As greves dos médicos de 2010 e do ano passado podem até ter trazido momentos de tensão para a administração pública e para a população, mas é neste inverno que a Secretaria da Saúde enfrenta uma das piores crises de sua história. O titular da pasta, Geraldo da Rocha Freitas Júnior, sabe disso. Ele defende que a solução para resolver pelo menos um dos problemas, que é a falta de médicos plantonistas e nas UBSs, passa pela compartilhamento da gestão do atendimento, bandeira do prefeito Daniel Guerra. Confira trechos da entrevista concedida ao Pioneiro:
Estamos vivendo o período da alta demanda de inverno e não temos pediatra para cobrir o Postão. Houve um planejamento estratégico para lidar com essa alta demanda?
O planejamento que tem, que herdei um projeto fantástico da secretaria, é a UBS+. O que se entende: no momento em que se fortalecer a rede de atenção básica e ter resolutividade lá nas UBSs, teremos uma demanda menor para os PAs. Temos uma demanda hoje de pacientes que fazem consultas, não são pacientes classificados como urgentes. Na ordem de 80% dos atendimentos são pacientes com a classificação de risco azul ou verde, ou seja, aquele que poderia fazer sua consulta na unidade básica. O projeto UBS+ vem justamente para reduzir essa demanda, evitar a sobrecarga no PA e na UPA, e dar resolutividade para o nosso usuário lá na ponta. Isso se refletirá também na questão da internação. O atendimento bem feito na sua fase inicial da doença, especialmente as infecções respiratórias, se tratadas imediatamente, evita uma internação para tratar uma pneumonia ou uma complicação para tratar doenças crônicas.
Mas isso é um projeto adiante. E para lidar com essa alta demanda? Vocês tinham ideia de que isso ia acontecer, já que a gripe voltou com força esse ano. Como estava projeção para lidar com isso?
Na realidade, o projeto UBS+ não é agora, já é do ano passado, que foi apresentado ao nosso Conselho Municipal de Saúde, onde não houve aprovação, por mais explicitado que tenha sido, inclusive no momento da transição da troca de secretário. A antecessora fez um trabalho fantástico junto com a equipe da secretaria, onde dentro do planejamento, seria uma forma de fazer o enfrentamento desse crescimento. E também a UPA. Comparando os números do período do ano passado pra cá, nós estamos observando que a UPA chegou a um volume de atendimentos quase igual ao que PA está realizando. Comparando o período de maio de 2017 até 19 de julho, do ano passado, registramos 34,5 mil atendimentos no PA. Nesse ano registramos 27,4 mil atendimentos (no mesmo período). Veja, tivemos com a UPA, absorvemos 20% do atendimento do PA em relação ao ano passado, e a UPA já está realizando cerca de 8 mil atendimentos/mês.
A UPA, então, é a resposta para a alta demanda?
É uma resposta, uma decisão acertada e oportuna. Vamos imaginar esse cenário sem a UPA, seria o caos total, somado a isso o surto da gripe A. A gripe A, a gente teve já uma experiência em 2009, eu estava no outro hospital (Geral), onde a gente teve que se mobilizar através dos serviços de controle de infecção, mobilizar o poder público para a gente obter uma ação do Estado em relação aos exames para diagnosticar, a obtenção do Tamiflu, da medicação, dos respiradores, na época, a complicação da doença levava o paciente à necessidade de ventilação mecânica, houve uma verdadeira mobilização, com hospital de campanha. Este ano, essa volta da gripe A se deve também à sazonalidade do vírus, mas também à responsabilidade do usuário em se vacinar. Foi feita campanha, em doses suficientes, com toda a mobilização da equipe de trabalho, especialmente focadas para os grupos de risco e tivemos uma adesão de 75%. Então, as pessoas não se preocuparam em se vacinar em relação à gripe A. Tanto que terminada a campanha se disponibilizou em toda a rede, em todos os postos o que se sobrou das vacinas. Esses óbitos que tiveram, todos de pacientes com comorbidades, um público de maior risco e apenas um havia se vacinado, mas essa pessoa era idosa.
Alguns pediatras afirmam que não faltaria pediatra no Postão se houvesse uma liberação na questão de horas extras. Profissionais falam que têm horas de folgas para tirar, mas não conseguem e não podem fazer hora extra. Isso procede?
