A greve dos educadores das escolas de Educação Infantil conveniadas com a prefeitura de Caxias do Sul ingressa nesta quarta-feira no terceiro dia sem a perspectiva de um acordo. A paralisação foi motivada, principalmente, pelo anúncio de redução salarial dos professores para o próximo ano.
Os convênios com as entidades que administram as 45 escolinhas serão encerrados no fim de dezembro pela Secretaria Municipal da Educação (Smed0 e substituídos por um contrato de gestão compartilhada, para adequar-se à Lei federal 13.019, que regula as parcerias entre o poder público e o setor privado.
Com a mudança, o poder público busca equiparar a remuneração paga pelas entidades aos cerca de 475 professores da rede, hoje de R$ 2.298,80 mensais, ao piso pago aos educadores da rede privada, de R$ 1.373,64. O sindicato da categoria repudia o que considera um retrocesso, já que a remuneração, negociada com as instituições por pelo menos duas décadas, seria legítima.
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— Não se pode fazer isso, temos um acordo coletivo há muitos anos e depois equiparamos ao piso nacional dos professores. Esse valor (de R$ 1.373,64) é o negociado com o Sinpré (Sindicato das Instituições de Educação Infantil Particulares), e só — declarou anteriormente ao Pioneiro Alceu Adelar Hoffmann, presidente do Sindicato dos Empregados em Entidades, Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional (Senalba) de Caxias.
O argumento da prefeitura tem como ponto central o uso eficiente dos recursos públicos: a procuradora-geral adjunta do município, Karin Comandulli Garcia, explica que o Executivo paga um valor mensal às entidades que administram as escolinhas, mas o contrato de trabalho com os educadores é uma relação privada. Ela reconhece que a adequação dos contratos à legislação federal não determina uma remuneração específica aos professores, mas não vê justificativa para manter o valor maior na nova modalidade.
— Por mais que não tenha uma vedação, se poderia dizer que é imoral o poder público pagar um valor que é quase o dobro do praticado no mercado. A lógica que deveria ter norteado esse processo é de que é uma relação privada. O município não tem cargo de educador. Há planos para isso, mas não existe. Os profissionais se sujeitam à lei de mercado. O fato de que há um convênio não quebra essa lógica — reforça.
Karin acredita, inclusive, que seria difícil justificar juridicamente um pagamento maior somente aos professores das escolas conveniadas.
"Não quer dizer que se tenha que pagar o mínimo"
O auditor-fiscal do Trabalho da gerência regional do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em Caxias do Sul, Vanius Corte, discorda da lógica do município.
— O piso é o mínimo estabelecido, mas não quer dizer que se tenha que pagar o mínimo. Inclusive no setor privado há profissionais que recebem mais que o piso, seja por tempo de serviço ou maior qualificação. Não se chegou aos valores que elas (as educadoras) recebem hoje por acaso — defende.
Conforme Vanius, nenhum Tribunal de Contas poderia questionar uma decisão de pagar mais aos profissionais.
— É uma decisão política (da prefeitura), de seguir prestando um serviço por menor custo, mas com riscos de diminuir a qualidade — aponta.
Recontratação de educadores corre riscos
Além da redução salarial, outro motivador da greve dos educadores é a incerteza sobre a manutenção dos empregos para o próximo ano letivo. Com a mudança nos convênios, todos os profissionais terão de ser demitidos até o fim de dezembro e recontratados até fevereiro. Quatro das entidades que já administram as 45 escolas concorrem para manter a função no próximo ano.
O processo, pensado para ocorrer durante as férias para não prejudicar as aulas, porém, tem um complicador. De acordo com Vanius Corte, se as entidades demitirem os professores e os contratarem por um salário menor, podem incorrer em fraude.
— Tem uma regra no Direito do Trabalho que diz que se um mesmo empregador desligar e readmitir um empregado em menos de 90 dias, é caracterizado como fraude, porque isso é feito geralmente ou para reduzir direitos, ou para que o empregado tenha acesso ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), por exemplo. Se essa readmissão ocorrer com redução ao valor do salário, fica mais complicado ainda — explica.
O risco de incorrer na irregularidade pode fazer com que as entidades concorrentes, se selecionadas para administrar as escolas em 2018, optem por não recontratar os mesmos profissionais.
— Essas pessoas que estão trabalhando não correm só o risco de ter uma redução (salarial), mas podem não ter mais salário — alerta.
ENTENDA
:: Os convênios com as 45 escolas de Educação Infantil municipais existem desde a década de 1990.
:: Eles foram renovados pela última vez em dezembro passado, pelo ex-prefeito Alceu Barbosa Velho (PDT).
:: A Lei 13.019, de 2014, porém, não prevê essa modalidade de gestão. A legislação, criada para dar transparência e equidade para as parcerias firmadas pelo poder público, entra em vigor no fim do ano.
:: Buscando não interromper as aulas, a prefeitura de Caxias decidiu firmar um contrato de gestão compartilhada com as entidades interessadas em administrar as escolas a partir do próximo ano. O processo seria mais ágil do que um chamamento público ou a realização de concurso para educadores infantis, cargo que não existe no município.
:: Quatro instituições que já gerem a maioria das escolinhas estão participando do processo de seleção, com documentação em análise.
:: Na nova modalidade, o município não vê razões para manter o salário atual dos funcionários dessas escolas, que teriam sido definidos de maneira informal no início dos convênios.
:: O sindicato da categoria defende que a remuneração foi negociada ano após ano em acordo coletivo com as entidades e, portanto, tem validade.
:: A Procuradoria-Geral do Município questiona a duplicidade de acordos com as escolas conveniadas e o restante das escolas particulares.
:: Conforme Vanius Corte, auditor do MTE, porém, o acordo é válido com ou sem convênio: a legislação trabalhista garante a prevalência do acordo coletivo (entre sindicato e empresa) sobre a convenção coletiva (entre sindicato dos trabalhadores e sindicato patronal). Portanto, não há obrigação de adequar o piso salarial ao praticado pelas escolinhas particulares.