Seis haitianos denunciaram o dono da empresa S2 Montagens Industriais, metalúrgica com sede no bairro Cruzeiro, em Caxias do Sul, de fazer ameaças e de manter cerca de 18 funcionários estrangeiros em condições precárias e análogas a escravidão. O caso foi registrado na Polícia Civil e denunciado ao Ministério do Trabalho e Emprego e Sindicato dos Metalúrgicos. A empresa atua na construção de silos em municípios de todo o Estado.
Entre as situações, os trabalhadores relatam que o empregador os obrigaria a cumprir horas extras sem que fossem pagas no mês posterior, depositaria dinheiro insuficiente para comprar passagens de deslocamento entre as obras, além de supostamente cometer atos de segregação, como, por exemplo, permitir a saída para almoço somente quando os demais funcionários terminassem a refeição.
— Íamos almoçar depois das 13h30min porque ele dizia que os brasileiros não gostavam da nossa companhia. Quando chegávamos no restaurante, não havia mais nem muita comida — comenta Sergo Ridare, um dos denunciantes.
A postura de discriminação era também adotada por parte dos demais funcionários, conforme os imigrantes. Inclusive, alguns deles portariam facas e incitavam brigas em forma de brincadeira com os haitianos.
— Eles diziam que queriam duelar com a gente. A nossa sorte é que estávamos em 18 pessoas. Caso contrário, tenho certeza que sofreríamos bem mais — comenta Miguel Pierre, outro integrante do grupo.
Os problemas, segundo informam, teriam começado quando a maioria do grupo começou a trabalhar para a empresa, há cerca de cinco meses. As principais ameaças, porém, seriam cometidas pelo próprio proprietário da empresa.
— Teve uma vez que ele correu com um pedaço de pau atrás de mim quando reclamei das condições. E ele sempre nos ameaçava dizendo que tinha um (revólver) .38 em casa se continuássemos a incomodar —acrescenta Ridare.
O Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias deve ingressar com pedido de demissão indireta e, em conjunto com o Ministério do Trabalho e Emprego, garantir o pagamento da rescisão e dos direitos supostamente negados aos imigrantes.
"Evitamos denunciar para não sermos malvistos"
Além de reivindicarem as pendências trabalhistas, os estrangeiros se negam a voltar ao trabalho. Morando há cerca de cinco anos em Caxias do Sul — com exceção de um deles, que veio há três anos para a cidade —, os trabalhadores haitianos afirmam que nunca haviam sofrido situações como a vivenciada no ano passado.
— Há alguns casos de preconceito, mas sabemos nos defender. Mas um abuso desse tipo é a primeira vez que sofremos — comenta Neldy Alcima.
Vivendo com a mulher e um filho no bairro Rio Branco, Alcima ressalta que agora deve correr atrás de um novo emprego para garantir a sobrevivência da família.
— A gente ganhava cerca de R$ 1,3 mil para, às vezes, trabalhar 12 horas por dia. Não achávamos ruim o trabalho, só queríamos o que nos foi prometido. Quando fomos contratados, ele (o proprietário), tinha nos dito que ia conseguir até Bolsa Família, o que depois descobrimos que era mentira — denuncia.
Além de todas as situações citadas, eles comentam que muitos colegas sequer tinham direito às folgas que eram prometidas, sendo que alguns trabalhavam até por 30 dias seguidos.
— Um colega teve um acidente e foi até o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Lá, descobriu que o patrão nunca tinha feito o depósito, apesar de o valor ser descontado do salário — comenta Miguel Pierre.
De acordo com a ocorrência registrada na Polícia Civil, frequentemente, para supostamente coagir os imigrantes a fazerem horas extras, o empregador teria cortado o fornecimento de gás e a internet (única via de comunicação dos imigrantes com a família) do alojamento onde permaneciam — um pequeno cômodo onde eram distribuídas seis camas e alguns colchões pelo chão — como forma de penalidade.
— A gente evita denunciar esse tipo de coisa porque alguns empresários têm preconceito com haitianos, dizem que não gostamos de trabalhar e só reclamamos. Por isso, permanecemos em trabalhos como esse porque, se sairmos, sabemos que os empregadores sempre vão supor que a culpa por termos deixado o trabalho anterior foi toda nossa — conclui Sergo Ridare.
Proprietário nega acusações
O Pioneiro contatou o dono da S2 Montagens Industriais, João Vorlei Freitas Júnior. Ele negou a maior parte das acusações, porém, reconheceu que há pendências em parte dos pagamentos.
— Estávamos passando por dificuldades devido à falta de pagamento de alguns clientes e, por isso, não quitamos o 13º dos trabalhadores. Mas garanto que vamos honrar esse compromisso. Busquei eles (imigrantes) para poder ajudar, jamais os deixaria na mão. Estamos fazendo de tudo para deixar em dia — garantiu.
Quanto às denúncias de ameaças aos funcionários, Freitas nega veementemente.
— Eu sou uma pessoa bem tranquila. Nesses dois anos que tenho a empresa, a única vez que deu situação de briga de paus foi entre funcionários. Nada por parte da empresa — defende-se.
Ele nega, no entanto, que as condições fornecidas nos alojamentos sejam inadequadas, conforme denunciam os trabalhadores.
— Almoçamos em duas turmas, uma ao meio-dia e a outra meia hora depois. Não há discriminação. Eu mesmo almoço com os caras e como a mesma comida que eles. Nos alojamentos, as condições também são as mesmas para todos — alega.
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