Se completar nove décadas de vida com a saúde a pleno vapor é motivo suficiente de alegria para o caminhoneiro Celestino Costella, imagine o fato de vestir uma beca, agarrar o diploma e desfilar diante da família no palco de uma universidade. O grande dia está chegando: prestes a completar 90 anos, Seu Celestino irá se formar no curso de pedagogia, em 27 de agosto. Seu aniversário é 4 de agosto. Em breve, terá outro retrato importante para colocar na estante da sala, ao lado das fotos que exibem ele, a esposa Maria Sbrissa, 84 anos, e parte dos 11 filhos já formados em cursos como direito ou psicologia - serão as fotos da grande festa que prepara em Veranópolis, terra da longevidade e também de gente que parece acreditar na educação.
– Comecei para conservar a memória e não quis mais parar. Já me convidaram para fazer uma pós-graduação, e eu ainda não disse que não – orgulha-se.
Engana-se quem pensa que Seu Celestino teve regalias pela idade avançada. Por seis anos, embarcava no ônibus que percorria as sinuosas curvas do trajeto Veranópolis/Bento Gonçalves, em duas horas de viagem, pelo menos três vezes por semana. Frequentou as aulas em dias que os termômetros marcaram temperaturas negativas, ou quando a neve coloria de branco a Capital do Vinho, em 2013. A vontade de voltar à sala de aula surgiu após aposentar-se do caminhão, instrumento de trabalho por pelo menos 40 anos. Seu Celestino estava mais de 70 anos longe das classes e confessou à família sua maior vontade: conhecer os corredores de uma universidade.
– Faça chuva ou faça sol, nada impediu Seu Celestino de estar entre os alunos. Nas pouquíssimas vezes que faltou, teve a delicadeza de me procurar pessoalmente e avisar porquê não poderia ir – conta a coordenadora do curso de Pedagogia, professora Jane Lourdes Dal Pai Giugno.
A busca pelo diploma começou com aulas do programa Universidade da Terceira Idade, indo a Caxias por dois semestres. Na sequência, fez aulas de informática. Sentiu-se pronto para ir adiante e inscrever-se no curso de pedagogia. Para ser aceito, prestou uma prova. Aprovado, cumpriu as mais de 3 mil horas de aula e agora planeja a festa, que acontecerá um dia depois da colação de grau. O grande momento, diz ele, será a missa celebrada especialmente para a formatura, o aniversário de 90 anos e os 66 de casamento. A Gruta Nossa Senhora de Lourdes possivelmente fique pequena para tanta emoção:
– Meus filhos vão tocar na missa, e uns amigos do coral que canto. Depois, vou gastar dinheiro e convidar todos para o almoço.
Família de 17 irmãos e 11 filhos
Seu Celestino é natural de Veranópolis e parou de estudar na terceira série para ajudar os pais e os 17 irmãos a trabalhar na roça. Produziam queijo com o leite tirado das 15 vacas da propriedade rural da Linha Marquês do Herval. Precisou interromper os estudos para que parte dos irmãos estudasse - quatro irmãos formaram-se padres e uma irmã é freira. Hoje, a irmã mais velha está com 95 anos. Os 11 filhos de Celestino renderam 15 netos. Toda esta turma está ansiosa para aplaudir Seu Celestino.
– Nunca pensei que ele fosse desistir, porque é muito dedicado com os estudos– definiu a esposa Maria Sbrissa, 84 anos.
Era tarefa de dona Maria preparar a janta às 17h para que ele fosse à faculdade de barriga cheia. O fato de ter um marido estudado aos 90 anos não despertou ciúmes nela, diz Seu Celestino:
– Ela é muito esperta, só não quis ir para a aula porque precisava fazer a comida. Mas olha os crochês que ela faz, são muito bem feitos.
Aproveitamento extraordinário, diz professora
Além dos seis anos frequentando as aulas na UCS, ele utilizou reforço universitário: contratou uma professora particular que o ajudava, cerca de uma hora por semana, revisando os conteúdos que encontrava mais dificuldade.
– Tem artigos que são mais difíceis de entender. Então eu lia duas, três vezes e depois revisava com essa professora que vinha aqui em casa. Mas era rápido, viu?– explica.
Seu Celestino não sabe ainda se entrará em sala de aula para lecionar. Acha que precisa se preparar mais, dominar os conteúdos de forma exemplar para falar com crianças. Mas pretende seguir estudando. Durante os quatro estágios curriculares que cursou, supervisionando crianças de diversas idades, seu desempenho foi exemplar.
– Ele pode ter um aproveitamento extraordinário na comunidade escolar. As crianças ficam encantadas com ele conversando – confessa a a coordenadora do curso de Pedagogia, professora Jane Lourdes Dal Pai Giugno, que o orientou nos dois estágios.