A nebulosa disputa em torno de terrenos no loteamento Cidade Industrial abrange área maior do que se imaginava. A Agropecuária Serra Verde afirma ser dona de 80 lotes ocupados por famílias e por uma escola pública, equivalente a quatro campos de futebol. Muitas famílias garantem que já pagaram pela propriedade e temem perder os imóveis. É o dobro do estimado inicialmente. Os moradores, porém, não sabem informar corretamente quem negociou a venda no passado.
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O problema chegou ao conhecimento do Ministério Público (MP). Como o caso é confuso, o promotor de Justiça Ádrio Gelatti pretende reunir documentação para entender a origem da disputa. A empresa também reivindica terrenos em Farroupilha e na Capital, todos ocupados por moradias e prédios.
A advogada Alexandra Paese, da Agropecuária Serra Verde, diz que a ação reivindicando as propriedades tramita desde metade dos anos 1980. Segundo ela, os donos da área foram vítimas de falsificação de documentos. Por essa versão, uma mulher forjou assinaturas dos sócios e alterou o contrato social da agropecuária, concedendo poderes a si mesma para negociar o pedaço de terra no Cidade Industrial. O suposto golpe envolveu outras pessoas, e virou alvo de ação judicial.
- Os donos estavam viajando e quando retornaram souberam da falsificação. Foram vendidos lotes sem autorização e a empresa não recebeu os valores que lhe pertenciam - sustenta Alexandra, com base em uma decisão do Tribunal de Justiça.
Após a compra, algumas famílias conseguiram registrar a matrícula dos lotes em cartório. Essas matrículas foram canceladas de forma definitiva na Justiça. A partir do cancelamento, a agropecuária passou a pedir a devolução dos lotes ou o pagamento.
- O bairro tem três partes, uma na faixa, outra com os terrenos regulares e essa área de terrenos irregulares. Vamos averiguar, estudar e ver o que está acontecendo. Por isso determinei a instauração de inquérito - diz Ádrio Gelatti.
O negociador da Serra Verde, Jaime de Oliveira, garante que a empresa está aberta a negociações. Segundo ele, os moradores podem ter descontos na aquisição dos lotes.
CONTRAPONTO
A reportagem tentou contatar uma mulher acusada de fraude pela Serra Verde, e que também teria vendido os terrenos questionados no Cidade Industrial, mas não obteve retorno.
ENTENDA
- No final dos anos 1980, uma área verde próxima do Km 72 da Rota do Sol (ERS-122) foi loteada irregularmente. Moradores compraram terrenos com contratos de gaveta. Na mesma época, um processo foi aberto na Justiça de Caxias do Sul questionando a propriedade da área. A disputa envolvia acusações mútuas de fraude. Não ficou claro quem foi o responsável pela venda dos lotes. Alguns moradores dizem que o dono da Agropecuária Serra Verde negociou os terrenos, mas ele sustentou na Justiça que a negociação foi concretizada por uma mulher mediante falsificação de documentos.
- Enquanto a decisão sobre a fraude não saiu, houve a regularização de alguns lotes comprados pelos novos moradores via Justiça, no qual se emitiu o número de matrícula no cartório de imóveis. Contudo, o cartório anotou uma observação nas escrituras de que havia uma matrícula principal (em nome da Agropecuária Serra Verde), e que uma ação anulatória contra as novas matrículas tramitava na Justiça.
- Apesar disso, as negociações de lotes prosseguiram: muitas famílias compraram terrenos e ignoravam a disputa judicial. O processo transitou em julgado em 2013, e a decisão foi favorável pelo cancelamento das matrículas, tornando sem efeito a propriedade dos atuais donos. A Justiça também entendeu que houve falsificação de documentos que facilitaram a venda irregular.
- Neste período, o loteamento Cidade Industrial cresceu no entorno dos lotes irregulares. As famílias construíram casas, abriram comércio e serviços. Agora, a Serra Verde quer os terrenos de volta ou que os moradores paguem novamente pelo pedaço de terra.