O que acontece: nós temos obrigatoriamente que dar as férias para os médicos. São 365 médicos na rede e se dividirmos esses médicos nas férias no período do ano, são 30 médicos por mês de férias, por força estatutária. Somado a isso, temos ainda as licenças-prêmios que o servidor tem por tempo de serviço. Teremos os servidores também em licença para tratamento de saúde, licença-maternidade. Então, além do período de férias normal, teve também vários servidores em licença-prêmio, porque estão às vésperas de sua aposentadoria e, que para não perder o benefício, eles têm que gozar nesse período e acabou tendo uma coincidência de datas e, somado a isso, o surto da gripe. Também temos o programa Mais médicos, em que as férias para os cubanos é programada e não nos chega num tempo hábil para se programar as ações. São sempre nesse período de julho e agosto, tivemos sete médicos saindo ao mesmo tempo e voltando para o seu país. Isso é mais um componente. A questão da pediatria, ela é tão preocupante que inviabilizou a continuidade de um serviço aqui em Caxias. O Pompéia tinha um serviço de UTI pediátrica onde o município tinha três leitos para atender as crianças e, justamente por essa dificuldade de manutenção da questão da equipe médica e do serviço de alto custo, o serviço foi fechado em 2014. Se perdeu três leitos de UTI ali, e também deixou de ser oferecido outros três leitos para o sistema privado. Hoje, temos um problema na pediatria que é a oferta de leitos de pediatria, temos somente leitos no Hospital Geral para toda a cidade e região. O sistema privado tem seis leitos, no Círculo. Há uma falta de investimentos na pediatria como um todo, pela disponibilidade dos profissionais. É um profissional que tem que ser dado um olhar diferenciado, especialmente pela saúde suplementar, uma remuneração diferenciada, é um profissional que para consultar requer mais tempo, pois ele dá mais atenção para o paciente, também envolve a assistência ao recém-nascido, tem os plantões nas maternidades, isso absorve muito o profissional nessa especialidade. Com isso, a gente tem observado que a busca pela especialidade, a residência médica em pediatria, tem cada vez diminuído mais, não está sendo mais atrativa para o médico em termos de mercado de trabalho e remuneração. Em 2017, nomeamos 94 médicos. Desses, 15 eram pediatras. E assumiram efetivamente sete pediatras, menos da metade. No total, 47 assumiram em 2017. Esse ano, a gente fez 93 nomeações, sendo 92 clínicos e um gastro, e somente assumiram 31, ou seja, apenas 33% aceitaram. Só pode ser chamado um médico quando houver a vaga. É um processo demorado. No dia 4 de julho fizemos mais um edital chamando 16 médicos, sendo desses, seis pediatras. Isso está em processo de trâmite, mas em 45 dias provavelmente até o final da segunda quinzena de agosto, vamos ter uma resposta. Se aceitando, a gente já vai recompor o quadro. Temos uma expectativa normalizar a pediatria do PA em agosto.
A expectativa de normalizar a pediatria no Postão é para agosto, mas a saúde é muito imediata. O que o senhor pode dizer à população, como lidar com isso?
Com a gestão compartilhada, a gente consegue reforçar, como foi o reforçado os plantões lá na UPA. E nós temos essa possibilidade, com a gestão compartilhada com a UPA, de ter essa retaguarda prontamente atendida sempre que há uma dificuldade, como o que ocorreu nos outros finais de semana. Porém, aqui no Pronto-Atendimento (Postão), muitas vezes não tendo só o pediatria, o clínico pode dar o primeiro atendimento. Ele não é especialista, mas vai dar o encaminhamento, o paciente não vai ficar desassistido. A questão dos pediatras nas UBSs, é bom de frisar, mesmo que ocorram férias do médico, há o médico da saúde da família. Ele é o médico especializado, habilitado para atender todos os ciclos da saúde, das etapas da vida, ele tem todas as condições de dar atendimento para as crianças. Lógico, o especialista é especialista e nos casos mais complexos tem que ser o especialista. Mas está se dando atendimento à população, isso que é importante.
A secretaria pretende realizar algum mutirão de saúde para agilizar atendimentos, consultas represadas?
O que ocorre: nós estamos fazendo um trabalho em meio a todo esse cenário para verificar as filas de espera. Temos feito contato com todos os usuários, uns não temos mais condições de contato porque o telefone mudou, não deixaram referência. Outros já tiveram seu atendimento, já resolveram. Temos também as questões de cirurgia eletiva que o momento não permite pela falta de leitos e sobrecarga de hospitais. Estamos fazendo todo um planejamento para assim que haja uma normalização, passado esse período crítico, já retomar as cirurgias eletivas. Também não basta só oferecer a consulta. Raciocinamos no sentido de resolver o problema do usuário, oferecendo a consulta e já o exame para que ele não passe para outra fila. Senão, o paciente vai só trocar de fila. Conforme a especialidade, ele vai ter a consulta e já o exame sendo marcado pelo especialista para dar celeridade e resolver o problema do usuário.
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A imagem que muitos setores têm do Executivo e da Secretaria da Saúde é que não há possibilidade de diálogo e as decisões são tomadas sem debate. Como o senhor vê isso?
