Amanda Dallé Balotin, oito anos, vive na zona rural de Bento Gonçalves, no Vale dos Vinhedos. Na companhia dos avós paternos, dos pais e do irmão mais novo, cresceu cercada por árvores e parreiras plantadas na Linha 40 da Graciema. E, ao contrário dos 400 mil turistas que visitaram o roteiro turístico no ano passado, ela não está lá de passagem.
Série "A Serra que Queremos" reflete sobre o futuro da região
Para ir ao colégio à tarde, ela pega um ônibus que a deixa em frente à Escola Lóris Pasquali Reali, onde cursa o 2º ano do ensino fundamental. A mãe, Rejane Dallé Balotin, 37, reconhece a importância do estudo, até porque não conseguiu realizar o sonho de ser veterinária. Antes do caçula nascer, há dois anos, fazia faxinas, mas atualmente ocupa-se das tarefas domésticas na própria casa. O marido trabalha na agricultura. Amanda tem a mãe como modelo, porém sonha em viver "na cidade".
- Quero ser dona de um salão de beleza. Se eu for trabalhar lá, tenho que morar lá - diz.
O progresso fora da zona rural é uma ideia comum para a meninada e preocupa o pesquisador da área de enologia e chefe-geral da Embrapa Uva e Vinho, Mauro Zanus. Segundo ele, é fundamental modernizar as propriedades familiares, com o uso da tecnologia.
- Os jovens têm se afastado do campo, porque a cidade se apresenta como lugar de conectividade, e a agricultura parece ser, para o jovem, o rústico, o rudimentar, o analógico. Claro que isso não depende só da tecnologia, mas de políticas públicas, para que o jovem não se sinta deslocado ao trabalhar em uma propriedade rural familiar - afirma Zanus.
Essa impressão também aparece no RS 2030 - estudo que identifica cenários que demandarão maior foco das políticas públicas estaduais no futuro. O prefeito de Canoas, Jairo Jorge (PT), que coordena o projeto, percebe que, como a Serra é forte região produtora do Estado, e o agronegócio é gerador de riqueza, as principais necessidades da região dizem respeito à infraestrutura logística, à energia e às telecomunicações no interior.
- Os jovens precisam ter acesso ao mundo da internet, porque isso impacta na vida deles e até na sucessão familiar. Também precisam integrar projetos de empreendedorismo rural, porque a população do campo está envelhecendo - avalia Jorge.
* Colaborou Flavia Noal
Medo do que está por vir - Ao projetar o futuro - o trabalho é parte determinante nele - Amanda teme pela falta de segurança, uma sensação que não experimenta no interior.
- Se eu for morar na cidade, lá tem bastante ladrão e não quero que assaltem o lugar onde trabalho, nem a minha casa - conta.
Leia as últimas notícias do Pioneiro
Com inocência infantil, esboça uma espécie de medo do futuro, embora não consiga mensurar a violência no lugar onde vive. O tema é, sem dúvida, um dos principais problemas das cidades, e a Serra também precisa encontrar uma solução. Uma inspiração possível está em São Caetano do Sul (SP), cidade campeã em Índice de Desenvolvimento Humano no país e referência em segurança pública. Os índices de violência dela são muito menores do que Caxias, Bento e Farroupilha.
Apesar de ter a sexta maior densidade demográfica do país - são 150 mil habitantes, em uma área territorial de 15km² -, São Caetano do Sul tem uma taxa de homicídios parecida com a de países desenvolvidos. Em 2015, até outubro, foram registrados apenas três - ou dois homicídios a cada 50 mil habitantes. Na escala usada pela ONU, a taxa aceitável é de 10 por grupo de 100 mil. Aparecem nesse patamar Canadá, Estados Unidos e boa parte dos países europeus e asiáticos.
Para se ter uma ideia, Bento, que tem 113 mil habitantes, registrou 19 ocorrências no mesmo período - um a cada 6 mil habitantes. Farroupilha, com população de cerca de 68 mil habitantes, teve nove - um a cada 7,5 mil habitantes. Caxias registra uma morte a cada 4,7 mil habitantes, ou seja, tem o triplo da população (475 mil habitantes) de São Caetano do Sul e é 10 vezes mais violenta que o município paulista.
O secretário municipal de Segurança de São Caetano do Sul, Marco Antonio Barreiras, destaca a importância das ações constantes e efetivas no combate ao crime, porque a cidade, embora pareça pacata e tenha área territorial pequena, integra a região metropolitana de São Paulo e faz divisa com a maior favela da capital paulista, Heliópolis.
Um dos trunfos dele é o Programa Cidade Segura, pacote com 16 ações que envolvem obras, aparelhamento como câmeras de vigilância e execução de programas estratégicos. Numa delas, a prefeitura paga para que guardas e policiais atuem em dias de folga e atendam a demandas do município, como ações de fiscalização. Assim, admite, a presença dos policiais é notada com maior frequência, os servidores são melhores remunerados e não precisam fazer bicos para complementar a renda. Outro destaque é a renovação e ampliação da frota da guarda municipal, que conta com 400 funcionários e 50 viaturas zero-quilômetro.
Em dois anos, 2013 a 2015, os roubos de veículos reduziram 58% e os furtos, 51,6% em São Caetano.
- Não basta ter política de segurança pública, mas política pública de segurança. É preciso combater a causa da violência, não só os efeitos - explica Barreiras, que é delegado.