Veterano dos primórdios da Lava-Jato, quando a operação apenas mirava em doleiros e sequer sonhava atingir políticos, o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima tem um desejo: que parte do dinheiro recuperado pela força-tarefa do MPF e da PF seja reinvestido nas atividades fiscalizatórias. Hoje, reclama ele, existe um impasse: há quem defenda que a verba desviada seja canalizada para o Tesouro da União e, enquanto não se decide o que fazer com ela, procuradores e policiais padecem de carência de meios para investigar.
Nessa entrevista concedida por telefone a Zero Hora, ele esmiuça os imensos valores em jogo na Lava-Jato:
Por meio de acordos de colaboração, dentro da Operação Lava Jato, são objeto de devolução por parte de réus R$ 3,6 bilhões. Quanto disso efetivamente já voltou? Teve algum rompido?
Hoje devemos ter depositados na 13ª Vara Federal algo em torno de R$ 400 milhões. Grande parte devolvidos à Petrobras, que é a mais atingida pela corrupção. Nesse caso, a vítima é a estatal.
Para onde vai o dinheiro devolvido? Pode ser usado em algo antes das condenações finais, trânsito em julgado? Volta para a Petrobras? Como?
Cerca de 90% do dinheiro volta à vítima da corrupção. No caso, à Petrobras. Quando há lavagem de dinheiro, a vítima é a União (cerca de 10% dos valores). Esses 10% continuam depositados na Justiça. De todos os acordos, tivemos um rompido, pelo Fernando Moura (lobista). Ele mentiu, voltou atrás nas suas afirmações e, até por isso, acabou recolhido de novo à prisão.
O senhor falou que os 10% da União continuam depositados na Justiça. Por quê?
Há controvérsia sobre a destinação desses valores. A Lei de Lavagem diz que a perda será para a União, mas o valor será destinado aos órgãos de persecução (MPF, PF e Receita Federal, no caso da Lava-Jato). Já o Executivo quer que esse dinheiro volte ao orçamento da União. Entendemos que aí irá para contingenciamento e resultará em não efetividade da lei. Queremos que o dinheiro, como ocorre nos EUA, sirva para dar condições materiais à investigação. Nós, por exemplo, estamos há dois anos tentando comprar um software de ponta em datamining (pesquisa de dados) e ainda não conseguimos, por falta de recursos. A PF também se ressente de falta de recursos para equipamentos. Nem a PF, nem o MPF, nem a Receita receberam um centavo (da Lava-Jato), por força dessa controvérsia. Acredito que o Judiciário deve decidir.
Leia mais:
Quem é quem no dinheiro devido à Lava-Jato
MPF pede inquérito sobre Edinho e Delcídio
Esposa e um dos filhos de Lula terão de depor
Como vocês calculam quanto cada corrupto deve devolver? Como se chega aos valores?
É sempre um arbitramento, fruto de uma negociação. É embasado no que se constatou que foi desviado. Recuperamos bastante. Li há algum tempo que, de todas as ações do Tribunal de Contas da União (TCU), ele recupera 5%. Nosso índice de recuperação é muito maior. A Petrobras, por exemplo, lançou em seu balanço financeiro do ano passado R$ 6,2 bilhões de prejuízo com a corrupção. Se for esse o valor, estamos com mais da metade recuperado. Mas há quem estime R$ 20 bilhões, R$ 60 bilhões.
A fiança não é dinheiro real, né? O réu pode recuperá-lo, se for absolvido. E se for condenado, para onde vai?
O dinheiro da fiança fica sob guarda do Judiciário. É bloqueado. Se o réu é condenado, vira ressarcimento.
Estamos perto do fim da Lava-Jato?
Depende do que você chama de fim. Se pensar em Petrobras, entramos na metade final. Se pensar que surgiram revelações de outros esquemas, aí tem um punhado de novos fatos a investigar.
Como o senhor reage a críticas de que a Lava-Jato prende para amedrontar e coagir pessoas a delatarem?
É o discurso dos advogados. Ressalto que 80% dos acordos de colaboração se deram com pessoas soltas. 20%, com pessoas presas. Exemplo clássico é o Pedro Barusco, que veio espontaneamente, e o que mais devolveu dinheiro. E as empresas nos procuram. Temos mais umas cinco em processo de colaboração.