Para Marlonei dos Santos, presidente do Sindicato dos Médicos de Caxias, é necessário comprovação para que a cobrança indevida por parte dos profissionais seja denunciada. Ele alerta que, o paciente deve exigir o recibo, tanto para a sua proteção quanto para a do próprio médico.
— A briga é de lado a lado. Infelizmente, na maioria dos casos, o paciente que sai perdendo — reconhece.
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Confira os principais trechos da entrevista:
Pioneiro: Casos de cobrança indevida chegam ao sindicato?
Marlonei dos Santos: A maioria do que chega para a gente não é documentado. As pessoas ligam dizendo, mas não documentam e a gente não leva para frente. A gente segue a mesma norma do Conselho Regional de Medicina, só se apresentar um recibo, uma nota fiscal. Mas se for só denuncia assim, sem documentação, a gente não toca para frente.
Mas em todos os relatos, os médicos se recusaram a dar o recibo. Qual seria a orientação para o paciente que passa por isso?
Pegar o recibo e aí entrar na Justiça. Porque tem como provar, se fez um procedimento no hospital, tem prontuário. Agora, sem documentação, o código de ética do Conselho Nacional de Medicina é bem claro, tem que ser comprovado, através de um documento.
Essa cobrança extra por alguns procedimentos parece recorrente em algumas modalidades. Qual é a posição do sindicato sobre isso?
Não sou contrario nem a favor, tem que analisar caso a caso. Vou te dar um exemplo: a minha sogra fez uma cirurgia de coluna, colocou uma prótese, e um ano depois a prótese quebrou. Depois, ela teve que fazer de novo para colocar algo melhor, uma prótese importada, algo que não quebrasse. Só que essas coisas geralmente o plano não paga, só se a pessoa entrar na Justiça. Mas isso tem que ser analisado, não dá para dizer que todos aqui em Caxias fazem isso, tem que analisar caso a caso.
Na maior parte dos casos, os médicos justificam dizendo que usam equipamento próprio.
É justificável. Se tiver um aparelho meu para colocar uma prótese, vou usar o meu e não o do hospital. Isso eu posso defender. Mas a minha posição é muito clara: esse problema é entre médico e plano. Eles têm que se entender. O médico que tem um equipamento, muitos querem usar o seu. O plano pode querer usar outro porque barateia. Isso tem que ser resolvido entre o médico e o plano. O paciente não tem nada a ver com isso.
Mas ele é cobrado...
Se é cobrado, então tem que ir no plano se ressarcir. E o plano vê se quer botar o médico na rua, é um direito do plano. Mas tem que ser tudo com recibo, porque a recíproca é verdadeira. Também acontece o outro lado, de paciente querendo tirar vantagem porque acha que o médico não atendeu bem, ou a doença não melhorou porque o médico errou e quer cobrar na Justiça. Tá cheio de casos assim, a briga é de lado a lado. Infelizmente, na maioria dos casos, o paciente que sai perdendo. E a legislação não é muito clara também.
Casos desse tipo de cobrança são comuns em Caxias?
Não é muito comum, isso só é possível em duas, três especialidades. Não tem na psiquiatria, na clínica médica, por exemplo. São algumas especialidades que as pessoas têm equipamentos próprios e querem usar. Esses equipamentos são caríssimos, tu investe neles e leva para o hospital para fazer com o teu equipamento. Até porque os equipamentos de hospitais, de algumas especialidades, todo mundo coloca a mão. Aí, têm alguns problemas, pode precisar de manutenção, ou não estar regulado direito.
De dentro do consultório
É difícil saber o que acontece na relação privada entre paciente e médico. Quem se consulta com um profissional que cobra geralmente hesita em denunciar por temer precisar novamente de tratamento. Os médicos, em geral, se recusam a tocar no assunto.
