Depois de uma luta de quase duas décadas para ver construída uma unidade básica de saúde (UBS), a comunidade do bairro Cristo Redentor, em Caxias do Sul, agora enfrenta outra batalha: a estrutura está pronta há seis meses, mas a prefeitura não abriu o postinho porque alega falta de móveis e equipamentos. A expectativa é de que o serviço somente receba pacientes a partir de dezembro, ou seja, quase um ano depois da conclusão das obras. A UBS foi aprovada como prioridade ainda no Orçamento Comunitário de 2009.
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A situação não somente revolta e entristece os moradores, como também os obriga a buscar atendimento em UBSs do outro lado da BR-116, rodovia mais perigosa do trecho urbano de Caxias. Desde meados dos anos 2000, pacientes do Cristo Redentor precisam enfrentar os perigos de atravessar a estrada para conseguir consultas em outros postinho da zona leste, como os do Bela Vista e do Planalto. Somado ao deslocamento perigoso, os mais de 13 mil moradores que dependem da nova UBS são sempre colocados na fila de espera, já que, teoricamente, não têm prioridade no atendimento por serem de outra região.
– Batalhamos, organizamos diversas reuniões para captar recursos, cobramos das autoridades, tudo para conseguir a construção da UBS Cristo Redentor. Agora, depois de aprovada e finalizada a obra, a prefeitura não abre as portas. É como se o sonho estivesse virando um pesadelo, um drama sem fim – lamenta o aposentado Pedro Ramon, 68 anos, que mora no bairro desde 1965, quando a região ainda era conhecida como Boa Vista.
Moradora do bairro Cristo Redentor há cinco décadas, Vera Rech, 57 anos, acompanha semanalmente o pai, Silvino Rech, 88, até a UBS Cristo Operário, no Planalto, distante cerca de 1,5 quilômetro da casa onde vivem. Como ele toma remédios controlados, precisa de acompanhamento e, por isso, atravessar a BR-116 se tornou rotina. Se a nova unidade estivesse com as portas abertas, além de não precisar driblar os veículos da rodovia federal, seu Rech precisaria andar poucas quadras.
– O pai tem apenas 30% da visão, então, é impossível deixar ele ir sozinho de casa até o outro lado da estrada. Sem contar que já aconteceu de chegarmos à UBS e não conseguirmos consulta porque já não tinha mais ficha. Toda vez que precisamos ir atrás de médico no posto, temos de contar com a sorte. Só que com a saúde não se brinca – reclama Vera.
Da alegria e comemoração do início das obras, em 2015, agora o que se vê entre os moradores do Cristo Redentor e também loteamentos próximos como o Vila Ipiranga e o Flor da Serra, que também seriam beneficiados pela nova UBS, é um misto de angustia e decepção.
– A gente que acompanhou a luta de perto se sente enganado. Sonhamos com a construção do nosso postinho e agora que ele está aí, pronto, não temos atendimento. Será que falta o quê? Sensibilidade com a dor das pessoas ou boa vontade? – questiona Ivete Camassola, 60.
De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde, a chave da UBS Cristo Redentor foi entregue nesta semana. A partir de agora, será aberto o processo de licitação da compra dos móveis e equipamentos, o que deve levar pelo menos quatro meses para ser concluído.
Dois quilômetros até a UBS mais próxima
Com problemas na coluna, o aposentado Pedro Roberto Busellato, 62 anos, percorre cerca de dois quilômetros para conseguir atendimento médico. Morador do bairro Cristo Redentor há quase 40 anos, o idoso precisa enfrentar a BR-116 sempre que necessita de uma consulta ou renovar as receitas de medicamentos contínuos. Ontem, a convite do Pioneiro, o aposentado fez a travessia: o trajeto da casa de Busellato até a UBS Bela Vista, unidade para qual ele foi direcionado, inclui subidas, descidas, trechos de paralelepípedo, além, é claro, do perigo de atravessar a rodovia. São entre 10 e 15 minutos somente para cruzar de um lado a outro da estrada e, quando se acha uma brecha no fluxo de veículos, é preciso acelerar o passo para não ser atropelado.
– Para fazer todo o percurso eu demoro uns 40 minutos ou mais. Já teve vezes que sai de casa pelas 6h da manhã e quando cheguei à UBS não tinha mais vaga para eu consultar, porque são oferecidas 10 fichas por dia. Já tive que gastar com médico particular para não ficar sem meus remédios – afirma.
Assim como Busellato, outras centenas de pessoas com mais de 60 anos enfrentam a mesma situação há anos: o bairro Cristo Redentor concentra 40% da população idosa de Caxias e nunca teve um posto de saúde próprio.
– Quando a UBS começou a ser construída, foi uma alegria enorme para nós. A gente não pode perder a esperança, mas é triste ver um patrimônio público tão difícil de conquistar e que agora está fechado e sem data para abrir – lamenta o idoso.
Moradores de loteamentos próximos do Cristo Redentor, como o Vila Ipiranga, por exemplo, também deveriam receber atendimento na nova UBS.
A ESTRUTURA
Conforme a Secretaria da Saúde, a UBS Cristo Redentor tem 366 m² distribuídos em uma sala de grupo, uma sala de observação, um consultório ginecológico, dois consultórios odontológicos, cinco consultórios multiprofissionais (podem ser usados por pediatras, médicos clínicos, assistentes sociais e enfermagem), uma sala de vacinas, farmácia, recepção, sala de gerência, almoxarifado, copa, sala de lavagem e esterilização de materiais, depósito de materiais de limpeza e sanitários. A formação da equipe de trabalho ainda está em estudo.