A curiosidade e a vontade de aprender sobre o cultivo de cogumelos comestíveis motivaram Roneide dos Santos, 36 anos, a desafiar a si própria e a 20 alunos do 4º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Luzia, em Carlos Barbosa. A iniciativa deu tão certo que colocou a professora entre os 50 finalistas do Prêmio Nacional Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita. Ao lado dela, concorrem mais duas professoras gaúchas: Darjela Cima, de Novo Hamburgo, e Jaqueline Krebs, de Erechim. Mais de 4,1 mil projetos foram inscritos neste ano para concorrer à premiação, que reconhece ideias simples mas que mostram a importância de levar a aprendizagem para fora da sala de aula.
O colégio fica na área rural de Carlos Barbosa, a cerca de 20 minutos do centro do município. A variedade dos fungos que crescia em meio à grama do pátio a cada início de outono atraía a atenção das crianças e despertava perguntas: o que é o cogumelo? Para que serve na natureza? Pode comer? É venenoso? É animal ou vegetal? Os questionamentos conduziram as pesquisas no laboratório de informática da escola. O projeto de produzir cogumelos foi então concebido para ser apresentado na Feira de Ciências. Como não tinha especialidade em biologia ou microbiologia, a professora se dedicou a estudar e aprendeu com os estudantes diversas curiosidades sobre o reino funghi. Os estudos para o plantio de cogumelo começaram em 2017 e se intensificaram em janeiro desse ano, quando a profissional mergulhou em novas pesquisas para tirar o projeto do papel.
— Os olhinhos das crianças brilhavam e a curiosidade aumentava. Descobrimos que vários fungos são comestíveis e fomos surpreendidos com os benefícios de consumir cogumelos. Eles ficaram ainda mais surpresos quando descobriram que eles podem, inclusive, substituir a carne porque são ricos em proteína.
Conforme Roneide, o grupo escolheu a variedade shimeji, que se desenvolve em condições climáticas como as da Serra. Em abril deste ano, os estudantes colheram a primeira safra.
Gratidão
A inscrição no Prêmio Educador Nota 10 foi uma sugestão das supervisoras da Secretaria de Educação de Carlos Barbosa, que visitaram o colégio e perguntaram às crianças sobre o cultivo dos cogumelos.
— Elas ficaram encantadas porque os estudantes explicaram com autonomia todo o processo e os cuidados necessários para o cultivo. Eles realmente aprenderam e levaram as lições para a prática — conta Roneide, que, no início de junho, foi transferida para Escola Prefeito José Chies para substituir uma colega em licença saúde.
A ideia de se inscrever no Educador Nota gerou interesse, mas Roneide tinha perdido o prazo. No dia seguinte, ela teve uma boa surpresa: as inscrições tinham sido prorrogadas e ela garantiu a participação. Sobre estar entre as 50 finalistas num universo de 4,1 mil projetos, ela escolheu a palavra gratidão.
— Ter chegado entre os finalistas é fruto da união, do carinho e da colaboração dos alunos e professores. Esse prêmio, se ganharmos, é nosso, é coletivo e das crianças que se dedicaram e se entregaram de coração. Trabalhamos muito, nos divertimos e aprendemos ainda mais — diz a professora, emocionada.
A divulgação dos vencedores deve ocorrer hoje, a partir das 10h50min no programa da Fátima Bernardes, na TV Globo.
Aprendizado fora da escola
Na escola Santa Luzia, carinho e admiração definem o sentimento dos estudantes e demais professores. Na manhã de ontem, quando o Pioneiro esteve no local, os estudantes cercaram a professora assim que ela chegou ao pátio. A cada abraço, trocavam informações animadas sobre o plantio, que agora segue com a supervisão da professora Inês Lazzari da Silva, 51. Mesmo os mais tímidos quiseram participar das explicações e troca de informações sobre o projeto. Hyarllend Ireno Dierch, nove, era um dos alunos mais empolgados.
— Não podemos pegar os cogumelos da natureza porque tem veneno e soltam um pozinho. Quando plantamos, têm de ter muito cuidado com a higiene e mantê-los no escuro para crescer — conta o pequeno.
Emily Giez, 10, também alerta sobre os cuidados com fungos como os que ela e os colegas encontram no gramado da escola:
— Não são todos os cogumelos que podem ser consumidos e também tem de cuidar antes de comer. Não é para comer cru: tem que ser sempre cozido, refogado e até frito.
A opção frita foi escolhida por Vítor Gabriel Waltha, nove, para testar receitas com o fungo em casa. Ele aproveitou que a mãe estava cozinhando para inovar no cardápio:
— Minha mãe estava fritando alguma coisa e eu pensei em fritar cogumelo. Ficou muito bom e crocante. Foi bem bacana de experimentar o cogumelo diferente.
— Descobri que o champignon e o shiitake que assim como o shimeji que plantamos são para comer e fazer receitas. Na minha casa fizemos strogonoff com o cogumelo que plantamos _ destacou Pedro Ziglio da Silva Pilotti, nove.
Espalhando o conhecimento
Já na nova escola onde está atuando, Roneide começou a ensinar os alunos do 1º e 3º anos sobre o fungo. Hoje, a garotada menorzinha está aprendendo sobre o uso medicinal de alimentos. Cada letra do alfabeto é ilustrada com uma planta ou fungo, no caso do cogumelo, no projeto batizado de Alfabeto Sustentável. Os do 3ª ano estão aprendendo sobre as opções saudáveis para consumir o fungo. A diretora Tatiana Postal afirma que é uma inspiração trabalhar com professores com instigam os estudantes.
— A professora Roneide é fantástica. Ela consegue fazer a diferença e levar esse aprendizado da sala de aula para o dia a dia dos alunos. É uma experiência única— destaca.
Produção acelerada
Depois de escolher o cogumelo mais adequado, surgiu a primeira dificuldade: encontrar fornecedores de sementes. O desafio aumentou já que na Região Sul não há comércio do material. Um fornecedor em São Paulo enviou as sementes em março. Os alimentos para os fungos (substratos) foram doados pelas famílias e professores. Serragem de lápis, borra de café e podas de grama foram usados para realizar testes em diferentes tipos de estufa.
— Testamos o plantio em embalagens de leite em pó, garrafas PET e sacolas descartáveis e o cogumelo cresceu em todos eles. No quinto dia depois da semeadura, já começou a espalhar as raízes que ficam brancas. Em 16 dias já apareceram os primeiros brotinhos — conta Roneide.
Durante a greve de caminhoneiros, em maio, para não perder a pesquisa e o plantio, os alunos cuidaram do experimento em casa. As crianças registraram os resultados e informaram o que observaram à professora pelo celular.
— Foi a semana mais rica em aprendizado. Eles me mandavam fotos e áudios contando como estava o plantio. Eles falavam: " profe, nasceu tantos", "hoje ele tá assim" e faziam até receitas. Eles fizeram tudo sozinhos e essa foi a comprovação que eles realmente aprenderam a cultivar e cuidar dos cogumelos — acredita a professora.
SOBRE O EDUCADOR NOTA 10
Na primeira fase do prêmio, são escolhidos 50 finalistas. Destes, são selecionados os 10 Educadores Nota 10 e, por fim, o Educador do Ano, que será reconhecido em evento de premiação em outubro, em São Paulo. Cada um dos 10 vencedores recebe um vale-presente de R$ 15 mil. O Educador do Ano, escolhido pela banca de jurados, recebe outro vale também no valor de R$ 15 mil.
Em 2015, a professora Delfina Loureira, de Lagoa Vermelha, ficou entre os 10 finalistas com um projeto sobre o ensino de música em sala de aula.