Uma das principais suspeitas de integrar uma organização criminosa liderada por fiscais agropecuários e empresários do agronegócio recebeu um apartamento em Gramado por ter favorecido a BRF Brasil, segundo a Polícia Federal (PF). Maria do Rocio Nascimento, chefe do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa) do Paraná, foi procurada nesta sexta-feira pela PF no município da Serra Gaúcha, mas não foi localizada. O imóvel estava vazio.
De acordo com a investigação, as superintendências regionais do Ministério da Pesca e Agricultura (Mapa) no Paraná, em Minas Gerais e em Goiás atuavam diretamente para proteger grupos empresariais. A "Carne Fraca", considerada a maior operação já realizada pela PF, reuniu 1,1 mil policiais e 309 mandados judiciais, incluindo 27 de prisão preventiva, 11 de prisão temporária, 77 de condução coercitiva e 194 de busca e apreensão nas casas e nos locais de trabalho dos investigados das maiores empresas do setor frigorífico do país, como a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, e a JBS, dona da Friboi e da Seara.
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Agentes públicos usavam o cargo de fiscalização para facilitar a produção de alimentos adulterados, emitindo certificados sanitários sem realizar a fiscalização efetiva. Em troca, recebiam pagamento de propina para liberar os produtos em más condições. Entre as irregularidades apuradas está a remoção de servidores com desvio de finalidade para atender interesses de grupos empresariais. A ação permitia a continuidade das fraudes pelos frigoríficos e pelas empresas do ramo alimentício que operavam em desrespeito à legislação.
Enquanto chefe do Serviço de Inspeção no Paraná, Maria do Rocio Nascimento, aponta a PF, recebeu um apartamento em Gramado "em razão de irregularidades praticadas no interesse da empresa BRF". O imóvel estaria registrado em nome de Célia Regina do Nascimento, irmã da acusada.
"O Relatório SPEI nº PR20160047 da RFB revelou que em 2012, a movimentação financeira de Célia Regina superou os rendimentos em 40% aproximadamente. Em 2006, adquiriu imóvel na cidade de Gramado, declarado apenas em 2012; em 19/11/2013 adquiriu imóvel em Curitiba, ao lado do apartamento de Maria do Rocio, também não declarado à Receita Federal", assinala a Polícia Federal.
– Era um imóvel que ela mantinha para férias, veraneio ou algo semelhante. Ninguém foi encontrado lá – relata o delegado Sebaldo Alves de Oliveira.
A Polícia Federal também fez buscas na casa de um segundo suspeito na Serra, de Bento Gonçalves. Após falar com o homem, porém, a PF concluiu que se tratava de um homônimo – pessoa de mesmo nome – e descartou o envolvimento dele com a fraude.
Alimentos podres e uso de produtos cancerígenos
Carne vencida, armazenada em temperaturas inadequadas, sem inspeção e com uso de produtos cancerígenos ou em excesso com objetivo de ocultar as características que deveriam impedir o consumo. Essa é a conclusão a que chegou a investigação de quase dois anos da PF.
Na conclusão do juiz federal Marcos Josegrei da Silva, todas as empresas investigadas cometeram ao menos uma das irregularidades apontadas acima. "Parece realismo mágico. Infelizmente, não é", escreveu o magistrado.
No frigorífico Peccin, do Paraná, por exemplo, a investigação atestou, entre diversas irregularidades, a utilização de quantidades de carne muito menor do que a necessária na produção de seus produtos, que eram complementados com outras substâncias, e a utilização de carnes estragadas na composição de salsichas e linguiças.
Conforme o juiz, a "maquiagem" dos alimentos podres era feita com ácido ascórbico, substância cancerígena cujo efeito é a melhora da cor e o aspecto de alimentos impróprios. Na mesma empresa, uma escuta telefônica confirmou que era utilizada carne de cabeça de porco na composição de embutidos. Mesmo cientes de que isso é proibido, um funcionário ordena a compra de duas toneladas do produto para a fabricação de linguiças.
Há ainda, flagrante de trocas de etiquetas nas carnes, para alterar a validade, e enxerto de papelão no frango. Em mais de momento no despacho, o juiz cita casos de salmonela, bactéria que causa infecção intestinal graves, envolvendo a BRF. Além da direção saber da contaminação e negociar a liberação de frigoríficos com servidores, a empresa teve uma carga barrada em um porto da Itália, porque a bactéria foi identificada em pelo menos quatro contêineres. A planta da empresa, porém, continua em operação, segundo a PF, por interferência ilícita de fiscais do Ministério da Agricultura, que recebiam propina da empresa.