O avanço da drogadição em Caxias do Sul agora é visível em pleno dia nas ruas centrais e traz consequências. Em busca de dinheiro ou comida, viciados abordam quem passa pelas calçadas, entram em estabelecimentos e transitam entre os carros para catar esmolas com motoristas sem se importar com o risco de acidentes. Há situações que tiram a tranquilidade também nos bairros. Os transtornos começam no início da manhã e avançam noite adentro, exemplo que pode ser conferido próximo ao Pronto-Atendimento 24h (Postão).
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Na esquina das ruas Vinte de Setembro e Marechal Floriano, pelo menos 10 jovens se reúnem pela manhã e permanece por ali até o meio da tarde. O grupo só se dispersa depois de almoçar gratuitamente no Restaurante Popular, onde a prefeitura mantém o programa Prato Solidário para moradores de ruas.
Durante esse tempo, o grupo provoca confusões e achaca motoristas e pedestres. Muitas pessoas chegam a atravessar a rua para evitar passar pelo grupo, que abusa da força para conseguir doações.
Adonis Damiani, 69 anos, faz fisioterapia em um consultório nas proximidades todos os dias. Ele disse que já cansou de ver os homens atacando mulheres, puxando-as pelas bolsas para forçá-las a entregar dinheiro.
- É constrangedor. Eles puxam pelos cabelos e elas ficam visivelmente com medo. Como eles estão em grupo, ninguém tenta impedir, é perigoso. É sempre muito ruim quando penso que tenho que passar por ali - lamenta.
Assim como Damiani, uma comerciante da área afirma que já cansou de avisar a Brigada Militar e a Guarda Municipal sobre os transtornos. A jovem não quer se identificada por medo de ser reconhecida pelos viciado e adotou um novo hábito: deveria começar a trabalhar às 8h, mas chega somente às 9h por receio de ficar sozinha na loja.
- Fico até mais tarde para não chegar muito cedo de manhã. Vai que não tenha ninguém aqui para me ajudar caso eu precise? Já vi eles usando drogas e um dia pensei que fosse ser assaltada. Saí correndo e me escondi atrás de um carro até que outras pessoas passassem por ali. Eles não dormem por perto, mas chegam cedo para abordar quem está chegando para trabalhar - diz a mulher de 26 anos.
Centro é opção para fugir de agressões
Uma equipe da Fundação de Assistência Social (FAS) conhece os problemas causados pelo grupo que atua próximo ao Postão 24h. De acordo com o diretor do Acolhe Caxias e do Pop Rua, Julio Cezar Chaves, o caso está sendo resolvido aos poucos. Alguns dos jovens foram abordados pelos profissionais da FAS e quatro foram encaminhados para comunidades terapêuticas. Dois já retornaram para as suas cidades de origem.
- Eles sabem que não precisam morar e dormir na rua. Temos o albergue que disponibiliza 42 vagas, mas não pode ser dependente químico para dormir lá. Também temos a Casa São Francisco com mais 35 lugares. Eles não querem porque terão que largar a droga. As vagas nunca estão todas preenchidas. Aí os encaminhamos para tratamento nas cinco comunidades terapêuticas que são parceiras. Também é muito difícil que eles sigam uma rotina nesses lugares porque sentem falta do vício. Não temos como obrigá-los a nada - lamenta.
Há cerca de um mês, a FAS elabora uma pesquisa para identificar quem são e de onde vêm as pessoas que moram nas ruas de Caxias. Em uma análise preliminar, Chaves constatou o que não é novidade: a grande maioria usa drogas ou é dependente de álcool. O desemprego foi o que desencadeou a situação de vulnerabilidade. Chaves estima que cerca de 200 homens e mulheres estão nas ruas atualmente, número que seria 10% maior do que um levantamento do final do ano passado.
Chaves diz que há monitoramento nos pontos onde os moradores de rua usam drogas e também nos chamados mocós, onde se instalam para dormir. Segundo ele, os grupos estão avançado para as ruas centrais porque estariam com medo de serem agredidos nas periferias. Com isso, o Acolhe Caxias estaria sendo mais procurado pela população incomodada com os transtornos.
- Nós recebemos as reclamações e averiguamos o caso. Conversamos, oferecemos abrigo e alimentação no albergue, a possibilidade de participação em oficinas no Centro Pop, e ainda fizemos um plano para aquela pessoa que aceitar ajuda. Temos controle e acesso a todos os moradores de rua e em todas as abordagens tentamos criar motivações para que eles saiam dessa situação. É um trabalho de formiguinha - diz.
Dificuldade para abandonar o vício
A diretora da Política de Saúde Mental de Caxias, Vanice Fontanella, afirma que os problemas com os dependentes químicos que vivem nas ruas seriam solucionados se eles aceitassem largar o vício. A secretaria oferece auxílio, de acordo com Vanice, como o Consultório de Rua. O programa funciona desde 2011, das 18h às 21h, oferecendo orientações e suporte aos viciados.
- Nem todo o dependente químico precisa de tratamento. Todos os moradores de rua que usam drogas e que precisam de acompanhamento são monitorados. Verificamos todas as necessidades que eles têm e encaminhamos para algum serviço quando é preciso, como atendimento médico ou psicológico. Também distribuímos água, preservativos, protetor solar. Eles podem ter abrigo nos dois Centro de Atenção Psicossocial (Caps), mas é difícil mantê-los contra a vontade. A síndrome de abstinência é muito grave.
Vanice afirma que a função da secretaria é abordar os viciados e dar possibilidades de tratamento. Mas, assim como as demais autoridades da saúde e da segurança, diz que não pode tirar ninguém da rua:
- O município oferece todas as possibilidades de ajuda indicadas pelo Ministério da Saúde. Nós abordamos, ajudamos, encaminhamos, mas não tiramos ninguém da rua. Nosso maior problema é que a maioria não quer ir para um abrigo.
Problema social
Em busca de dinheiro ou comida, viciados constrangem e intimidam cada vez mais em Caxias do Sul
O avanço da drogadição agora é visível em pleno dia nas ruas centrais
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