Descrito pela primeira vez em 1943 nos Estados Unidos pelo austríaco Leo Kanner, o autismo, apesar de não ser uma novidade na medicina, ainda é cercado de mistério, falta de informação e preconceito. Classificadas por muitas pessoas como mal-educadas, rebeldes e desrespeitosas, as crianças que nascem dentro do Transtorno Global do Desenvolvimento, também chamado de Transtorno do Espectro Autista, costumam sofrer com uma exclusão progressiva que as isolam da sociedade.
É para mudar esta realidade que a Organização das Nações Unidas (ONU) criou, em 2007, o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado neste domingo, 2 de abril. Em Caxias do Sul, o local escolhido é o Parque dos Macaquinhos, onde haverá um piquenique com shows e palestras. Uma psicóloga estará presente para tirar dúvidas e orientar a população.
Segundo a Coordenadoria de Acessibilidade do município, a estimativa é que 1% da população de Caxias esteja dentro do espectro autista – cerca de 5 mil pessoas. Mesmo assim, a estrutura para atendê-las está longe de ser satisfatória.
– Falta muito por aqui. Os monitores das escolas não são capacitados, de maneira geral, pois a exigência é que tenham 18 anos e o Ensino Médio concluído. Para lidar com um autista, é preciso se especializar – afirma o presidente da Associação de Amigos do Autista (AMA) de Caxias, Manuel Fernando Palhano.
A entidade é a mais antiga no país a lidar com o transtorno e foi criada na década de 1980. Em Caxias do Sul, seus membros encontram-se no último sábado de cada mês, às 14h, embaixo da Casa Paroquial da Igreja Santa Catarina. Eles oferecem um primeiro atendimento a pais que estão descobrindo que seus filhos têm autismo. Quanto mais precoce for o diagnóstico, mais condições as crianças têm de se desenvolverem.
De acordo com Palhano, um dos maiores problemas hoje na cidade é o despreparo nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e no Pronto Atendimento 24 horas, que, aliado à negligência escolar, compõem um quadro de vácuo na educação e saúde pública para tratar o tema:
– Nos postinhos, a maioria dos atendentes não sabe da prioridade que os autistas merecem. Eles têm limitações de prazo e intolerância a barulho. Se passar do ponto e vier uma crise, médico nenhum conseguirá conter a criança e examiná-la, por exemplo.
A Coordenadoria de Acessibilidade de Caxias reconhece as dificuldades e diz que investirá neste ano em treinamento de monitores – atualmente, são 200. Uma licitação para a contratação de novos profissionais está prevista para o primeiro semestre.
– Os professores se esforçam, mas temos de trabalhar formações continuadas. A inclusão é fundamental para todos e somos preocupados com isso. A população tem de respeitar as diferenças e as pessoas com autismo não podem ficar escondidas em casa – entende o presidente do órgão, Tibiriçá Vianna Maineri.
Terapia na água que cura e desenvolve
Em uma piscina aquecida a 37ºC no Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), o menino Miguel Vieira (foto acima), 6 anos, sob a supervisão da professora Luzia Simioni, aprende a lavar as mãos, escovar os dentes, comer e se ensaboar. Ele é um dos pacientes do programa de extensão em Terapia Ocupacional Aquática da instituição, criado no final de 2014 para auxiliar no desenvolvimento de crianças com autismo e lesões do sistema nervoso central.
Pioneiro na região, o tratamento é complementado por atividades no solo _ ou seja, o que é aprendido dentro d'água, é praticado no cotidiano. As atividades incluem relaxamento _ importante contra ansiedade natural dos autistas –, estímulo à coordenação motora, fortalecimento muscular global e sociabilidade.
– Conseguimos trabalhar também questões de frustração, limites e regras. Para o autismo, é fundamental a intervenção nisso desde cedo, e a água ajuda pelas suas propriedades – comenta a idealizadora do projeto, professora Carolina Py de Castro.
