É impossível para a família proteger diretamente a criança durante as 24 horas do dia. Mesmo assim, é possível minimizar os riscos nos momentos em que ela precise estar fora de casa. Para a professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e Mestra em Psicologia do Desenvolvimento Renata Sassi, a proteção começa pelo diálogo com os pequenos.
Leia mais
Confira os principais fatos que marcaram os dias de desaparecimento da menina Naiara em Caxias
Confira orientações para garantir a segurança das crianças em espaços públicos
— Temos que ter o cuidado para não traumatizar (as crianças), mas também não deixar elas totalmente livres. Os dois lados são ruins. Tem que ter uma relação baseada no diálogo, centrada na educação — define a especialista.
Confira trechos da entrevista com Renata:
Pioneiro: Ao estar na rua, a criança sempre deve estar acompanhada?
Renata Sassi: As crianças, até determinada faixa etária, os 10, 11 anos, não têm uma percepção do que pode ser perigoso para elas. Eu vejo que crianças com a idade da Naiara não deveriam jamais estar desacompanhadas. Mesmo que o trajeto seja muito curto entre a residência e a escola. Claro, ao mesmo tempo, a gente tem que entender que a grande maioria das famílias hoje têm horários distintos, atividades distintas. Eu compreendo isso, mas sempre deve haver um acompanhamento para a criança, se não de um pai ou uma mãe, de um adulto. A nossa sociedade tem se comportado de forma muito violenta. As crianças precisam primeiro ser informadas do que elas vão enfrentar, se tiverem que enfrentar a rua sozinhas. E não só em relação às pessoas, o trânsito também é superviolento, e a criança se distrai com muito mais facilidade do que um adulto. Ela pode olhar para um lado e não olhar para o outro e um veículo passar e atropelar, e não é só com uma criança que a gente tem notícia que acontece isso. Elas não têm maturidade suficiente para se gerir sozinhas.
A partir de que idade a criança pode ganhar alguma autonomia?
Renata Sassi: Após os 11 anos, já começa uma outra etapa na vida da criança. Mas também depende do caso. Se se a criança passou esses 11 anos da vida dela superprotegida ela não vai, somente porque alcançou uma idade certa, conseguir ter autonomia. Ela tem que ser conquistada pouco a pouco. Tem que ter uma proposta familiar para que ela atinja essa autonomia, com o envolvimento dos pais. Ainda mais em uma era bastante conturbada como a nossa.
A partir de uma certa idade, a criança passa a querer ter mais independência, até demonstrando vergonha ao ser acompanhada pelos pais em certas situações. Como lidar com isso?
Renata Sassi: Tem que entender por que o filho está tendo esses comportamentos receosos, ou de vergonha, de estar junto com os pais. Eu já prestaria atenção. Por que meu filho não quer ser visto na minha companhia? Está acontecendo alguma coisa. Porque na família que tenha um diálogo permanente, não deveria haver essa situação de vergonha de estar sendo acompanhado pelos pais. Tem algo aí que deve ser prestado atenção. Não é uma regra, que chega uma determinada etapa da vida da gente e a gente passa a ter vergonha dos pais. Não, um comportamento esperado é que cheguemos a uma etapa onde a gente queira mais autonomia. Não ter vergonha das relações familiares que temos. Quando há essa vergonha e a criança diz, "me espera a uma quadra da escola", tem alguma coisa aí. E, se os pais aceitam esse tipo de demanda dos filhos, o problema também está neles.
Como não traumatizar as crianças ao falar sobre os perigos da rua, e também sobre o próprio caso da Naiara, que está bastante exposto?
Renata Sassi: Os pais têm que ter confiança ao comentar esse tipo de assunto. Têm que estar tranquilos em relação a expor os fatos do dia a dia e dar os alertas necessários, para que não ocorram situações semelhantes com os filhos. Têm que conversar com a criança, dizendo "olha só, aconteceu isso", expondo quais os fatos que podem ter levado a esse acontecimento e o que podemos fazer para evitar. Aí é que entra a conversa que os pais podem ter. Eu acho bem interessante trabalhar com as crianças levando problemas para elas resolverem, encontrarem soluções, com a mediação do adulto. Por exemplo, falar "como é que seria para você, se alguém abordar você na rua, e é uma pessoa estranha? O que a gente deveria fazer? O que tu farias nessa situação?" É trabalhando nessas situações, nessa direção. Com a criança já exposta a uma problematização e sentando ela com o adulto para buscar uma solução para o problema. Ressaltando que isso não quer dizer que vai acontecer com ela, mas, prevenindo para que nunca aconteça.