Padre João Schiavo se tornará beato no próximo sábado diante de um povo que acredita na força da sua fé. O religioso veio da Itália para trabalhar nas obras da Congregação dos Josefinos de Murialdo em Ana Rech, e adotou Caxias do Sul como lar nos seus últimos 36 anos de vida. É possível conhecer parte de sua história com obras que mudaram a realidade da sociedade na época e que, mesmo depois de tanto tempo, ainda deixam rastros de solidariedade e esperança. Incentivador da educação, formação sacerdotal e da transformação de crianças e adolescentes em cidadãos responsáveis, padre Schiavo é reconhecido por transformar palavras de fé em ações sociais. "Se é verdadeiramente obra de Deus, ela irá adiante, comigo ou sem mim", costumava dizer.
Schiavo deixou marcas importantes nas comunidades de Ana Rech, Galópolis e Fazenda Souza e na área urbana de Caxias. Foi o primeiro mestre de noviços da missão Josefina no Brasil. Além de uma fila imensa de devotos que atribuem ao padre a intercessão por graças alcançadas, há também uma lista expressiva de ações desempenhadas pelo sacerdote cujo túmulo é local de peregrinação diária em Fazenda Souza.
A fundação de duas escolas, um seminário que formava padres, um noviciado, uma congregação de irmãs e um orfanato são alguns exemplos da articulação poderosa que o aproximava de famílias carentes ou empresários abastados. Milhares de cidadãos foram beneficiados pelas iniciativas do sacerdote josefino. Pessoas ligadas a ele recordam seu espírito educador, que não costumava desistir de iniciativas voltadas à formação de cidadãos.
— O estudo que ele organizava era muito exigente, e o padre Schiavo era uma pessoa tremendamente respeitada. Ele passava credibilidade entre os alunos — lembra o advogado Ambrósio Luiz Bonalume, 71 anos, presidente da Fundação Universidade de Caxias do Sul (Fucs) e ex-aluno do Colégio Murialdo Ana Rech.
O interesse de Schiavo pela educação foi atestado por Abrelino Vazatta, 87, delegado de ensino de Caxias do Sul na década de 1960. O comprometimento com crianças e adolescentes era contagiante aos demais profissionais que trabalhavam próximo do religioso:
— Não somente na escola rural, mas em todas as escolas que ele poderia iniciar ou incentivar algo diferente, ele agia. Ele era uma pessoa simples, de muita ação e de uma profundidade espiritual muito grande — define Vazatta, ex-reitor da UCS e integrante do Conselho Administrativo do Fátima Saúde.
O esforço do padre em formar cidadãos comprometidos com a sociedade parece ter rendido bons frutos. É o que garante o médico Daniel Parisotto, 85, ex-aluno do Seminário Josefino de Fazenda Souza. Estudo, oração e trabalho eram os ingredientes que alimentavam Parisotto _ na época, com 14 anos _ e outros alunos do seminário. A admiração que a turma nutria pelo mestre era vista a cada chegada dele. Tudo se tornava uma festa, conta o médico.
— Ele nos pedia para confiar na Bíblia e na providência divina. Quando ele fazia a consagração, ele praticamente flutuava, desaparecia no altar, tamanha sua devoção. Um encanto de pessoa que nos estimulava a religiosidade e o respeito mútuo — afirma.
Vocação lado a lado com educação
A vocação de educador não era voltada somente a crianças pobres ou alunos que desejavam se tornar professores. Padre João Schiavo idealizou e fundou, em 1941, o Seminário Josefino de Fazenda Souza para jovens que desejavam ser padres. Hoje, o espaço não funciona mais como um seminário: foi transformado em um centro de eventos, que oferta hospedagem e sedia retiros e seminários.
Também foi entusiasta e um dos criadores da Congregação das Irmãs Murialdinas de São José, fruto de um trabalho de reflexão e diálogo com a comunidade. Ele iniciou a preparação do atendimento em 1952 e o implantou, de fato, em 1954, sob orientação do fundador do movimento pelo mundo, padre Luiggi Casaril.
Não suficiente, seguiu na vocação de educador e fundou o Colégio Santa Maria Goretti das Irmãs Murialdinas, também em Fazenda Souza, em 1958. Devido a dificuldades financeiras, o prédio foi alugado para a Escola Municipal Padre João Schiavo, e a Escola Santa Maria Goretti acabou transferida para a área urbana, abrindo a primeira turma de alunos em1999. Desde então, funciona no bairro Madureira.
Outro trabalho ligado ao beato em Caxias está a Casa de Noviciado dos Josefinos, da qual foi diretor. O prédio de alvenaria onde funcionou a casa até meados da década de 1950 hoje não existe mais. Ele ficava bem em frente à capela de Nossa Senhora da Conceição, em Conceição da Linha Feijó.
