Há cerca de quatro meses, o corpo de Joana (nome fictício), 27 anos, começou a dar sinais de que não estava nada bem. A jovem ignorou no início a tosse prolongada, a secreção com sangue e a perda de peso — baixou, em pouco tempo, dos 58 quilos para 47. Foi se sentindo pior a cada dia e acabou parando no hospital, onde recebeu o diagnóstico que já suspeitava: tuberculose.
Imediatamente começou o tratamento, que é longo (seis meses) e exige persistência, já que causa reações como náusea, vômito, dores musculares e cansaço, todos sentidos por Joana.
— Parecia que não estava adiantando fazer o tratamento — conta.
Ela até pensou em desistir, mas o medo de morrer era maior. Aliás, o receio era tão grande que a jovem abandonou o crack, vício que manteve por 10 anos. Joana toma a medicação diária e é acompanhada pelo Ambulatório de Tuberculose de Caxias do Sul. Na sexta-feira, um dia antes do Dia Mundial de Combate à Tuberculose, comemorado neste sábado, ela aguardava consulta no Centro Especializado em Saúde (CES) quando conversou com a reportagem:
— Quero viver. Já vi muitas amigas morrendo de tuberculose.
Joana está entre as dezenas de pessoas com tuberculose em Caxias. A doença é uma das mais antigas da humanidade e está longe de ser erradicada. No ano passado, foram registrados pela Secretaria Municipal da Saúde, 205 casos novos, 48 a mais do que no ano anterior. O número vem crescendo: em 2013, eram 142; em 2014, 149; e em 2015, 143. Foram 16 mortes por tuberculose em 2017 e 10 em 2016. Nos últimos cinco anos, 946 casos de tuberculose foram registrados em Caxias e 114 portadores da doença morreram.
O aumento de casos e de mortes pode estar associado ao diagnóstico tardio ou ao abandono do tratamento — quando se interrompe a terapia médica, não há como ser retomada de onde parou, é preciso começar tudo de novo. Por outro lado, a ampliação do serviço nas unidades básicas de saúde (UBSs) pode ter auxiliado da identificação de mais casos.
— Desde o ano passado, os enfermeiros das UBSs também podem solicitar o exame de baciloscopia, necessário para o diagnóstico da doença, sem necessidade de uma consulta médica _ explica a coordenadora do Serviço de Infectologia da Secretaria da Saúde, Grasiela Gabriel.
Doença tem cura, mas exige persistência
Joana conseguiu largar o crack e até o cigarro. Ter deixado as substâncias tóxicas tem ajudado a jovem em sua recuperação. Ela admite que tem vontade de usar as substâncias, mas a vontade de viver fala mais alto. Infelizmente, nem todos os dependentes químicos têm a mesma determinação de Joana.
O uso de drogas com a medicação e o próprio abandono do tratamento é normal entre os usuários, explica o doutor em Saúde Pública Liandro Lindner. Ele realizou uma pesquisa nas cracolândias de São Paulo e percebeu que a maioria para de tomar os medicamentos quando se sente melhor.
— O paciente é muito criativo. Eles diziam que iam seguir o tratamento até ficarem bons. Eles inventam maneiras de continuar usando drogas — diz.
São Paulo, Estado da capital escolhida por Lindner para sua pesquisa, é o oitavo em abandono do tratamento, conforme relatório técnico do Centro Estadual de Vigilância em Saúde.
Enquanto isso, o Rio Grande do Sul lidera, com o maior percentual de abandono de tratamento entre os casos novos de tuberculose: 15,1%. A taxa é superior ao percentual de abandono no país, que é de 10,3%. Os dados são referentes a 2016.
O principal motivo, segundo autoridades médicas, é a dificuldade em seguir o tratamento à risca por conta, principalmente, das reações, como dor de estômago, náusea e vômito. E quando o paciente começa a se sentir melhor, tende a deixar de tomar os medicamentos, mas os sintomas de melhora não significam cura.
— O tratamento dura, no mínimo, seis meses. Se ficar 30 dias sem tomar já é abandono e tem que começar do zero — explica Bruna Kochhann Menezes, médica infectologista do Ambulatório de Tuberculose de Caxias do Sul.
Qualquer pessoa pode ter tuberculose
Embora grupos populacionais como indígenas, detentos, pessoas com HIV/Aids, moradores de rua e usuários de drogas estejam mais vulneráveis à tuberculose devido às condições de saúde, qualquer pessoa pode contrair a doença.
