a área.
— Ninguém nunca falou nada e não veio ninguém, nem a polícia. Como não aconteceu nada, muita gente está voltando porque não está aguentando pagar o aluguel — aponta o morador.
Reintegração prevista para este mês
Para o promotor de Justiça Adrio Gelatti, a chegada de novos invasores que não são réus na ação judicial, em teoria, não impede a execução da reintegração de posse.
— É uma situação controversa. Em princípio, a decisão se cumpriria com as pessoas que estão ali. Ao mesmo tempo, há a garantia do direito individual daquelas pessoas. Às vezes, se entra com uma ação e se nomeia as pessoas que invadiram, mas como são muitas famílias, as pessoas acabam vendendo ou passam a posse. O Judiciário nem sempre está bem preparado para lidar com essas questões coletivas — aponta.
Ao mesmo tempo, Gelatti acredita que o caso do Vila Verde deva servir de alerta para quem vive em loteamentos irregulares.
— A gente percebe que essas questões têm que ser bem tratadas. As pessoas não podem ocupar uma área e acharem que não vai acontecer nada. Porque a justiça pode demorar, mas funciona. E as pessoas acabam sendo retiradas e ficam numa situação bastante complicada, muitas vezes sem ter uma visão total da situação — comenta.
Claudio Fichtner, advogado que representa os proprietários, diz não ter conhecimento de nova ocupação da área. Segundo ele, durante a ação judicial todos os invasores foram notificados.
— Durante o transcurso da ação, colocamos placas sinalizando que se tratava de área invadida, que era vedado fazer qualquer tipo de comércio e construção — lembra.
Ele acredita que o mandado de reintegração de posse seja cumprido ainda esse mês e pede para que os moradores se preparem para deixar a área. Conforme a decisão judicial, caminhões serão disponibilizados para transportar os bens de quem não tiver como realizar a mudança.
— O mandado determina a reintegração de posse da área, então quem estiver lá dentro há nove anos, cinco anos ou há uma semana, vai ter de sair igual. O que a gente tem conversado com os invasores é que não deixem para fazer a remoção no dia, para evitar qualquer transtorno com família, crianças, e ter que deixar pertences ali por não ter tempo de retirar — avisa.
ENTENDA O CASO
:: A ocupação do Vila Verde II começou entre 2008 e 2009. Os primeiros invasores abriram um prolongamento da Rua Francisco Boniati, do bairro Planalto, e começaram a desmatar a área. Em uma segunda leva, novas famílias ocuparam a área próxima ao Motel Samuray, acessada pela BR-116, e prolongaram a Rua João Pedro Fedrizzi.
:: Em maio de 2009, os proprietários ingressaram com ação na Justiça para a retirada dos invasores. Na época, 34 casas foram contabilizadas.
:: Houve decisão para a retirada dos moradores, mas os proprietários teriam que auxiliar na mudança. Eles alegaram que não tinham recursos para isso.
:: Em 2013, os invasores foram novamente notificados, em ação que identificou cerca de 120 famílias.
:: Após a decisão pela reintegração em primeira instância, o processo foi para o TJ e retornou para cumprimento da decisão no final de 2017. O prazo foi adiado duas vezes neste ano.
:: De janeiro para até junho, cerca de 100 famílias deixaram a área. Outras 56, porém, se reorganizaram em cooperativa e para tentar comprar o terreno. Os proprietários se recusaram a negociar.
:: No espaço deixado pelos antigos moradores, novas construções de madeira começaram a surgir no último mês. Outros antigos residentes também teriam retornado ao ver que a reintegração de posse não aconteceu.
:: Adicionalmente, a prefeitura abriu processos administrativos contra os proprietários da área em decorrência do parcelamento irregular do solo e da supressão da vegetação nativa sem autorização do órgão ambiental, em 2014.
:: No ano passado, os proprietários entraram com uma ação contra o município pedindo a anulação das multas, já que consideram que as irregularidades foram praticadas pelos invasores. O processo tramita na 2ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública de Caxias do Sul.