ESCOLA NORMAL RURAL (1942)
A abertura da Escola Normal Rural Murialdo de Ana Rech em parceria com o Estado só foi possível graças ao trabalho do padre João Schiavo, entusiasta e criador da instituição. Nesta instituição, os alunos se tornavam professores rurais e tinham vagas garantidas para lecionar em escolas estaduais após a conclusão do curso. O formato durou até próximo da década de 1970 e estima-se que mais de 700 alunos tenham se tornado professores. O principal objetivo e o diferencial desta escola era levar, além de disciplinas convencionais, noções avançadas de agricultura, pecuária e fruticultura. O espaço não poderia ser mais adequado, já que os alunos dispunham de plantações e criação de animais para praticar seus conhecimentos. Entre a leva de estudantes da época está o aposentado Valter Antônio Susin. Ele frequentou a instituição de 1947 a 1951, e se orgulha de lembrar a data da formatura do ensino regular, celebrada em 8 de dezembro de 1951. O diploma assinado com a letra curvilínea do padre João Schiavo é guardado com cuidado pelo aposentado até hoje.
— Nós trabalhávamos em três hectares de terra. Logo que conclui o ensino regular, fui nomeado para trabalhar em uma área indígena em Passo Fundo e, depois, em General Câmara. Naquela época, o professor era muito valorizado, tínhamos até moradia nas escolas. Foi uma época maravilhosa — recorda Susin.
No mesmo ano, Schiavo fundou a Associação das Mães Apostólicas com o intuito de semear apoio e oração para a perseverança dos seminaristas.
ABRIGO DE MENORES SÃO JOSÉ (1947)
Crianças órfãs e em situação de vulnerabilidade eram prioridade nas obras de Schiavo. O empenho em tornar menos árdua a realidade dessas crianças foi possível graças ao Abrigo de Menores São José, fundado em 1947. O nome da instituição teria sido uma homenagem ao bispo Dom José Barea.
A ideia do abrigo surgiu no mesmo ano em que Schiavo assumiu a direção do abrigo de menores em Pelotas. No retorno a Caxias, ele se encontrou com o então presidente da Sociedade Caxiense de Auxílio aos Necessitados, a Scan, Euzébio Beltrão de Queiroz. No encontro, Schiavo aceitou a oferta de instalar um serviço em um terreno da Scan, doado pelo Exército. O abrigo funcionaria em um prédio do antigo Tiro de Guerra, uma subunidade do Exército.
A entidade funcionou no formato de internato, semi-internato e externato e atendeu somente meninos. Houve época em que mais de 100 crianças eram atendidas. Os alunos eram, na maioria, órfãos ou crianças cujas famílias não poderiam oferecer uma criação digna. Não eram beneficiadas somente crianças de Caxias do Sul, mas também de Flores da Cunha, Antônio Prado, Bento Gonçalves, Veranópolis, Nova Prata, Farroupilha, São Francisco de Paula e Canela. Também passaram a ser atendidos guris de Porto Alegre e da Região Metropolitana.
— Eles tinham de sete a 16 anos. Muitos vinham de famílias despedaçadas e, além de frequentarem escola, ficavam envolvidos em atividades voltadas à profissionalização. Chegaram até a empalhar garrafões de vinho. Era a forma que eles tinham para receber mesada — lembra-se o provincial do Josefinos de Murialdo, padre Antonio Lauri de Souza, que chegou a trabalhar no serviço.
Além da vimeria, arte de trançar com vimes, os alunos puderam desempenhar atividades na gráfica Murialdo. Com a tipografia, muitos se formavam no abrigo e seguiam atuando na encadernação, talonagem e impressão. Também figuraram entre as atividades a marcenaria, a fabricação de vidros e a confecção de escovas para o polimento de peças. Depois de 31 anos de funcionamento, o serviço, que já se chamava Centro Técnico Social, deixou de funcionar no formato de internato.
— Com o passar do tempo, o formato foi pedagogicamente questionado. Falava-se que até a pior família era mais útil do que o melhor abrigo. Mas ajudou muitas crianças, e graças ao padre Schiavo, que acompanhava tudo de perto — afirma Souza.
O EVENTO DE BEATIFICAÇÃO
:: A cerimônia de beatificação ocorrerá nos Pavilhões da Festa da Uva no próximo sábado, às 10h.
:: A abertura dos portões será às 8h.
:: O evento contará com a presença do representante do papa Francisco, o cardeal Angelo Amato.
:: Haverá venda de lanches e água no local.
:: O estacionamento será pago e custará R$ 25 (ônibus) e R$ 10 (carro).