Na tentativa de entender como e porque acontecem as cobranças paralelas na rede privada, o Pioneiro reuniu os depoimentos de alguns pacientes que não quiseram ter a identidade revelada, mas cujos relatos ajudam a visualizar parte do que se passa dentro de alguns consultórios médicos.
"Nunca mais volto"
Há dois anos, eu fui no plantão e descobri que tinha pedras na vesícula. Consultei um gastro (gastroenterologista) e ele marcou a cirurgia. Cobrou R$ 800, um dia antes do procedimento, no Pompéia. Foi a primeira vez que fiz a cirurgia. No consultório, ele não me deu recibo. Eu tenho problema de pedras nos rins, sempre com crises de dor. Em outubro tive uma dor enorme, com vômitos, Fiquei no hospital da Unimed. Eu não tinha nenhum médico de rim, então o plantão me chamou um, que disse que o hospital não tinha o equipamento para a cirurgia a laser. Ele me deu alta e pediu para a secretária dele agendar no Hospital Pompéia. Eu tenho 31 anos, dois filhos e me pego nessa situação que meu Deus, tem que operar. Baixei no Pompéia. Ele disse, de tarde, que precisava acertar um valor comigo. O meu marido pediu quanto era. Ele cobrou R$ 1 mil. Hoje não temos, ele disse. O médico disse que não precisava ser na hora. É por um aparelho que eu peço emprestado com um colega meu, falou. Questionei se o hospital não tinha, já que há dois anos eu fiz o mesmo procedimento lá. O meu marido disse para não discutir. Ele operou, e meia-noite eu já estava no quarto. Tinha uma moça que estava comigo lá que fez o mesmo procedimento que eu, mas com outro médico, que não cobrou diferença dela. Ela me disse para ligar no SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) do plano. Ali, a moça me informou que eu não deveria pagar valor nenhum. Eu marquei um retorno com 10 dias no médico. O esposo disse para pagar, e se um dia precisasse de novo, o que acontece? Eu pensei, com esse consultório sempre cheio de gente, quanto ele não ganha? Eu paguei R$ 500. Ele não deu recibo, o meu esposo pediu. O médico disse que esse valor não é do atendimento, não tem como dar recibo. Ficaria R$ 500 a pagar. Disse que podia ser no décimo, em janeiro, quando tivesse. Quando o esposo pediu o recibo, ele decidiu dar um desconto. Eu tinha consulta de revisão e o valor de R$ 300 ficou pendente. Ele me atendeu, falou comigo, e disse que tinha ficado esse valor, mas riscou e disse, "tudo certo, não me deve mais nada. Pega esse dinheiro e compra um presente de Natal para teus filhos". Eu pensei, obrigada por ter me operado, mas nunca mais volto. No hospital, eu tinha visto ele assinando um papel para receber adicional noturno e tudo (do plano), e ainda cobra da gente? A gente acaba tendo um pouco de constrangimento de dizer não. A moça do SAC disse que ficava a meu critério se quisesse operar com esse médico ou não. Mas eu já tinha faltado na empresa, carimbado o laudo. Decidi pagar e deu, mas é bem complicado.
