O pequeno caixão branco fechado, decorado com desenhos delicados e sobreposto por uma foto de Naiara Soares Gomes, sete anos, canalizou lágrimas, orações, dor e o sentimento de tristeza que calou boa parte dos moradores de Caxias do Sul nesta quinta-feira (22), na despedida à menina.
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Velada entre a manhã e a tarde na capela Santo Antônio, no bairro Esplanada, a garotinha — que foi estuprada e assassinada no último dia 9 de março, quando seguia para a escola — recebeu homenagens da família e de uma legião de desconhecidos, que depositaram flores, fizeram orações ou apenas acenaram com lenços brancos quando o cortejo do caminhão do Corpo de Bombeiros passou em direção ao Cemitério Público Municipal.
Pessoas que participaram da despedida gritaram "Naiara vive em nossos corações" e cantaram cantigas infantis inúmeras vezes durante a cerimônia de despedida. A tristeza pela morte brutal de Naiara repercutiu até no Presídio Regional, onde, durante o banho de sol, centenas de presidiários rezaram o Pai Nosso em homenagem à criança.
"É muito difícil acreditar que ela está ali", lamenta mãe da menina
A mãe biológica de Naiara, Fabiana Reis Soares, 36 anos, veio de Vacaria para o enterro da menina. Morando em Caxias do Sul há quase três anos, a criança estava sob a guarda de uma tia após ter sido encaminhada a um abrigo para adoção junto com dois irmãos, de nove e 10 anos. Fabiana afirmou que seu desejo era enterrar a filha na cidade natal e se emocionou ao falar que o caixão fechado não permitia uma despedida:
— Ela era o meu bebê, a minha caçula. É muito difícil acreditar que ela está ali, que é o corpinho dela ali e encarar a verdade que acabou assim, sem se despedir.
Colegas de escola, vizinhos do loteamento Monte Carmelo, onde a garotinha morava, e outras crianças acompanhadas pelos pais se reuniram na capela Santo Antônio para se despedir. Descrita como meiga, falante e muito alegre, Naiara deixou uma marca entre conhecidos. A vizinha Micaela Machado, 13 anos, conta que na quinta-feira, dia 8, um dia antes do desaparecimento, a menina esteve em sua casa para lhe vender uma rifa:
— Ela foi lá em casa vender rifa e estava como sempre, tagarela, doce e querida. Ela era um amor de menina.
A auxiliar de recursos humanos Mari Nunes, 32, não conhecia Naiara, mas garantiu que precisava se despedir da criança.
— Sou mãe de um menino de dois anos, e eu precisava vir aqui, me despedir, homenagear esse anjo. Não tem como não se envolver — disse.
O metalúrgico Leonir Brito, 47, mora perto de onde Naiara foi sequestrada. Ele tem dois filhos e cobra do prefeitura que as crianças estudem mais perto de casa para que o caso de Naiara não se repita.
— Eu não consigo entender como colocaram um criança tão pequena estudar tão longe de casa. Isso não está certo. Ver o caixão fechado e saber que a família mal pode se despedir, acaba com qualquer pai — lamenta.
Missa reúne centenas
Durante a missa de corpo presente na Igreja Santo Antônio, conduzida pelo bispo dom Alessandro Ruffinoni, houve momentos de reflexão para que tragédias como a morte de Naiara não voltem a acontecer.
Por volta das 15h20min, o caixão onde estava o corpo de Naiara partiu para o Cemitério Público Municipal sobre um caminhão do Corpo de Bombeiros.
— Invisível em vida, Naiara hoje teve tudo o que merecia — afirmou, chorando, a mãe de uma das colegas de aula da garotinha, que preferiu não se identificar.
No cemitério, centenas de pessoas esperavam a chegada do caminhão para se despedir. A emoção tomou conta dos presentes quando uma das primas da criança colocou uma boneca sobre o caixão. As últimas palavras do bispo pediam oração e fé para fortalecer a família.
A boneca e outros brinquedos da menina foram colocados no túmulo, assim como uma camiseta branca que havia sido usada nas buscas da semana passada com os dizeres "Volta Naiara". No adeus, a irmã de Naiara, de 10 anos, parou ao lado da sepultura, enxugou os olhos e colocou uma rosa sobre o caixão para se despedir.
Família atordoada
O olhar vazio era a expressão comum nos rostos de quatro primas de Naiara e da tia que criou a menina nos últimos três anos, Maria de Lourdes Gomes, 45 anos.
— Tínhamos esperança até o último minuto. Agora, nem sei o que fazer ou dizer o que estou sentindo... — desabafou Maria de Lourdes.
O sentimento de culpa pelas circunstâncias que levaram Naiara a percorrer sozinha o trecho em que foi raptada e as críticas recebidas nas redes sociais também abateram a família. O principal alvo das ofensas é o primo de Naiara, o rapaz de 15 anos que era o responsável por levá-la à escola.
— Até dentro da família teve esse julgamento. Mas é um erro que qualquer pessoa poderia ter cometido. Já mandei minha filha ir no mercado sozinha, por exemplo. Todo mundo já deixou o filho ir sozinho a algum lugar. Poderia ter sido o filho de qualquer pessoa — defendeu Ana Cláudia Gomes da Silva, 30, umas das primas de Naiara.
Jucemara Corrêa, uma das vizinhas de Maria de Lourdes, também se colocou em defesa da família:
— Sempre foi uma família muito boa. Ficavam na deles. Não batiam nas crianças, nunca incomodaram ninguém. E a Naiara sempre foi uma menina doce. Se desse atenção, ela já saia conversando. Está sendo terrível vivenciar isso.
Contudo, o sentimento de pesar pela perda de Naiara era maior do que as críticas.
— Imaginávamos que podíamos encontrar ela morta, mas não dessa forma. É muito revoltante. Agora, pelo menos sabemos onde ela está e que um dia poderemos encontrá-la — comenta Adilson Ferraz, marido de uma das primas de Naiara.