Ainda é necessária uma data para lembrar que as mulheres não vivem em condições iguais às dos homens no Brasil e no mundo. Um dia exclusivo no calendário para que os holofotes se voltem a elas e às suas lutas, que vão muito além de direitos políticos, civis e sociais. Pode ser que, de fato, a data sirva para valorizar ações de movimentos feministas que ajudaram a conquistar boa parte destes direitos _ e que ainda persistem na luta ao não desistir de garantias iguais, que passam pela participação igualitária na criação dos filhos ou um salário igual ao do companheiro quando ocupa-se o mesmo cargo. O fato é que 8 de março, Dia Internacional da Mulher, serve também para lembrar ou e conhecer histórias de mulheres que, à frente do seu tempo, desconstroem estereótipos e dão exemplo de resiliência.
— Você não pode esperar nada de ninguém. Do teu chefe, do teu colega, do governo. Por ser mulher, você precisa ser o exemplo. É sempre mais difícil, mas nós não podemos desistir.
O conselho é da empresária Zeli Dambrós, 51 anos, moradora de Caxias há quase 40. Aos 13 anos, a gaúcha de São José do Ouro ouviu do pai era pequena demais para tanta determinação. Afinal, caminhava diariamente 12 quilômetros só para ir ao colégio. A saída era morar na próspera Caxias do Sul e aceitar a proposta para trabalhar como ajudante do lar de uma família. Foram anos conciliando a tarefa doméstica com a atividade de auxiliar-geral em uma indústria têxtil. O último posto que ocupou na fábrica, na área de exportação, serviu como vitrine para que uma conhecida indústria de remessas internacionais e logística a contratasse.
Anos depois, Zeli conseguiu se tornar proprietária de uma das filiais do negócio de cargas. Além disso, tornou-se dona, há nove anos, de uma das maiores empresas de locação de materiais para eventos no Rio Grande do Sul. Procurou, neste tempo todo, não deixar que as conquistas financeiras fossem exclusivas suas. Poucos sabem, mas Zeli chegou a bancar a instalação de toda rede de energia elétrica em uma pequena comunidade de Iguatu, no Ceará, onde mantinha amizades com jovens seminaristas, colegas de faculdade dela.
— A cada eleição, os prefeitos prometiam luz a eles. Terminava a eleição e nada mudava. Aquela gente enterrava água na areia para poder consumir uma água mais fresca. As crianças não tinham nem leite. Eu decidi custearas despesas para levar iluminação até a casa daquelas famílias. Paguei um gerador, confiei neles, e hoje me trataram melhor que o prefeito— brinca.
Mulheres como Zeli, mãe de Antônio, 18, mudam a realidade que pertencem. Ainda que o esforço para chegar em uma posição de destaque possa ser maior _ em Caxias do Sul, por exemplo, estudos revelam que mulheres recebem o equivalente a 80% do salário de um homem no mesmo posto _, a luta não é por mais direitos que homens. É por direitos iguais, como lembra uma das referências em acolhimento a estrangeiros na cidade, a irmã Maria do Carmo dos Santos Gonçalves, 43, ligada à Congregação das Irmãs Scalabrinianas. É no sorriso largo e na voz doce de Maria do Carmo que homens e mulheres vindos de regiões devastadas do Haiti, Senegal e Gana encontraram conforto. A força da religiosa, filósofa, mestre e doutoranda em Ciências Sociais é responsável por fazer acontecer o trabalho no Centro de Atendimento ao Migrante (CAM).
— Mulheres que hoje estão em postos de chefia e são desafiadas também estão respaldadas por outras mulheres que fizeram um caminho desses. Eu sou respaldada pela congregação que é feita por mulheres. O nosso fazer, na igreja, na sociedade, na academia, é um fazer diferente. Não é uma visão extremista de que só nós fizemos certo, mas nós, mulheres, trazemos um outro modo de fazer que incorpora todos os saberes femininos.