Pode parecer difícil ao caxiense responder o que faz de sua cidade um lugar especial. Não que o município – que completa 128 anos de emancipação hoje – careça de características destacáveis, mas, sim, porque a própria reflexão se perde na correria do trabalho, do estudo, da vida. Para os forasteiros que escolheram a cidade para viver, porém, não são necessários muitos argumentos.
– Se parar para pensar, ela (a cidade) não tem tantas coisas, mas proporciona tudo que eu preciso. É um lugar que eu gosto muito. Logo que viemos para cá, eu me encantei pela cidade de uma maneira que nem sei explicar – sintetiza a uruguaia Sandra Rilo Balint, 49 anos, que deixou o país natal em 1995 com o marido e duas filhas.
A migração, aliás, está no gene da história de Caxias. Desde o início da colonização italiana, em 1875, muitas etnias se instalaram e constituíram seus legados por aqui. E o processo continua: hoje, conforme a Polícia Federal, estão registrados cerca de 5.280 estrangeiros aqui. Nas ruas, a presença cada vez mais recorrente de etnias é reconhecível, seja pelas cores, pela raça ou idioma.
– Há maior consciência de que Caxias não é mais uma colônia fechada só para italianos. Houve uma abertura para outras etnias. Mesmo os brasileiros (de outros Estados) quando vinham para cá sentiam essa resistência. Agora, com a chegada de estrangeiros, principalmente de países africanos e do Haiti, ajudou a melhorar – comenta a coordenadora do Centro de Atendimento ao Migrante de Caxias do Sul (CAM), Maria do Carmo dos Santos Gonçalves.
O que atrai e mantém imigrantes para a cidade, no entanto, é bastante diverso: oportunidades de trabalho, relacionamentos afetivos, facilidades... O fato é que Caxias hoje vai além de ser segunda maior cidade do Rio Grande do Sul, referência industrial ou a cidade da Festa da Uva. Caxias do Sul é a cidade onde mais de 480 mil escolheram conviver.
– Quando passamos pela BR-116, vemos aquele monumento observando Caxias em uma posição específica, em que o sol nasce às suas costas e termina no horizonte sob seu olhar. Para mim, esse é o símbolo que inspira e que sempre influenciou essa receptividade que caracteriza o povo caxiense com outras etnias. É uma cidade, no entanto, que te prova, é uma hospitalidade com uma condição: que as pessoas venham para somar, para contribuir – comenta o filósofo Tiago Grandi.
“Aqui é a minha casa”
O ganês Mustapha Ibrahim, 31 anos, chegou ao Brasil em 2014. Ele veio para a Copa, acompanhando a banda da seleção de futebol de Gana, mas logo abandonou o grupo. Acabou vindo para Caxias ao ouvir que o processo de obtenção de documentação era mais ágil na cidade. Ao chegar, não quis mais sair.
– Logo que cheguei, já percebi que ia ficar. Gosto muito da cidade. Sempre fui muito bem tratado – comenta.
Ibrahim também não sabe dizer exatamente o que tanto o encantou na cidade. A única certeza dele é de que já considera Caxias como lar e, inclusive, já nutre características de um caxiense típico.
– Gosto muito de churrasco e quero conhecer Torres. Mesmo se um dia eu sair para procurar emprego fora, pretendo voltar, aqui é a minha casa – reitera.
Da Europa para a Serra
A professora Solveig Dufrène, 29 anos, deixou a cidade de Venon, na França, para fazer intercâmbio como estudante de Engenharia de Materiais em Caxias do Sul há sete anos. Nesse tempo, já perdeu as contas de quantas vezes teve de explicar os motivos que a levaram a deixar a Europa para morar na Serra.
– Me sinto bem aqui e estou feliz com a vida que tenho – respondeu mais uma vez.
E acrescenta:
– Todos os lugares têm prós e contras. Todo mundo pergunta porque eu vim parar aqui, já que todo mundo quer ir para lá (França). Mas é outra realidade, é difícil comparar. E esse complexo de inferioridade não é só de Caxias, mas do brasileiro em geral, de que fora é tudo melhor. Mas não é bem assim, tem muita coisa boa no Brasil, na região e na própria cidade – comenta.
A permanência foi natural, mas exigiu algumas adaptações, reconhece Solveig.
– Acabei casando e minha vida está aqui. O trabalho está indo bem e pretendo ficar. O caxiense pensa bastante em trabalho, percebi isso rapidamente. Por outro lado, não dá tanta importância para cultura e outras áreas que também proporcionam bem-estar à população. Sinto falta de espaços para passear, praticar esporte e atividades culturais, que até acontecem, mas que é preciso estar no meio para ficar sabendo – pontua.
O cubano e o sonho de ser caxiense
– Se eu arranjo trabalho aqui, morro velho nessa cidade.
A afirmação é do cubano Tony Varga Romero, 44 anos, que há cerca de um ano chegou em Caxias para procurar trabalho. Uma vez aqui, não quis mais sair. E não foi por falta de referência: nos dois anos que está no Brasil, já passou por Boa Vista (RR), Belém (PA), Porto Alegre, Pelotas, Rio de Janeiro e São Paulo. Nenhum desses locais, entretanto, o estimulou a permanecer. A não ser Caxias.
– Vim para cá porque um amigo me disse que tinha mais trabalho. Foi a única cidade que me apaixonei de verdade entre as que eu estive. E eu nem sei explicar por qual motivo – diz.
A vinda para o Brasil, segundo relata Tony, foi motivada pelas condições difíceis em que vivia em Cuba.
– O salário era muito baixo e o custo de vida é muito alto. O salário mínimo lá é algo equivalente a R$ 30 e você paga tudo em dólar. Só sinto saudade das pessoas que deixei lá – ressalta.
Apesar do desejo em morar em Caxias, ele ainda não conseguiu se estabelecer aqui por não ter opções de emprego. Atualmente, está em Vacaria, onde foi trabalhar na colheita de maçã. Porém, afirma que mesmo lá, não vê a hora de voltar para Caxias, onde fica alojado no Centro de Atendimento ao Migrante (CAM). A esperança, contudo, é encontrar uma vaga de emprego por aqui.
– Se está ruim para os brasileiros, imagina para os estrangeiros. Estou esperando minha oportunidade. Mas não tenho pressa. Um passo de cada vez. Mas gosto muito daqui, as pessoas são muito boas – elogia.
Frio ainda incomoda Celina
Na década de 1960, quando Celina Vieira da Silva, 76 anos, chegou a Caxias com o marido, o conceito de hospitalidade provavelmente seria explicado no idioma italiano.
– Todos só falavam italiano aqui, as comidas tinham nomes italianos. Foi difícil, demoramos para nos acostumar – conta a zeladora, que trabalha em um edifício da área central.
Natural de Minas Gerais, Celina mudou-se com o marido de São Paulo para Caxias há 52 anos. Embora reconheça que a receptividade ainda precise ser trabalhada entre os caxienses, a situação, segundo ela melhorou muito. Hoje, afirma que ama a cidade e jamais a deixaria para morar em outro lugar. No entanto, há uma característica que, passadas cinco décadas, ainda não se acostumou.
– A cidade é maravilhosa, mas nunca consegui me habituar ao frio – confessa.