Certa vez, Fernando Borsoi ajustou o telescópio para um pequeno ponto luminoso no céu dos campos de Vacaria e chamou amigos para uma pequena fila. Engenheiro eletricista com alma de astrofísico, Borsoi queria mostrar como uma lente pode romper a noite e alcançar mundos e paisagens celestes que a maioria só conhece nas reproduções de livros e internet.
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Mesmo a 1,4 bilhões de quilômetros de distância, o mítico planeta Saturno e seus anéis de gelo, rocha e poeira se revelaram tão poderosos a ponto de mexer com os corações e as mentes curiosas ao redor do engenheiro. Foi um momento inesquecível.
Borsoi partiu cedo, aos 52 anos, vítima de um câncer há três meses. Como legado, deixou o projeto de um observatório astronômico em Vacaria, ideia lançada em 2015 e que hoje engaja pessoas de diferentes profissões para viabilizá-lo. Se as pedras forem assentadas como sonhava o engenheiro e como querem os voluntários, será um feito científico em tanto para uma comunidade mais conhecida pela pecuária e agricultura.
Borsoi acreditava que a astronomia é parte da essência humana. Assim, queria permitir que moradores de Vacaria e de outras cidades tivessem um local apropriado para apreciar as belezas da Via-Láctea e desbravar os mistérios da ciência e da origem da vida. Seria uma forma de popularizar um tema geralmente árido e desprezado por muitas pessoas, mas com potencial de impactar na educação de crianças e adultos.
O projeto, avaliado em R$ 450 mil, está sendo coordenado pelos integrantes da Sociedade de Estudos Astronômicos de Vacaria (Seav), entre eles, médicos, arquitetos, empresários, servidores públicos, professores e comerciantes. Será o primeiro observatório público da Serra. A unidade terá um terraço em forma de cúpula, jardim, sala multiuso e anfiteatro, um dos poucos com tamanha estrutura no Estado. A Seav segue firme no desejo de erguer a construção numa área afastada da zona urbana de Vacaria, onde há pouca luminosidade artificial, ponto-chave para estudos astronômicos. Os associados não querem ser os donos do mirante estelar e projetam o espaço como um local a ser apropriado pela população da cidade e da região.
Cunho social
A missão não tem sido tão fácil e soa incompreensível para quem não está dentro do projeto. A notícia de que deputado federal Luís Carlos Heinze destinou uma emenda parlamentar para viabilizar a obra no final do ano passado gerou críticas, pois esse dinheiro seria bem-vindo para pavimentações e outras urgências estruturais no município, embora o recurso seja insuficiente para aplacar os problemas da cidade. Teve quem apontasse outro detalhe: Vacaria não teria muitas noites de céu limpo para a observação do cosmo. Contudo, a Seav quer provar que a cidade e a Serra só tem a ganhar com a novidade.
— Nossa proposta é de cunho social. O Observatório Astronômico Educacional Regional pretende desenvolver uma rede de popularização da ciência, tecnologia e inovação. Pretende atingir desde o ensino primário até o superior, com capacitação de professores e valorização da observação científica, estimulando a vocação junto ao público — explica Vilson Ceron, integrante da associação e diretor de captação de recursos da prefeitura.
O interessante, segundo a Seav e algumas lideranças locais, é que projeto pode ser vislumbrando dentro de um roteiro de visitação turística, o que incluiria um polo vitivinícola que está sendo gestado, o parque de rodeios, as belezas naturais e o trem — o uso da malha ferroviária para passeios está em teste. De olho no potencial, a prefeitura decidiu encampar a ideia do observatório e deve aplicar recursos municipais. A emenda de Heinze terá de ser devolvida, pois a destinação original previa a aplicação na área turística, mas o governo federal entendeu que o repasse deveria ser para ciência e tecnologia.
— Tu tendo as vinícolas, a rede ferroviária para passeios, o parque de rodeios, as belezas naturais, a maçã e o observatório, tu faz algo grande, um roteiro que vai atrair visitantes, recursos. No contexto do turismo, o observatório ganha muita força — defende o vereador Marcelo Dondé, um dos responsáveis por captar recursos.
— O observatório abre o leque para pesquisas avançadas, onde se possa integrar com a base de dados mundial — complementa o médico Jonatas Accioly Filho, presidente da Seav.
A previsão é começar a obra em 2019, faltando apenas confirmar o local onde será instalada a estrutura. O ponto mais viável no momento é uma área de um hectare e meio na propriedade da Embrapa Uva e Vinho, às margens da BR-285, em direção a Bom Jesus. É uma posição estratégica devido ao acesso facilitado da rodovia, a cinco quilômetros do centro da cidade.
— Nossa região tem um céu limpo propício para observação celeste — garante Ceron, apontando para as coxilhas da cidade.
O OBSERVATÓRIO
:: O projeto Observatório Astronômico Educacional Regional consiste num prédio com sala multiuso, sanitários, estacionamento, jardim, anfiteatro, parque de brinquedos educacionais e relógio do sol, entre outros. Na cúpula, será instalado um telescópio automático que acompanha o movimento rotacional da Terra.
:: Segundo o físico Claudio Bevilacqua, o equipamento previsto para o local permite ver detalhes de planetas como Marte, Júpiter e Saturno e objetos ainda mais distantes como estrelas duplas e aglomerados de estrelas.
:: O terreno mais provável para receber a construção é uma área no terreno da Embrapa Uva e Vinho, na BR-285, a cinco quilômetros do centro da cidade. A ocupação do espaço depende de acordo entre o município de Vacaria e a União.
:: A unidade será gerida pela Seav, mas pertencerá ao município de Vacaria.