Com a intenção de implantar serviços essenciais à população como unidades básicas de saúde e escolinhas infantis, por exemplo, a prefeitura de Caxias do Sul anunciou, em agosto, a polêmica iniciativa de desocupar imóveis públicos cedidos a terceiros.
Porém, o argumento, usado principalmente para confrontar reclamações de centros comunitários e associações de moradores que estão nesses locais, motiva outros questionamentos quanto à utilização de imóveis pelo próprio poder público: o que está sendo feito com áreas que já pertencem ao município e estão em desuso? E por que elas não são priorizadas para a instalação dos serviços e equipamentos públicos pretendidos?
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A atual administração afirma que não tem um levantamento oficial sobre os imóveis atualmente nessa condição. Em 2014, porém, ainda na gestão Alceu Barbosa Velho (PDT), uma consultoria verificou que o município tinha mais de 1,5 mil imóveis e desocupados ou ocupados por terceiros.
Apesar de não haver uma lista oficial desse patrimônio ocioso, parte é bem conhecida da população, casos do complexo da Maesa, e das antigas sedes do INSS, no bairro Cinquentenário, e da creche Crescer e Aprender, no Santa Lúcia Cohab. Recentemente, outros exemplos também foram mostrados pelo Pioneiro como a ex-sede da Associação de Moradores do Bairro (Amob) Cruzeiro e o prédio onde funcionava o Centro Educativo Esperança, no loteamento Aeroporto.
Segundo a prefeitura, o processo de ocupação da maioria dos locais que pertencem ao poder público e estão vazios está em andamento. O problema, no entanto, seriam "questões burocráticas", conforme afirmou o chefe de Gabinete, Júlio César Freitas.
Ele afirma, porém, que a falta de utilização dos prédios já em posse não impede o Executivo a dar andamento à retomada de imóveis cedidos a terceiros.
— Uma coisa não anula a outra. Não podemos fechar os olhos para as utilizações irregulares dos prédios públicos e, ao mesmo tempo, precisamos ocupar os que já nos pertencem de maneira estratégica, verificar o que comunidade precisa e se a estrutura física do local comporta essa demanda — explica.
Ainda assim, Freitas nega que haja prioridade pela desocupação dos imóveis "emprestados" e garante que há projetos para os imóveis já desocupados:
— Existem imóveis que não estão em funcionamento por questões legais, burocráticas ou financeiras, mas que estão sendo reparadas. Todos eles já têm estudos em andamento e a administração já tem destinação planejada.
Apesar disso, para boa parte dos prédios não há previsão de ocupação a curto prazo. Enquanto isso, as estruturas se tornam vulneráveis a problemas conhecidos como vandalismo e invasões, caso da Amob Cruzeiro, mostrada pelo Pioneiro no último dia 28 de setembro. O local fica junto à Praça Avelino Manoel Avrela, na Avenida Sirius.
Na ocasião, a Secretaria do Planejamento informou à reportagem que a intenção seria transferir para o espaço as atividades do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos Cruzeiro do Sol, entidade que já ocupou as instalações e atende a crianças e adolescentes no turno inverso ao da escola. No entanto, também não há nenhuma estimativa de quando isso irá ocorrer.
Reforma nunca terminou em escola no Santa Lúcia
De longe, a pintura relativamente recente engana. Mas basta se aproximar do terreno da Escola Infantil Crescer e Aprender, no bairro Santa Lúcia Cohab, para perceber a real situação do local. O cenário inclui um antigo gramado que virou um matagal, brinquedos velhos de difícil reutilização e restos de materiais de construção usados em uma reforma que nunca foi concluída. Como reflexo imediato do abandono, vizinhos notaram a proliferação de insetos no local e reclamam da sensação de insegurança constante:
— Desde que a obra foi abandonada, há quase um ano, é comum depararmos com infestações de baratas em casa. Sem contar que várias pessoas invadem o terreno (da escola) para usar drogas — comenta a auxiliar de expedição Elisane Teodoro Ferronatto, que mora em frente à antiga sede da instituição de ensino.
Segundo ela, a Guarda Municipal precisa ser acionada frequentemente para combater as invasões do espaço. Elisane cita ainda que, há alguns meses, uma caixa d'água estourou no terreno e alagou parte da área, situação que expõe outra preocupação: a formação de criadouros de mosquitos transmissores da dengue nos pontos de água parada.
Os transtornos vão além da questão de infraestrutura: o filho de Elisane, hoje com sete anos, foi uma das crianças prejudicadas pelo fechamento da escolinha Crescer e Aprender.
— Não tive culpa pela interdição mas, ainda assim, tive de pagar por cerca de quatro meses o transporte do meu filho até a escola que a prefeitura o remanejou — lamenta.
Até hoje, uma van — hoje custeada pelo poder público — busca e deixa alunos na frente da escola após o término de cada turno. Eles são levados e trazidos de dois prédios alugados pela prefeitura. Vale lembrar que um dos argumentos do poder público para a desocupação dos imóveis utilizados pelas Amobs é diminuir gastos com aluguéis.
