A violência atual é reflexo de um país carente de lideranças e de uma sociedade sem engajamento em causas públicas. Essa é a percepção do doutor em Sociologia e consultor em Segurança Pública e Direitos Humanos, Marcos Rolim. A onda de ataques a imagens religiosas em Caxias do Sul e em Farroupilha, por exemplo, são sintomas mais recentes de intolerância. Tal fenômeno tem o acréscimo do indicador mais forte da violência em Caxias do Sul em 2015: dos 115 assassinatos verificados ao longo do ano, pelo menos 10 das mortes poderiam ser evitadas com o diálogo, segundo apurou a reportagem.
Nesta entrevista, Rolim aponta as falhas que levaram a onda de violência atual e os caminhos que governos e sociedade podem trilhar para reduzir a criminalidade e a intolerância. Confira a entrevista.
Estamos nos encaminhando para a intolerância total?
É difícil prever esse desdobramento. Há uma dinâmica crescente de intolerância no Brasil, todos os indicadores mostram isso. Há uma certa contradição nesse fenômeno. Temos aumento de casos de homofobia no Brasil. Com os crimes de racismo é a mesma coisa. Isso pode significar duas coisas: primeiro, é possível que esses delitos estão aumentando, mas é possível também uma sensibilidade maior a esses problemas. Antigamente poderiam acontecer e não se transformavam em ocorrências policiais, era mais tolerado. Esse é o paradoxo. Sem uma pesquisa mais científica que possa medir com mais precisão, estaremos lidando sempre com a aparência.
Por que a sociedade reclama tanto mas não se engaja?
É um outro problema e também é uma suspeita. A crise política também é a crise da participação pública. Grande parte das pessoas não se sente motivada ou mobilizada por qualquer projeto de natureza política. Especialmente pela falência das perspectivas utópicas, da ideia de modificação da sociedade e da transformação social. As pessoas se desengajaram, portanto, de qualquer projeto político. Olhamos para o congresso nacional, olhamos para as lideranças políticas e não nos sentimos representados. Um dos efeitos mais perversos é o mergulho das pessoas na vida privada, que passam a viver exclusivamente preocupadas com os seus próprios problemas, com seu emprego, com suas contas a pagar, com a sua realidade pessoal. O engajamento em causas públicas é hoje o tema central do Brasil . É preciso recuperar essa paixão pela mudança. A dificuldade é fazer isso num país com um quadro político tão deprimente como o que estamos vivendo.
O poder público pode mexer com a estrutura de uma comunidade a ponto de eliminar ou diminuir violência a exemplo do que a Colômbia fez na luta contra os cartéis das drogas, onde houve queda nos homicídios?
Pode. A experiência internacional mostra claramente isso. E mesmo a experiência brasileira, onde municípios tiveram e seguem tendo um papel muito importante. A grande questão é a seguinte: sempre que conversamos sobre segurança pública logo se pensa em polícia. As polícias são fundamentais, mas não podemos pensar só a partir do que a polícia pode fazer. O tema da segurança tem a ver com que a educação faz, com que a gente pode fazer na área do esporte e uma série de outras questões.
Muitas pessoas defendem violência contra a violência. Isso preocupa?
Sim, essa reação acaba paralisando os governos também. As pessoas estão sendo violadas em seus direitos básicos: o cidadão é assaltado, seus bens são subtraídos, as pessoas ficam indignadas ao passarem por essa experiência. A experiência traumática faz com que as pessoas respondam com ódio diante daqueles que praticam esse ato. Esse ódio diz o seguinte: quero que esses caras se arrebentem, quero que sejam colocados num presídio e apodreçam lá dentro, não me preocupo com que acontece com eles lá dentro, quero que sofram. Essa ideia acaba produzindo o crime e a violência numa escala industrial. O sujeito sai de lá organizado numa facção criminal, volta para a rua para praticar assaltos e mandar dinheiro para a facção. Isso aconteceu por conta da visão que não está preocupada com a qualidade da execução penal. É um ciclo vicioso, onde a vitimização das pessoas autoriza o ódio, que, por sua vez, aumenta a produção do crime e aumenta ainda mais a vitimização.
Estamos carentes de lideranças?
Sem dúvida, nos faltam lideranças confiáveis, que possam estimular e inspirar, não só no Estado mas também na sociedade. Fundamentalmente, o caminho para superar isso é construir políticas públicas e puxar o debate. Qual é a saída para esse ou para aquele problema? Mas com evidências cientificas para construir políticas públicas consistentes. Enquanto não romper essa tendência de respostas meramente reativas, de raciocínios sem fundamentação científica, de governos que respondem pensando na próxima eleição, vamos estar nesta confusão.