Bastava esfriar um pouco para o fogão a lenha ser aceso e assim ficar até o início da primavera. Tinha toda aquela função de buscar a madeira, no andar inferior, para queimar, abrir a portinhola para ver como estava o fogo e aproveitar o calor para aquecer a comida ou cozinhar pinhões na chapa - o que nunca teve a mesma graça de uma boa sapecada na chácara. Mas essas lembranças são tão óbvias que quase não vêm à mente.
A parte mais legal desse utensílio, pra mim, sempre foi a chapa quente, por causa das gotículas de água que eu gostava de salpicar na superfície.
- Vai manchar tudo. Para com isso, guria! - a mãe dizia.
Os pingos faziam um barulhinho delicioso antes de evaporarem por completo e, alternadamente, eu e minha mana passávamos algum tempo das tardes na casa da vó nos revezando na atividade. A função nem durava muito, mas era sempre divertida - acho que ainda sou incapaz de resistir a repeti-la sempre que passo por uma superfície como aquela.
Fogão a lenha, para mim, sempre foi referência na casa das avós, por mais urbano que tenha sido esse universo, com elas vivendo em casas com pátio no Centro da cidade. Mas isso era algo exclusivo desse lugar mágico da infância: na minha casa não tinha, na delas, sim.
Pinguinhos, então, só por lá.
Uma das avós se foi. O fogo apagou. Nossos fogões a lenha não existem mais, nem aquelas meninas pequenas. A casa virou menos lúdica, as conversas ficaram mais sérias e, neste ano, sequer o inverno serviu de alento para a aproximação. Ainda bem que nem todo o calor precisa de frio como contraponto.
Crônicas de inverno
Tríssia Ordovás Sartori: água salpicada no fogão a lenha
Até setembro, aos sábados, jornalistas do Pioneiro contam histórias da sua relação com a estação
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