Por trás da animação de prendas e peões, o Acampamento Farroupilha de Caxias do Sul esconde uma preocupação generalizada. Ao passar de rancho em rancho pelos Pavilhões da Festa da Uva, a conversa que mais rende entre os gaudérios é a sobrevivência da tradição.
— O pessoal vai parar de vir — acredita o caminhoneiro aposentado Moacir Marafiga Silva, 51, resumindo a preocupação dos tradicionalistas.
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Marafiga, acampado desde quarta-feira, é o típico gaúcho. Vive pelas tradições – alegra-se ao mostrar sua corda de crina de cavalo feita à mão –, preza por sua independência e o respeito às regras. Essa desesperança, misturada com a nostalgia de um passado idealizado é indissociável do tradicionalismo. O movimento, afinal, tem o objetivo de preservar uma cultura oriunda de tempos antigos, época considerada mais heroica, feliz e, às vezes, confortavelmente simples.
Mas a inquietação de Marafiga e seus vizinhos de acampamento não pode ser explicada somente como parte de seu modo de ser. Ele tem preocupações objetivas, como o menor movimento no acampamento em relação a anos anteriores.
Para o caminhoneiro, as razões para a diminuição da participação nos festejos passam pela crise econômica, falta de apoio institucional e poucas ações com a juventude.
— Se viesse uma escola aqui, eu parava tudo para explicar a eles o que se usa para cavalgar, os itens típicos do gaúcho. Isso é algo que vai se perder — afirma.
Essa é a segunda edição da Semana Farroupilha que não conta com apoio do poder público na cidade. De acordo com o coordenador da 25ª Região Tradicionalista, Rodrigo Ramos, este é um momento de ajuste para o tradicionalismo:
— Mudanças são difíceis, mas temos de aprender a caminhar com as próprias pernas.
Aposta nos jovens
De acordo com Stela Costa, integrante do Departamento Cultural da 25ª Região Tradicionalista, o objetivo principal da Semana Farroupilha é atrair ao movimento pessoas que não fazem parte desse universo. Neste ano, uma das frentes de ação é levar alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental até os Pavilhões para uma aula de cultura gaúcha.
— Nas crianças que não têm conhecimento sobre a tradição, a gente percebe um brilho nos olhos quando apresenta tudo a eles. Mas, infelizmente, não temos pernas para ver como isso é tratado depois — analisa.
Para Stela, a passagem de valores às crianças é o objetivo central no resgate das tradições.
— Por trás da tradição, há o respeito, a valorização das pessoas mais velhas. Se percebe bastante a diferença das crianças que trabalham com esse tipo de cultura. Fazemos isso para que no futuro as pessoas continuem acampando aqui na Semana Farroupilha — defende.
Costumes renascem no laço
Apesar dos relatos sobre o movimento menor e estrutura reduzida, há um tópico que anima o acampamento: a programação campeira. Lucas Bareta, 23 anos, passará toda Semana Farroupilha nos Pavilhões. A “desculpa” para reunir amigos e familiares é acompanhar o primo Vinícius dos Santos Soares, 14, que participa da prova de laço no fim de semana. Nas competições, Bareta reúne a torcida e, indiretamente, ajuda a manter as tradições.
– A estrutura aqui (nos Pavilhões) deixa a desejar, mas nós sempre continuamos – reforça.
A nova geração está bem representada no CTG Pampa do Rio Grande, de Caxias. Gabriel, oito, vai participar de três provas de laço neste fim de semana: duas sozinho e uma com o pai, o metalúrgico Ricardo Cardoso, 30, patrão do CTG. Para Gabriel, que anda a cavalo desde os cinco anos, participar dos eventos tradicionalistas é pura diversão.
De acordo com Cardoso, é possível manter as tradições trabalhando em família:
– Vem do apoio dos pais. Hoje (sexta-feira), ele (Gabriel) até brigou com a mãe para faltar à escola e ver a competição de laço. É o que ele gosta – relata.
Para os mais experientes, como João Cândido da Silva, 72, que compete na modalidade de laço vaqueano (a partir de 70 anos), o evento atraiu menos gente por falta de apoio do poder público. Silva acampa durante os festejos há 20 anos, sempre acompanhado da mulher, Marlene Pereira.
– Torço para que continue, pelo lado da formação que a tradição tem. Traremos os filhos e netos até quando conseguir acompanhar – diz Marlene.
"É bom demais", diz laçadora
Maristela de Oliveira Machado, 35 anos, é uma das poucas pessoas que foi atraída para o tradicionalismo já adulta. Natural de Santa Catarina, ela se mudou para
Caxias do Sul com o marido e, há três anos, o acompanha nos eventos gaúchos. Foi só há um ano, porém, que foi puxada para o CTG.
– Meu marido estava competindo num rodeio e se machucou. Eu não sabia nem andar a cavalo direito, mas fui e lacei no lugar dele – lembra.
No lugar de medo, ela sente só a excitação do momento.
– Quando chamam o teu nome, chega a dar um frio na barriga, não sei nem explicar. É bom demais.
Maristela vai participar da prova de laço no domingo, em uma equipe só de mulheres, montada no cavalo Pé de Pano. Na torcida, o cachorro Lupi a acompanha.
– Se deixá-lo sozinho, ele fica doente – brinca.