Com o boleto nas mãos, o jovem agricultor Claudionor Serafini, 30 anos, ainda estava indeciso no início da tarde desta quarta-feira se pagaria ou não a segunda parcela do seguro rural, no valor de R$ 9,5 mil, que deveria ser quitada pelo governo federal. A impaciência e a revolta tomavam conta da cozinha na residência da família, localizada na linha 60, interior de Caxias do Sul.
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A mãe, Zenaide, 60, apoiava o pagamento para tentar reduzir os prejuízos dos parreirais deixados pela geada fora de época que chegou às montanhas e vales do roteiro turístico Caminhos da Colônia. O pai, Nelson, era o mais indignado.
- A queda da safra de uva chega a 60%. O preço da fruta quase não alterou. Temos a colheita para pagar. Mais esse valor absurdo do boleto. Dá vontade de desistir de tudo - desabafa o agricultor.
Revoltados e com o "boleto" entalado na garganta, às 14h30min, pai e filho rumaram até o banco de Flores da Cunha para pagar a conta que não é deles. O prazo encerrava-se às 16h e correriam o risco de perder quase tudo. Antes da viagem, no entanto, decidiram que colocariam as terras à venda.
O filho está decidido a deixar a vida rural, apesar de ser um apaixonado pela lida da roça. O pai e a mãe estão dispostos a largar tudo e viver na cidade, mesmo tendo nascido "debaixo dos parreirais".
Apesar dos inúmeros pedidos e manifestações dos agricultores, sindicatos e entidades ligadas ao setor vinícola em Brasília, não houve acordo concreto entre governo e seguradoras.
O deputado federal Mauro Pereira (PMDB-RS), que encabeçou o pedido de socorro no Ministério da Agricultura, juntamente com outras lideranças rurais e políticas, reuniu-se nesta quarta-feira com o assessor direto da presidente Dilma Rousseff, Giles Azevedo, e obteve a promessa de que iria pedir para as seguradoras ampliarem o prazo de pagamento. Até o final da tarde, nenhum documento havia sido formalizado.
O corretor de seguros André Moschen, que também representa as seguradoras Agrobrasil e Mapfre, responsáveis pela maioria dos seguros rurais na Serra Gaúcha, garante que nenhuma informação oficial chegou às seguradoras para prorrogar o prazo.
Segundo ele, somente um procedimento técnico pode reverter a situação.
- Por enquanto, quem não pagou está inadimplente, sem seguro - ressalta.
Os agricultores que não quitaram a parcela vão ter de arcar com os prejuízos acarretados pelo clima. Os que pagaram devem ter a garantia do ressarcimento, mas não têm ideia de quanto será. Eles também não sabem se o governo vai devolver o valor pago do seguro. Provavelmente não.
Na propriedade de sete hectares de parreiras da família Serafini, a colheita deste ano não vai passar de 60 toneladas da fruta. Em 2015, a safra rendeu 188 toneladas. Queda de 68%.
O faturamento de R$ 130 mil festejado no ano passado ficará abaixo da metade. Bem abaixo.
- Devemos receber cerca de R$ 50 mil. Desses, R$ 16 mil foram para o seguro - diz Claudionor, referindo-se ao pagamento total, incluindo a primeira parcela.
Os Serafini contratam seguro desde 2009. Nunca precisou ser acionado.
- Este ano em que estamos precisando muito, pois uma intempérie do tempo resolveu chegar atrasada, temos que pagar a parte de quem nos governa. Nós, colonos, não temos valor nenhum, não significamos nada - indigna-se Serafini.
'Não vou pagar. Ninguém se preocupa com a gente'
A agricultora Andreia Fitarei, 40 anos, reside em outro roteiro turístico, o Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, onde o principal atrativo são os parreirais. O clima de festa que reina na região nesta época do ano foi abalado esta semana com a notícia dada pela seguradora de que a parcela do seguro rural de responsabilidade do governo federal não seria paga e que teria que desembolsar mais de R$ 4 mil para ter direito a recuperar parte dos prejuízos causados pela geada e granizo na safra de uva deste ano.
A queda chega a 50%. Viveu momento de angústia, dúvidas. Pediu socorro a políticos, sindicatos, entidades. Nada. Resolveu não pagar a dívida.
- É melhor ficar com os R$ 4 mil e não receber nada, do que pagar e correr o risco de não ser ressarcido. É tempo de colheita. A queda da produção é real e nossas despesas são à vista, temos que pagar agora - explica a produtora.
Ela conta que todos os insumos que envolvem a produção da uva têm impostos baseados no dólar e são pagos na hora da compra. Esses, segundo Andreia, não são perdoados pelo governo.
Revoltada, ela desabafa:
- Ninguém se preocupa com a gente. Quem mandou a gente ser colono?
Sem apoio
O dinheiro da União que seria usado para o pagamento foi destinado para o fomento do setor agrícola. Ao governo federal caberia pagar 60% como subvenção e os outros 40% ficariam a cargo do produtor. Mas neste ano 100% da conta recaiu na parte mais frágil: o fruticultor.
Seguro rural
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Ivanete Marzzaro
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