Há quatro anos, debaixo de um parreiral em Monte Bérico, o estilista Walter Rodrigues não se cansava de exclamar "incrível". Ainda não tinha decidido se mudar para Caxias. Nem imaginava ser convidado para criar os vestidos das soberanas da Festa da Uva, cujos últimos desfiles são neste sábado e domingo, às 20h, na Plácido de Castro, em Caxias.
Na entrevista que me concedeu falando sobre seu envolvimento com a Festa e a cultura das Serra, Walter se revela um voyeur dos comportamentos cotidianos e flaneur da vida na cidade e na colônia.
Walter vive no Centro, adora o interior, frequenta festas de igreja, perambula pelas lavouras, colhe lírios no campo, faz feira para buscar copos-de-leite e dálias, sabe os lugares certos do bom agnoline, queijo ou salame. Aos poucos, o paulista de Herculândia, vindimeiro de ousadias, assume novo pertencimento.
Confira aqui alguns dos trechos da entrevista cuja íntegra esta na edição impressa deste fim de semana do Pioneiro
Sobre a Serra: "A natureza tem uma exuberância muito diferente. Essa geografia me interessa muito. Esse subir e descer da Serra propicia vários pontos de vista. Olhar debaixo pra cima, de cima para baixo. Muda a postura o tempo todo. Isso é muito rico. E tem essa coisa fascinante da cultura, da herança italiana."
Renovar a produção: "Se a gente entender que o Rio Grande do Sul tem o maior número de propriedade familiares, imagina quantos empreendedores poderíamos ter produzindo frutas maravilhosas, geleias, pães. A agricultura familiar na Europa propicia uma vida bacana para o jovem. Aqui ainda não."
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Nossas riquezas: "O encantamento é a palavra mais decisiva. Sempre disse que a gente tem que descer a Serra. Mas nós não descemos. A gente espera que as pessoas venham até aqui. Se a gente pensar em todo o dinheiro que vem aqui, em todo o business gerado pelo turismo... As pessoas vêm na Marcopolo, na Randon, e vão a Gramado e outros lugares da região, mas não sabe o que tem por aqui.
Trabalho e prazer: "Aqui na Serra não dá para se divertir trabalhando. Parece que você não dispende energia se for assim. Mas se você falar que trabalhou, sofreu, suou, teve um dia do cão, então as pessoas te respeitam. Você não vê ninguém dizer que é bem sucedido. Sempre se diz que se vai mais ou menos, que o ano não está muito bom."
Hábitos cotidianos: "Me divirto muito com a mecânica da coisa toda. As respostas são muito espontâneas, muito diretas, duras, sem se importar com bom ou mau humor. No táxi, no elevador, não se fala bom dia, obrigado. Mas, ao mesmo o tempo, você entra num restaurante e todo mundo beija a dona. É bonito isso. Caxias tem muitos meandros, segredos."
Os vestidos das soberanas: "Acho meio assustador quando você trabalha com essa referência icônica, a roupa da rainha. Gosto muito de falar que a roupa comunica, tem uma narrativa. Tem as cores dos três vinhos, as flores, as rosas. Cada elemento conta uma história. Não é uma fantasia, não se está fantasiada de princesa ou de rainha. Você está rainha, você é princesa, você carrega uma história."
Se tornar caxiense: "Tem uma coisa muito interessante acontecendo, que é o sentido do dever cumprido. Tudo muito chique. Escuto elogios o tempo todo. Posso até me sentir, mas acho que a cidade ainda precisa manifestar isso. É muito cedo para eu me sentir dono da bola. Tem um longo caminho a percorrer para me sentir acolhido em Caxias."