O autônomo Olavo (nome fictício), 49, é um exemplo. Ele não se encaixa em nenhum dos grupos citados. Um caroço surgiu no rosto há mais ou menos um ano e ele até pensou que fosse câncer. Há três meses foi diagnosticado com tuberculose.
O aposentado José (que também teve o nome alterado nesta reportagem a pedido dele), 77, também não se encaixa nos grupos vulneráveis. Mas a idade o deixa com baixa imunidade, o que pode ter contribuído para o diagnóstico de tuberculose há cinco meses. Ele já havia tido a doença por volta dos 60 anos de idade e curou. Desta vez, acabou descobrindo ao ser internado para tratar de problemas cardíacos.
Olavo tem tuberculose em glândula e José, pleural. Em ambos os casos, não há contágio, diferente da tuberculose pulmonar, que transmite a doença.
Situação no Brasil exige atenção
Embora o Brasil tenha registrado queda de 2% por ano nos últimos 15 anos nos casos de tuberculose, o país ainda inspira cuidados. Isso porque 32% dos casos das Américas são de brasileiros. O Brasil faz parte do grupo de 22 países de alta carga priorizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que concentram 80% dos casos de tuberculose do mundo, ocupando a 20ª posição em número absoluto de casos. Em 2015, foram diagnosticados, em média, 68 mil casos novos de tuberculoses e ocorreram 4,5 mil mortes. Por isso, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) olha com atenção para o Brasil.
— O número ainda é elevado. São 70 mil casos por ano. Mas há uma perspectiva de controle — destaca Fábio Moherdaui, consultor nacional de tuberculose da Opas.
A maior preocupação da entidade são com os moradores de ruas, os indígenas e as populações carcerárias. As prisões, aliás, são locais ideais para a disseminação da doença.
— Uma cela de prisão, onde cabem três pessoas, mas tem 30, é uma promiscuidade total e literalmente um caldo de cultura para a transmissão, fora que não tem ventilação e não tem insolação, que é o principal fator de prevenção, porque onde o sol bate, ele mata o bacilo. Então, uma cela de presídio é o pior lugar para se infectar — alerta Draurio Barreira, médico sanitarista e gerente técnico da Unitaid, organização internacional que promove acesso a medicamentos para tuberculose, HIV e malária.
Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), apesar de representarem cerca de 0,3% da população brasileira, presos correspondem a 9,2% dos pacientes de tuberculose no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, a cada 100 mil presos, 897 são contagiados dentro do sistema prisional, enquanto que entre a população geral essa taxa é de 36 a cada 100 mil pessoas.
Na Penitenciária Estadual do Apanhador, detentos com tuberculose são isolados e recebem acompanhamento médico. Já no Presídio Regional de Caxias do Sul não há área para isolamento de presos com a doença.
Importante
O clima em Caxias do Sul contribui, e muito, para a proliferação das doenças respiratórias e pode mascarar um quadro de tuberculose. As pessoas devem ter atenção aos sintomas e não achar que tosse, por exemplo, é apenas uma gripe. Se ela for prolongada, pode, sim, ser tuberculose. A recomendação é procurar um médico.
Cuidados não terminam com a cura
Mesmo após receber alta, o paciente precisa ficar atento porque o risco de apresentar a doença novamente é quatro vezes maior em quem já teve tuberculose do que um paciente que nunca contraiu a enfermidade. Os pacientes devem realizar avaliações anuais nos próximos cinco anos. Estima-se que 94% das reincidências ocorrem em até 18 meses pós-alta do tratamento.
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O que é: uma doença causada pela bactéria Mycobacterium Tuberculosis. Ela se espalha pelo ar quando as pessoas infectadas tossem ou espirram. Afeta com mais frequência os pulmões, mas pode infectar qualquer parte do corpo, incluindo os ossos e o sistema nervoso.
Sinais de alerta:
Febre
Suores noturnos
Tosse por mais de duas semanas
Produção de catarro
Cansaço
Dor no peito
Falta de apetite
Emagrecimento
Prevenção: imunizar as crianças com a vacina BCG. A prevenção também inclui evitar aglomerações, especialmente em ambientes fechados, além de não utilizar objetos de pessoas contaminadas. Lavar as mãos e manter os ambientes arejados é fundamental.
Tratamento: à base de antibióticos e leva, no mínimo, seis meses. Em caso de desistência, é preciso recomeçar o tratamento do início.