A situação da Escola Crescer e Aprender, portanto, apresenta-se favorável para a administração deixar de pagar por espaços e adequar a estrutura já disponível para a retomada dos atendimentos no local.
ESCOLINHA CRESCER E APRENDER
:: Condições do imóvel: A área externa, que parece ter sido pintada recentemente, está repleta de lixo, há vegetação crescendo sem controle e o parquinho e os brinquedos estão deteriorados. As condições do interior não foram informadas à reportagem que não teve acesso às acomodações.
:: O que diz a prefeitura: Interditada em novembro de 2013 após danos causados por um temporal, a escola começou a receber reformas gerais na cobertura e nas instalações elétricas em fevereiro de 2015. A empresa responsável pelos trabalhos, entretanto, descumpriu o contrato e não se adequou mesmo após diversas notificações. Com isso, houve rescisão do contrato, cujo termo de encerramento foi publicado em fevereiro deste ano. A expectativa é que um novo edital para a retomada das obras seja lançado ainda em 2017.
De área educativa a ponto de consumo de drogas
A localização do antigo Centro Educativo Esperança, no loteamento Aeroporto, era propícia para atender ao propósito da entidade: oferecer atividades no contraturno das aulas para jovens pobres. A região, de grande vulnerabilidade social, possui um grande número de crianças, que circulam nas imediações, onde fica também a Escola Municipal Basílio Tcacenco.
Há mais de um ano, no entanto, o serviço foi encerrado porque o imóvel apresentava deficiências estruturais e o espaço acabou abandonado. Desde então, não houve notícia sobre a reocupação do espaço, que hoje apresenta os sinais de total desamparo. Gradeamentos violados e a sujeira visível espalhada indicam que a área sofre frequentes invasões, o que também é confirmado por quem trabalha no entorno.
— O fato de não estar ocupado e de ficar em uma região onde há pontos de tráfico torna o lugar alvo fácil para invasões e consumo de drogas — comenta a coordenadora do Centro de Convivência Paz e Bem, Patrícia Melotto.
A entidade, vizinha ao prédio, atende 50 idosos e foi implantada no antigo mercado Castilhos, em um imóvel da prefeitura que também estava abandonado e foi cedido à Legião Franciscana de Auxílio aos Necessitados (Lefan) para a manutenção do projeto social em parceria com a Fundação de Assistência Social (FAS).
Por já ter sido arrombado logo após a inauguração, possui cercamento de concertinas e uma empresa contratada para fazer o monitoramento à noite.
— Estávamos mobiliando ainda quando roubaram vários objetos do interior do prédio, desde botijão de gás até eletrodomésticos — revela Patrícia.
CENTRO EDUCATIVO ESPERANÇA
Condições do imóvel: Lixo espalhado pela área externa e sinais de violação para acesso ao espaço. O prédio está depredado e apresenta estrutura precária.
:: O que diz a FAS: De acordo com a presidente da Fundação de Assistência Social (FAS), Rosana Menegotto, há planos de reativar o Centro Esperança naquela região, embora ainda não haja certeza do local onde seria implantado novamente o serviço.
— Uma coisa está clara: não podemos utilizar aquela estrutura. Portanto, se quisermos usar a área, precisaremos antes demolir o prédio, porque ele não apresenta condições estruturais — explica.
Outro impedimento é a própria localização do imóvel, que é tecnicamente ilegal por não contar com autorização da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), necessária para lotes que ficam próximos a regiões aeroportuárias, como é o caso do terreno citado.
Caso seja descartado o terreno para uso devido à dificuldade em viabilizar a obra, a entidade deve ser instalada em uma área próxima.
Ocupação prestes a sair do papel
O mais simbólico dos prédios públicos que aguarda encaminhamentos para uso é o antigo complexo da Metalúrgica Abramo Eberle S.A (Maesa), localizado no bairro Exposição. Atualmente, uma metalúrgica ainda ocupa parte da estrutura, porém, mais de 70% do imóvel já está desocupado e foi devolvido ao município. O complexo da Maesa foi doado pelo governo do Estado em 2014, desde que o bem tivesse finalidade pública e cultural e fosse ocupado até 21 de dezembro deste ano.
O repasse simbolizou uma conquista a Caxias que há anos lutava para convencer o Estado a negociar o complexo. Apesar de toda a insistência, desde que foi oficialmente concedido, poucos avanços ocorreram em três anos. Duas comissões já foram formadas em dois governos (de Alceu Barbosa Velho e Daniel Guerra) para debater a utilização do espaço. Ainda assim, poucos avanços foram notados até então, embora a prefeitura garanta existir um cronograma oficial estabelecido para o início da ocupação.
