Receber cartas, contas, cartões de bancos ou de lojas, encomendas e notificações na porta de casa pode parecer algo simples, que fica até mesmo esquecido no dia a dia, principalmente, em tempos de internet. Contudo, para cerca de 250 famílias que vivem há 20 anos no Cidade Nova IV, o serviço deixa de ser banal e se transforma em dor de cabeça.
As nove ruas são nomeadas de A a I, sem placas com nomes e consequentemente sem código de endereçamento postal (CEP), o que impossibilita que os moradores recebam as cartas em casa. Para receber as correspondências, eles precisam ir até o mercado Cidade Nova, que funciona como uma central dos correios, e retirar as cartas. No local, há 215 caixas e cada morador deve informar ao remente o número dessa caixa postal comunitária para que os carteiros depositem as correspondências. Não é raro que as cartas e contas não cheguem até a caixa ou sejam colocadas nos locais errados, já que nem sempre o remetente especifica o número que consta na caixa postal.
Além disso, as entregas têm ficado cada vez mais espaçadas, e as contas são pagas atrasadas, sempre. A entrega deveria ocorrer às segundas, quartas e sextas-feiras. Entretanto, segundo o aposentado Acilio Saling, 72 anos, hoje as contas, principalmente, de telefone ou não são entregues ou chegam com atrasos.
_ Faz 20 anos que vivemos assim, e no começo funcionava bem. Quando eles criaram esse sistema das caixas comunitárias nós sempre tínhamos acesso às correspondências, mas ultimamente, o Correio não entrega mais. Contas, quando chegam, estão atrasadas. O carteiro tem vindo uma ou duas vezes por mês apenas. Passo o endereço da minha cunhada, que mora no Centro, quando estou esperando documentos importantes, para que possa receber logo _ lamenta ele.
O metalúrgico Dilmar Bertuol de Fraga, 51, ressalta que as entregas tem diminuído a cada mês.
— O funcionário do Correio alega que é preciso um número maior de correspondências para que façam as entregas nas nossas caixas comunitárias, porque enfrentam falta de pessoal, mas e nossa situação, como fica? — questiona.
A proprietária do mercado onde são entregues as correspondências conta que um dos maiores problemas são as cartas extraviadas. Márcia Zulian Fogaça, 52, afirma que os documentos do carro, por exemplo, nunca são entregues nas caixas porque é preciso assinatura do destinatário.
— Essa questão dos CEPs é uma das maiores necessidades da comunidade. Temos os nomes das ruas e os CEPs, e precisamos das placas. Os documentos não chegam aqui e encomendas, então, nem pensar. É uma situação bem difícil. Temos de ir no Centro de Distribuição buscar o que compramos.
A aposentada Olívia Verza Zulian, 76, já não sabe mais o que fazer:
— Não sei que endereço tenho que passar as lojas para poder ter um cartão, por exemplo — desabafa Olívia.
Para o munícipio, Cidade Nova IV é condomínio e não loteamento
O problema está longe de ser resolvido, porque para o município o Cidade Nova IV é considerado um condomínio urbanístico aberto, uma vez que o acesso não é fechado, mas as ruas constam nas escrituras como propriedades dos moradores.
A secretária de Urbanismo, Mirangela Rossi, ressalta que o projeto foi criado para ser um condomínio urbanístico aberto, tanto que os lotes e ruas são particulares. Ela explica que quando os moradores quiseram fazer a doação dessas ruas ao município, a prefeitura cadastrou a área como um loteamento, mas como nos documentos as ruas seguem como privadas e estão incluídas nas matrículas de cada morador como área de uso comum, o município voltou a cadastrar a área como condomínio:
— Por um tempo o Cidade Nova IV foi cadastrado como loteamento, o que acabou provocando problemas aos moradores que venderam os terrenos, porque era um loteamento, mas as ruas não foram efetivamente doadas ao município. Se criou todo um impasse. Voltamos a cadastrar a região como condomínio, para que aqueles que venderam os terrenos possam regularizar as documentações e transfiram essas propriedades, porque muitos moradores têm apenas contratos e as áreas já passaram por mais de um dono.
Ela explica que somente após a regularização das propriedades o município poderá de fato transferir o cadastro para loteamento, retirar das matrículas de cada morador a fração correspondente de rua e repassar ao poder público essas ruas, para então oficializar a mudança.
— Estamos trabalhando para os processos andarem, mas esse trâmite depende também dos moradores que precisam ajustar os documentos. Tem muitos moradores que vivem lá apenas com contratos e essa etapa é essencial para que possamos dar prosseguimento a mudança e então regularizas aquela região e melhorar essa situação — pontua.
Nomes de ruas foram aprovados ainda na administração passada
As residências do Cidade Nova IV começaram a ser construídas em 1995, quando os terrenos foram comprados com financiamento por meio da Caixa Econômica Federal. Três anos depois, a comunidade passou a ser ocupada e as casas foram sendo finalizadas, mas até hoje a região não foi regularizada. Em 2009, os moradores se comprometeram a doar as ruas ao município para regularizar a situação, mas há imóveis que ainda não foram quitados, o que complica a doação já que envolve o banco na negociação.
Os moradores tiveram esperança de que a situação fosse resolvida em 2015, quando foi aprovado na Câmara de Vereadores a nomeação de oito ruas. Os nomes escolhidos são de pessoas que se destacaram na luta comunitária naquela região ao longo dos anos. O projeto de autoria do vereador Rafael Bueno (PDT) foi sancionado em 2016 pelo então prefeito Alceu Barbosa Velho (PDT). No final de julho daquele mesmo ano, o Correio liberou os CEPs. Entretanto, a questão do Cidade Nova IV está além da colocação de placas que identifiquem as ruas, uma vez que a região ainda não é considerada um loteamento.
QUAL É A POSIÇÃO DOS CORREIOS
Os Correios informam, por meio da assessoria de imprensa, que as entregas são feitas duas vezes por semana. A empresa acrescenta que quando um bairro cresce e a carga de correspondências aumenta para um determinado local na cidade, os Correios realizam um estudo das novas ruas e zonas do bairro. Esse levantamento é feito a partir do mapeamento realizado pelo órgão municipal responsável, e em cima desses dados, a empresa faz adequações nas entregas; o processo ocorre através do chamado "sistema de distritamento".
Por meio desse estudo, é possível levantar a quantidade de carga a mais que a unidade receberá e o número de carteiros que serão necessários para realizar a entrega nos novos locais. No entanto, algumas regiões são áreas sem regularização do órgão municipal e sem identificação das ruas, que é o caso do Cidade Nova. Os Correios seguem a Portaria 6.206/2015 do Ministério das Comunicações que, entre outras determinações, estabelece que locais onde a numeração é irregular e não há identificação de ruas não devem ter entrega domiciliar até que a situação seja regularizada junto ao município.