Com a justificativa de organizar os gastos, medidas tomadas pela Secretaria da Saúde de Bento Gonçalves estão dificultando ainda mais o acesso da população a atendimento médico pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Pelo menos quatro das 25 unidades básicas de saúde (UBSs) do município passaram a operar com horários reduzidos, preocupando que já estava habituado a se consultar perto de casa. Além das que passaram a trabalhar horas a menos, uma das UBSs fechou portas há quase um mês. A secretaria afirma que as medidas são provisórias e devem seguir até as vésperas do mês de maio, quando uma nova licitação para contratar servidores terceirizados será oficializada.
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– Teríamos um déficit de R$ 8 milhões caso não segurássemos as contas. Isso tudo acontece em decorrência da crise que o país vive. Nós não temos como chamar um funcionário novo agora para, talvez em dois, três meses, termos de desligá-lo – explica o titular da Secretaria de Saúde, Diogo Siqueira.
Os bairros atingidos com os cortes são Cohab, Maria Goretti, São Pedro, São Roque e Progresso, onde fica o Espaço de Saúde do Idoso. No Maria Goretti, as consultas ocorrem em duas manhãs. Em São Pedro, a unidade está temporariamente fechada. No Progresso, não há mais atendimento médico.Na Cohab, não há mais médicos atendendo desde o começo do mês. A manhã da última terça-feira, por exemplo, foi de muito movimento e procura por consultas. A servente Lucia de Melo Ramos, 53, ficou preocupada com a situação:
– É triste se precisarmos mesmo ir até o Centro para termos consulta. Aqui temos muita atenção do pessoal, é perto, é rápido. Parece que estamos voltando no tempo –diz.
Essa não é a primeira tensão ocasionada pelas dificuldades econômicas da secretaria a respingar na comunidade. No fim do ano passado, 150 funcionários terceirizados que atuavam nas UBSs e na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) entraram em greve por não receber o salário referente ao mês de novembro. Também houve falta de, pelo menos, 150 medicamentos por alguns meses. A situação só foi normalizada em fevereiro, após a compra de remédios pela prefeitura. Todos os entraves foram ocasionados pela mesma razão: falta de verbas.
– O que posso dizer para a população é que não vai ficar assim, desta maneira. Mas também não vai mais ser igual como antes. Em épocas de vacas gordas, a gente amplia o atendimento. Mas não adianta criar expectativas para a comunidade. A tendência é de cortes – adianta Diogo.
Idosos querem seu espaço de volta
A comunidade do bairro Progresso está organizada para garantir que o atendimento médico no Espaço de Saúde do Idoso não seja extinto. O assunto na vizinhança não pode ser outro: usuários do serviço circulam com um abaixo-assinado, alguns já acionaram vereadores, e outros pedem uma audiência com o secretário da Saúde. A justificativa é boa: inaugurado desde 2012, o serviço no local é muito mais do que apenas uma UBS. Ali, os idosos podiam consultar com mais rapidez do que em outros pontos, verificar a pressão arterial, a dosagem glicêmica, praticar atividades físicas e participar de oficinas. Agora, a previsão é que apenas grupos de ginástica e fisioterapia sejam ofertados. Idosos de todos os bairros de Bento participavam da programação.
– E as atendentes tem um jeitinho muito especial. São muito atenciosas, pacienciosas, que é o que precisa com esse público – elogiou uma das integrantes do movimento, que preferiu não se identificar.
O Espaço de Saúde do Idoso fica em uma casa na Rua Giovani Girardi, 206. Antes de tomar corpo de um serviço específico ao usuário da terceira idade, a estrutura funcionava como uma UBS convencional. O terreno foi doado por um grupo de moradores, que o comprou na década de 1970 para construir uma associação mas que encontrou na parceria com a prefeitura a melhor saída para o uso do espaço.
– Nós nem sabemos ainda como vai ficar. Mas estamos apavorados. Não tenho quem possa me levar em outro lugar para consultar. E nossos médicos eram tão bons aqui. Queremos que nos expliquem – reivindica a aposentada Neli Ribeiro Elias, 70.
No Caminhos de Pedra, portas estão fechadas
Roteiro turístico que movimenta milhares de visitantes ano a ano, o distrito de São Pedro, representado pelo roteiro Caminhos de Pedra, está há mais de um mês sem atendimento médico na modesta UBS da comunidade. As férias do profissional que atendia ali acabaram emendando no término do contrato e, agora, os moradores disputam fichas para consulta em um postinho de saúde do bairro Barracão. A insatisfação é grande.
Inaugurada há mais de 30 anos, a UBS atendia 12 pacientes com consultas marcadas diariamente. Depois, passou a funcionar duas vezes por semana. Agora, não há nem atendimento de enfermeiras.
– Ouvi muita reclamação, o pessoal tem perguntado bastante. Mas vamos esperar a reunião com a Secretaria da Saúde para entender o que vai acontecer. Por enquanto, não sabemos se vai voltar – afirma o subprefeito Leonildo Cavalet.
A estrutura é simples, mas dava conta da demanda da comunidade. Da sala para exames ginecólogicos, até a maca foi removida nos último dias. Como o público é composto principalmente por agricultores e, na maioria dos casos, de mais idade, a comoção com o fechamento da UBS obrigou a secretaria a agendar uma reunião com os moradores. O encontro será hoje à noite. E a comunidade promete comparecer. Caso de Romancilda Lerin, 64 anos. A família não tem plano de saúde e Romancilda dizia ser muito bem atendida pertinho de casa.
– Tudo fica mais difícil. Para alguém me levar até o outro postinho, vai precisar perder trabalho. E somos de idade, gostaríamos de mais respeito – reclama.