Falta de diálogo não há, o que está faltando é uma compreensão das limitações que há pelo poder público de viabilizar o projeto UBS+ sem infringir o limite legal da folha de pagamento do município com servidores, isso é um limite legal. Na questão da gestão compartilhada, temos vários exemplos em que nós temos um resultado muito bom, e não que os nossos serviços não sejam bons, são muitos bons, mas podemos ter um resultado melhor sob um ponto de vista de resolução de escalas médicas, como está ocorrendo. São equipes especializadas que têm uma margem técnica, que estão sob um contrato e não cumprindo o contrato, ele está sujeito a penalidades, até a própria rescisão. Administrar um contrato é muito melhor do que administrar tudo o que envolve uma unidade. A gestão compartilhada é uma realidade onde se faz o compartilhamento da responsabilidade e se consegue um resultado melhor. O Hospital Geral é um exemplo, tem uma gestão que é feita pela Fundação e com os próprios do Estado. Outro exemplo é a UPA Zona norte, foi aprovada a questão da UPA, não foi feita sem seguir o rito legal, tem que passar sim pelo Conselho Municipal, que é um controle social, ali está o usuário representado, ele tem que participar das decisões. O que está havendo é isso: uma não compreensão, a forma de a gente buscar as soluções a curto prazo é essa. Agora estamos com a proposta de um novo serviço, plantão pediátrico municipal e essa proposta a gente vai submeter ao conselho municipal. Isso é uma forma de se prevenir, não somente agora para esse momento em que estamos tomando ações em relação ao reforço, com a recomposição da equipe que volta das férias, mas não estará solucionado. Temos que pensar no futuro. Se no ano que vem tivemos outro surto de gripe com essa demanda crescente? A UPA e o P.A. já demonstraram que estão chegando na exaustão. Temos que pensar seriamente nesse projeto e o diálogo vai ter a oportunidade de desenvolvimento numa reunião específica com a visão dos nossos usuários, de todas as categorias profissionais que estão representadas no conselho de saúde, dos prestadores de serviços.
O senhor vê a saúde em crise em Caxias?
Há crise, momentos de crise em função do momento econômico, com essa demanda imprevista de pessoas que buscavam o sistema privada e hoje estão buscando o sistema público, agravada com o surto do H1N1 e a falta de cofinanciamento, de recursos.
Vocês têm mantido diálogo com a União, com o Estado para viabilizar mais recursos, aumentar a oferta de leitos?
Como o setor terciário é a responsabilidade da União e do Estado, temos um projeto que está adormecido pela falta de recursos, que é ampliação dos leitos do Hospital Geral. São 138 leitos, onde estão contemplados leitos de UTI adulto, pediátrica, neonatal. É uma necessidade mais do que urgente, não atende só Caxias, é regional. Se tiver 60 leito hoje, todos vão ser ocupados já nesse momento. Esse déficit histórico de leitos se repete, se discute. O projeto do Hospital Geral, com ampliação, será uma solução, mas não a curto prazo. Até ele ficar efetivamente em funcionamento, sempre haverá o crescimento da demanda. Se não trabalharmos a atenção básica na UBS+, vamos ter sempre uma necessidade maior de internação, temos que trabalhar muito na prevenção, na atenção básica para evitar a internação.
O senhor é o quarto secretário em um ano e meio. Os médicos querem aumento de salário. Muitos não querem a gestão compartilhada da saúde. Como o senhor pretende lidar com isso, como será a sua autonomia para gerir esse caldeirão?
Não tenho vínculo partidário, com nenhum partido, não almejo, não tenho inspiração política. Sou técnico, com mais de 20 anos na saúde. Vou seguir trabalhando, focado na gestão, no melhor aproveitamento dos serviços, fazer mais com menos, que é o desafio de todos os gestores da saúde, utilizar os recursos e buscar soluções, planejando ações com a equipe. Com a área médica, sempre trabalhei diretamente com os médicos, é uma classe que tem que ser respeitada, tem que ter diálogo e temos que não deixar que os interesses corporativistas estejam acima do maior interesse, que é o da população. É com esse espírito que pretendo chegar até o final da gestão, contribuindo efetivamente de uma forma técnica, sem nenhum interesse corporativista, ou político. Meu interesse é fazer algo para a saúde de nossos irmãos caxienses, tenho um dívida de gratidão com essa cidade. Minha família chegou aqui há mais de 40 anos, foi acolhida por Caxias, aqui estudei, fiz minha faculdade, trabalhei, servi o Exército nove anos e meio. Não seria justo não retribuir tudo o que a cidade me proporcionou. Então, esse espírito me fortalece e vai fazer com que a gente contribua para a saúde.
O senhor tem autonomia para tomar as decisões, que são importantes, como o compartilhamento da gestão? O orçamento da saúde também é limitado. O senhor está respaldado neste sentido?
A autonomia é relativa, tem que trabalhar em sintonia com os recursos, com as questões legais que nos limitam. As questões não só orçamentárias, mas isso tem que ser compartilhadas as decisões pela gestão municipal, os secretários se reúnem frequentemente para debater as soluções. Essa pasta, a saúde, ela não é menos importante do que as outras, mas é a mais complexa e é uma pasta que é encarada como um investimento e não uma pasta que dá despesa simplesmente. Porque a saúde das pessoas é tudo: gera crescimento econômico, gera qualidade de vida. Ter um sistema de saúde eficiente, atrai investimentos para a cidade. Não é só atender, mas também ser um atrativo para quem queira investir em Caxias.