MAESA
:: Condições do imóvel: Usado por uma indústria metalúrgica, o imóvel está bastante contaminado com poeira e resíduos de metal. Há necessidade também de restaurar portas, janelas e demais estruturas dos pavilhões. Por estar fechado há bastante tempo, também poderá ser necessário revisar a parte elétrica e hidráulica do complexo. No lado de fora, paredes e portões são alvo de pichações e falta de manutenção.
Conforme a prefeitura, foram providenciadas melhorias na rede elétrica, como cadastro e compra dos itens de entrada de energia no Grupo de Registro de Preços (GRP), adequação para encaixar poste (abertura de cava, entrega e acompanhamento da instalação do poste), além de realizadas ligações de energia pela RGE e linhas telefônicas.
:: O que diz a prefeitura: Entre outubro e novembro, está prevista a instalação de um posto de monitoramento 24 horas da Guarda Municipal e a transferência da Divisão de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (DIPAHC). Em 2018, a Secretaria de Segurança Pública e Proteção Social e a sede da Guarda Municipal serão remanejadas para o complexo. A médio e longo prazo, um grupo de trabalho, dividido em 10 áreas, prossegue estudos de ocupação do espaço. A comissão é formada pelos eixos: uso do prédio; história, memória acervo e educação patrimonial; artes visuais, arte e cultura; administração Maesa; teatro; mercado público; sustentabilidade ambiental; gestão sustentável do empreendimento; e impacto na vizinhança.
Ciclo vicioso de descaso e depredação
Há cerca de dois anos, a antiga sede do INSS e do Centro Especializado de Saúde (CES), no final da Rua Pinheiro Machado, no bairro Cinquentenário, era reconhecido reduto de drogadição e abrigo para moradores de rua.
Na época, o prédio apresentava danos por depredações praticadas desde 2011, quando o local foi abandonado, e causava apreensão aos moradores das imediações que tinham receio de sair de casa devido à insegurança. Além das invasões, a estrutura era alvo frequente de furtos e até foi alvo de um incêndio, em novembro de 2013.
A situação insustentável forçou a prefeitura a adotar medidas de segurança e proteção, como lacrar portas e janelas, o que, obviamente, não foi o suficiente para conter os invasores. Em abril deste ano, a Guarda Municipal encontrou cinco homens _ com antecedentes criminais _ nas dependências do local. A própria reportagem, na última semana, verificou a presença de uma pessoa circulando pelo espaço interno da estrutura.
Hoje, o local é a síntese do abandono. O matagal cresce livremente entre os dois prédios que interligam o complexo, há montanhas de lixo ocupando as salas no primeiro piso e no térreo e, apesar do cercamento, vários pontos estão visivelmente vulneráveis.
E o descaso deve prosseguir por alguns anos. A prefeitura estima ser inviável a ocupação do espaço nos próximos dois anos, embora haja prazo de ocupação do imóvel em dois anos a contar de fevereiro de 2017, quando houve a cedência da área por parte do governo federal. A administração deve, entretanto, pedir prorrogação dessa data.
A demora destoa do discurso de tornar prioritária a utilização do espaço, conforme afirmou o prefeito Daniel Guerra (PRB) em janeiro, durante visita ao espaço. Situação semelhante foi verificada também no governo de Alceu Barbosa Velho (PDT): durante a campanha eleitoral, em 2011, o pedetista prometia instalar no local um hospital materno-infantil. Posteriormente, a decisão mudou, e o serviço foi anunciado para ser implantado no Hospital Geral, o que também não foi concretizado.
ANTIGO INSS
:: Condições do imóvel: Lixo espalhado pelas salas e corredores, pichações, infiltrações e itens da estrutura _ fiação e materiais _ subtraídos por furtos.
:: O que diz a prefeitura: Serão transferidas para o complexo a unidade básica de saúde (UBS) Cinquentenário, a Vigilância Ambiental e a sede administrativa da Fundação de Assistência Social (FAS). A secretaria do Planejamento está elaborando uma licitação para selecionar uma empresa que fará a análise estrutural do prédio, verificando as condições atuais da estrutura.
UBS do Cristo Redentor pronta, mas com portas fechadas
Embora não esteja abandonada, ainda há dúvidas sobre a ocupação e abertura da unidade básica de saúde (UBS) no bairro Cristo Redentor, situação mostrada pelo Pioneiro no dia 28 de julho deste ano do Pioneiro. A estrutura física está pronta desde janeiro, de acordo com moradores da comunidade. Porém, devido à falta de mobiliário e equipamentos, a UBS segue fechada desde então.
Mais de dois meses após a reportagem, somente uma coisa mudou: a expectativa de abertura foi adiada. Em julho, a prefeitura informou que a estimativa era abrir as portas em dezembro. Entretanto, em entrevista recentemente ao Pioneiro, o prefeito Daniel Guerra salientou que a inauguração deve ficar para 2018. Diferentemente do alegado pela comunidade, o chefe do Executivo disse que a estrutura só foi entregue de fato em julho, o que reduziria o tempo de espera pelo início do serviço.