"A gente aceitou pagar os R$ 2 mil "
Meu marido começou a se sentir mal e foi na Unimed. A princípio, era um problema de rim, só que ele começou a piorar. O médico mandou fazer um exame e deu problema na vesícula. Mandou procurar um gastro e aqui em Bento Gonçalves ninguém quis atender ele. Liguei em vários, disse que era emergência, mas disseram que só para o ano que vem. Liguei para fora, dia 21 de novembro consegui com esse médico. Ele disse que ia ter que baixar para o hospital de Garibaldi logo para retirar o apêndice, só que não tinha como usar o aparelho da Unimed porque o plano não cobria. Na hora nem passou pela cabeça, a gente aceitou pagar os R$ 2 mil que ele pediu. Ele disse que não podia dar o comprovante porque o aparelho era alugado. Viemos para casa na sexta. Na segunda pensei, vou ligar e me informar. Liguei no SAC do plano, a moça que me atendeu falou que sim, o plano cobria o aparelho e isso foi uma cobrança indevida. Na quarta-feira a gente voltou, ele foi tirar os pontos e tudo, conversou com o médico e ele confirmou que o plano disponibilizou o aparelho, mas ele não gosta de usar aquele. Na hora que ele (marido) chegou na sala de cirurgia, ele disse que tinha só um aparelho, coberto, no canto. Mas se ele usou o dele deveria ter dois, né? Liguei de novo no plano, me confirmaram que ele recebeu pelo procedimento feito em vídeo. Daí a moça disse que ia passar para os assuntos internos e assim que ela tivesse uma resposta ia ligar de volta. É um aparelho que faz cirurgia por vídeo. Só que eu tenho gravada a conversa com o médico, onde ele assume que o plano tem o aparelho, mas ele não gosta de usar. Daí eu liguei lá e no SAC disseram que ele foi pago pelo vídeo. Agora não sei, não tenho comprovante, mas tenho recibo do empréstimo que meu marido fez na firma para pagar. E nós temos essa gravação. Agora vamos ver, pegar um advogado, não sei. Ela disse que podia pedir reembolso, mas não tem um comprovante, o que indica que foi um valor por fora. Na hora nem passou pela cabeça de ligar. Ele disse que poderia fazer pelo corte, mas que tinha a opção de fazer por vídeo. Por vídeo era mais rápido, e em 15 dias meu marido podia voltar a trabalhar. Foi nisso que ele aproveitou de cobrar esses R$ 2 mil. Quando disse que tinha ligado na Unimed ele já mudou a postura dele na hora. Depois ele disse, eu dei a opção, mas o plano tem o aparelho, porque ele vai querer cobrar? Diz ele que alugou o aparelho. Mas não está bem contada essa história.
"Tu não quer criar problema"
Meu filho teve um problema de rim, acabou indo para o plantão do Círculo. Viram que era meio sério e chamaram esse médico, não foi a gente que escolheu. No domingo, teria que colocar o cateter. Ali eu conheci o médico. Me disse que o problema era sério, provavelmente teria que fazer uma cirurgia de pieloplastia (operação para corrigir uma obstrução do ureter). Marcamos a consulta e confirmou que podia ser por corte ou via videolaparoscopia. O médico pediu autorização do plano, que autorizou. Mas por vídeo teria um custo. Ia custar quase R$ 4 mil. Ele falou que tinha a possibilidade de cortar, mas é mais invasivo. Fiquei com o coração na mão. Liguei no plano e me disseram que não tinha que pagar nada. No outro dia, falei a verdade com o médico, que falaram que não tinha custo. Ele arregalou os olhos, ficou nervoso. Fui sem má intenção, mas ele viu que a gente descobriu a verdade. Eu tive que desconversar, meu filho estava na mão dele. Disse que não queria trocar de médico, é só porque não tenho dinheiro, queria ver se o plano ajuda. Ele disse, "eu posso chegar no hospital e ver se tem o equipamento, e se não tiver, eu corto o teu filho". A gente tem que se fazer de desentendido. Ele falou: "não tem quem empreste esse valor? Uma avó...?" No fim, ele baixou para R$ 2,5 mil. No dia que a gente foi pagar, pedimos um recibo, para ver se pelo menos dava para abater do imposto de renda, mas ele disse não. No fim, deixei por isso mesmo. É aquela coisa, a gente tá na mão deles, ainda mais um filho, tu não quer criar problema. Mas não é certo, a gente precisa e ele tem o poder na mão. Não troquei de médico, ele disse que é uma cultura de todos usar seu equipamento. Eu fiquei com medo, todos se conversam. A gente acaba deixando assim. Mas paga tão caro e eles (os planos) permitem que eles entrem com outro equipamento.