Segundo ela, são 10 matriculados neste semestre. Há lista de espera. Para a mãe de Miguel, em oito meses os avanços são notáveis:
– Mudou 200%. Ele não falava, não escovava os dentes, não comia sozinho, não colocava as roupas. Hoje, ele diz que é homem grande e vai fazer. O desafio agora é a alfabetização. Queremos que ele leia e escreva, não importa em quanto tempo _ relata Márcia Vieira, 36 anos.
O diagnóstico do menino foi dado há dois anos, quando a família procurou um neurologista depois que sintomas como ausência de diálogo e comportamentos repetitivos começaram a se acentuar. Ao mesmo tempo que batalha pelo desenvolvimento do menino, Márcia pede que os pais das crianças "normais" eduquem seus filhos para conviverem com o diferente:
– Dói o coração ver ele ser excluído das brincadeiras na escola e perceber que os coleguinhas o evitam porque não sabem o que ele tem.
"Você não dá mais importância para coisas pequenas"
Uma das principais ativistas pela inclusão dos autistas em Caxias do Sul defende a construção de um centro de atendimento específico na cidade para o tratamento de crianças e adolescentes com o transtorno. Professora na escola Laurindo Formolo, a pedagoga Ana Paula Pacheco (foto acima), 38 anos, convive diariamente com as limitações impostas pela falta de preparação dos educadores.
Na turma dela, há uma menina autista. Graças à própria experiência de vida – Ana tem um filho com autismo –, ela pode mostrar às demais crianças como se lida com alguém especial. Porém, ela tem consciência de que se trata de uma exceção:
– A gente mendiga compaixão muitas vezes. Precisamos da compreensão da população. Estamos caminhando em passos muito lentos.
Ana Paula, que faz parte de um grupo de mães que promove campanhas nas redes sociais e em eventos como o deste final de semana, já passou por situações constrangedoras com o filho, Ângelo, em locais como restaurantes e postos de saúde.
Mesmo assim, não deixa de encarar as adversidades com um sorriso no rosto e uma atitude positiva. Ela espera que a sua luta sirva de exemplo para as novas gerações e diz estar disposta a encarar o preconceito, não importa se esteja "na felicidade ou no caos":
– Me transformei numa pessoa bem melhor. Você não dá mais importância para coisas pequenas. Ele (Ângelo) me traz coragem, força e resiliência, e me arremessa a erguer a bandeira da inclusão. Todo mundo tem os mesmos direitos e vou honrar essa missão até o fim.
Neste domingo, Ana Paula diz que estará no Parque dos Macaquinhos disposta a ajudar todos os pais e mães que estão angustiados ou sofrendo com as dúvidas que cercam o autismo:
– Somos uma família muito unida. Eles são um grande presente para nós, como ser humano.
O que é o autismo
O Transtorno Global do Desenvolvimento, também chamado de Transtorno do Espectro Autista (TEA), é caracterizado por alterações significativas no comportamento, na interação social e na comunicação que, se não tratadas, levam as crianças a importantes dificuldades para coisas simples, como caminhar, falar e fazer as necessidades básicas. Os sintomas aparecem antes dos três anos de idade e, em alguns casos, nos primeiros meses de vida.
Os tipos mais conhecidos, além do Autismo infantil, são a Síndrome de Asperger (autismo de alto desempenho, onde a inteligência e a fala estão preservadas, apesar das dificuldades sociais) e a Síndrome de Rett (de origem genética claramente identificada, pode levar a uma deficiência intelectual grave, ocorrendo quase sempre em crianças do sexo feminino).
As causas ainda não são claramente identificadas pela medicina e atingem principalmente os meninos. As pessoas com TEA, na maioria, têm necessidades especiais durante toda a vida e precisam ser assistidas por outras. Não há medicamentos específicos para autismo, mas alguns remédios podem ser receitados quando há outras doenças associadas, como epilepsia e hiperatividade. Os tratamentos, segundo os médicos, têm de ser realizados por equipes multidisciplinares e não são padronizados, já que a intensidade do TEA varia entre cada criança.
Fonte: Associação Brasileira de Autismo