Poucas vezes uma rainha eleita para representar uma festa comunitária desempenhou a função de forma tão autêntica. A soberana da 28ª Festa da Colônia de Gramado, Aline Rodrigues Wiltgen, 28 anos, não tem vergonha de ser chamada de colona ou de admitir que tira o sustento da família com o trabalho no campo. É até difícil reconhecer a jovem quando está trabalhando entre o milharal que ocupa 10 hectares na colônia de Campestre do Tigre, distante cerca de 12 quilômetros do centro de Gramado. De chinelo de dedos e boné, ela pilota o trator da família, estaciona no extenso gramado e parte para o corte da lavoura de milho com uma foice em mãos.
— Encontraram uma colona de verdade para ser rainha. É ela quem toca todo o trabalho aqui, já que eu não tenho mais idade. A força que ela tem não encontro em outra pessoa — elogia o pai, Ildo Wiltgen, aos 82 anos.
E se engana quem acredita que ela troca de roupa e calçado ao se dirigir ao centro de Exposições e Congressos da Expogramado, local onde ocorre a Festa da Colônia. É só no camarim dos pavilhões da Expogramado que ela substitui o chinelo pelo sapato de salto alto, momento em que também solta o cabelo preso no boné e recebe uma caprichada escova no cabelo, que logo dá lugar ao penteado de rainha. Usar salto alto e maquiagem diariamente é, sem dúvida, novidade na rotina da agricultora.
— Acho que cansa mais ficar o dia inteiro de salto do que trabalhar na roça — compara.
Além do milho, a família da rainha ainda planta aipim, feijão e abóbora.
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Agricultora e rainha: veja a transformação da soberana da Festa da Colônia de Gramado
O título de rainha da Festa da Colônia chegou após Aline participar do concurso por quatro vezes. Neste meio tempo, chegou a ser eleita princesa da Festa do Figo, de Nova Petrópolis. Foi lá que precisou encarar, pela primeira vez, um microfone para interagir com o público e desfilar diante de uma plateia. Tudo isso era impensável antes por Aline. Nascida na comunidade de Campestre do Tigre, ela cursou em um colégio do interior todo Ensino Fundamental. Com a impossibilidade de seguir o Ensino Médio na zona rural pela falta de oferta, passou a frequentar uma escola na área central da cidade. Não concluiu o 1º Ano do Ensino Médio por acreditar que, naquele momento, o pai idoso precisava de ajuda no campo, e preferiu priorizar o trabalho. O relacionamento com os colegas também não rendeu boas lembranças, já que ela diz ter sido alvo de preconceito diversas vezes por ser do campo.
— Já fui chamada de bicho do mato, de colona, riam de mim. Mas agora me sinto bem, e desfilo bem feliz por aí como rainha. Meu próximo passo é retomar os estudos — planeja.
Trio é do campo
As princesas que acompanham o reinado de Aline também retratam o interior. Giovana Evelin Marcon tem 19 anos e é representante da Linha Bonita; Mariana Caroline Marcon, 20, é de Linha Araripe. Mariana, inclusive, é coordenadora da Juventude Rural da Serra _ grupo ligado à Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag) _ e desenvolve um trabalho de incentivo à permanência dos jovens no campo. Por isso, já ajudou a promover cursos voltados ao tema via Fetag.
— Nestes cursos, os jovens se unem para compreender melhor as características do meio rural e para capacitar lideranças que auxiliem na compreensão juvenil em relação ao campo — explica.
Durante o concurso da Festa da Colônia, as gurias passaram pela avaliação de um júri e receberam a ajuda de um missólogo (preparador de misses), maquiador e cabelereiro. Após eleitas, elas cumprem a rotina típica de um trio de imperatrizes: visitas a prefeituras, ao governador José Ivo Sartori (PMDB) e aos colonos que participam da festa. Na manhã da última quinta-feira, quando o Pioneiro visitou a rainha Aline Wiltgen, ela ajudava o pai na roça antes de ir trabalhar na Festa da Colônia. Às 10h, a princesa Giovana já havia tirado leite das vacas da propriedade da família e trabalhado no plantio e colheita de mirtilos. Em seguida, rumou à Expogramado. A rotina do trio fora dos holofotes, portanto, pouco lembra ao universo glamouroso que soberanas costumam aparentar.
— Quando a rainha foi eleita, ouvi dos jurados justamente essa questão de ela representar a mais pura simplicidade e humildade, fatores que a levaram a vencer. Ela mantém a ligação com a colônia e não mudou essa originalidade durante todo o concurso, o que faz com que os agricultores se identifiquem ainda mais — comenta Edson Néspolo, presidente da GramadoTur, entidade que organiza a festa.
Jovens no campo são exceção
Uma das perguntas feitas para Aline ainda candidata foi decisiva para que levasse o título: os jurados queriam saber qual era o grande sonho da jovem.
— Eu disse que queria ter uma agroindústria na minha propriedade, para que eu possa trabalhar com o figo, por exemplo. É claro que é preciso estudo de mercado antes de apostar em uma variedade, mas hoje apostaria no figo — planeja.
O desejo de permanecer no campo é quase que exceção dentre os irmãos de Aline: a maioria rumou à cidade em busca de oportunidades. A realidade da família da jovem ilustra as dificuldades em fixar os jovens no campo. Ainda que informal, uma estimativa do presidente do Sindicato dos Agricultores Familiares de Caxias, Rudimar Menegotto, acredita que dentre 10 famílias, apenas três teriam sucessor nos negócios do campo.
_ No Estado, cerca de 50% das propriedades rurais têm um sucessor na família. Outros 20% não têm e 30% estão em dúvida. É muito preocupante porque são inúmeros motivos que levam o jovem a desistir do campo, e claro, o fator renda é um deles _ opina Rudimar.