"Eu não concordo (com a pena de morte), pois imagine se fosse o seu filho que seria morto. Claro que ele fez errado de cometer um crime, mas eu acho que a prisão já é o suficiente". A frase, escrita por Ana Clara Benin Adami seis dias antes de morrer com um tiro, estampa um banner que será erguido neste sábado, a partir das 17h, durante uma caminhada em homenagem à menina de 11 anos que adorava animais e queria ser veterinária.
Não é um protesto, não é um manifestação. É um pedido silencioso por paz. A caminhada parte da Rua Moreira César, no Pio X, e segue até a paróquia do bairro, onde ocorrerá uma missa.
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Ana Clara levou o disparo na Rua Marcos Moreschi, no bairro Pio X, quando ia com uma amiga para a catequese na tarde do dia 16 de julho. Um mês depois, a polícia segue sem suspeitos e sem motivação para o crime que abalou a cidade.
A investigação sofreu uma reviravolta quando um novo depoimento da única testemunha - a garota que caminhava com Ana Clara - mudou a versão do depoimento. Inicialmente, a menina tinha dito que o homem que atirou havia ultrapassado a dupla e desferido o disparo contra Ana. Depois, ela admitiu que escutou o tiro, mas não viu o momento do disparo. A versão vai ao encontro do resultado da necropsia: Ana foi baleada nas costas e o tiro atravessou o corpo, atingindo o abdômen.
- Essa investigação é a nossa prioridade. Não estamos protelando-a. Tenho três investigadores e os três estão neste caso - diz o titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, Joigler Paduano.
A hipótese da polícia é que Ana Clara foi vítima de assalto frustrado, tese que ganhou força após o novo depoimento da amiga que presenciou o crime.
- Por ora, não vimos outra motivação. Ele podia querer o celular delas, que hoje corresponde quase a totalidade das ocorrências de roubos da delegacia. O aparelho telefônico virou moeda de troca no mundo do crime - explica o delegado Paduano.
"Ela tinha alguma coisa especial"
Os pais, Márcia Elisa Benin e Sérgio Olivo Adami, e os padrinhos Silvana Bertuol e Márcio Luis Cansan, aceitaram falar com o Pioneiro sobre o caso da menina Ana Clara. Confira:
Pioneiro: Vocês têm acompanhado a investigação?
Sérgio: Não temos novidade, o que a gente sabe é o que todos sabem. Demos depoimento uma vez, e, depois, várias vezes nos ligaram para falar sobre testemunhas, se tínhamos algo novo. Eles (a polícia) têm interesse em desvendar isto, mas está demorado. Já se passou um mês...
Márcia: Mas a gente acredita que eles estão trabalhando. Temos que dar um voto de confiança. O que a gente quer é uma resposta, não queremos vingança, só saber por que e quem foi.
Vocês acham que a mudança no depoimento prejudicou as investigações?
Sérgio: Desde o início, quando a menina falou que o tiro foi pela frente, a coisa foi para o lado da vingança, depois já mudou e teve o resultado da perícia. Mas isso confundiu muita coisa.
Márcia: Não têm câmeras, não passou ninguém... O tráfego de carros é grande ali, parece que não pode ninguém ter visto.
Sérgio: A gente acredita que alguém viu e está com medo de falar, porque a coisa foi pro lado da vingança. Se na hora tivesse pensado que era um assalto, talvez falasse...
O que vocês acreditam que aconteceu?
Márcia: Só quem pode dizer foi o cara que cometeu o crime. A gente torce para que ele apareça. Se foi a mando de alguém, se foi pra tirar o celular... Mas eu pergunto: será que ele ia assaltar uma criança com arma na mão? Será que um viciado já não teria trocado essa arma por droga?
Sérgio: Eu acho que foi um assalto malsucedido. Não consigo ver um outro motivo.
Havia alguma desavença, alguma dívida que poderia ter motivado isso?
Sérgio: Não existe nada. Ela (a esposa) trabalha comigo e sabe tudo o que se passa. Só temos amigos e nossa empresa é familiar (a família tem uma empresa de pipas de madeira). Trabalha eu, a Márcia, meu irmão e um funcionário, que hoje é sócio. Não devemos nada para ninguém. Eu não acredito que tenha alguma coisa de escola (supostas ameaças de uma menina contra Ana Clara pelas redes sociais foram investigadas e nada foi encontrado). Eu sempre quis colocar ela em uma escola particular, por ser mais seguro. Sempre disse que trabalharia dia e noite se precisasse para isso.
A frase de Ana Clara sobre a pena de morte mostra uma maturidade, uma sensibilidade muito grande. Alguma vez vocês discutiram isso?
Sérgio: Ela podia ter dito algo diferente, mas ela viu o outro lado, o lado que ela está agora. Lá Deus não permite tirar a vida de alguém. Acho que ela teve uma visão, porque não teve explicação. No dia anterior, ela me pegou pela mão, me levou ao quarto dela. Ela estava mexendo no guarda-roupa, coisa que ela nunca faz. Ela encontrou uma caixinha com uma mecha do cabelo, quando cortou pela primeira vez. Depois sentou no sofá, pegou todas as fotos dela desde a escolinha e ficou duas horas olhando aquilo, dando gargalhada sozinha. Também eu estava no computador, sentado, e antes de dormir ela disse para eu desligar, guardar na gaveta e que não queria saber de bagunça em casa. A gente sempre cobrava isso dela. Foi atípico. Ela tinha alguma coisa especial.
Márcia: Da pena de morte, nunca falamos com ela. Só se ela ouviu a gente comentar algo vendo uma reportagem.
Pioneiro: Vocês pensam, no futuro, em integrar alguma ONG, fazer algum trabalho voluntário com foco na conscientização sobre violência?
Márcia: Não deu tempo de pensar. A gente teve que retomar o trabalho, que é o nosso sustento. Assim que baixar a poeira, assim que tudo for desvendado, a gente pensa nisso. Começamos a trabalhar uma semana depois, pelo menos ir lá todo dia. Somos apenas quatro pessoas. Estamos recebendo apoio dessas entidades de apoio a pais que perderam os filhos, procuramos psicólogos e psiquiatras.
CAMINHADA PELA PAZ
- Quando: sábado, 15 de agosto.
- Onde: a concentração se inicia às 16h30min, em frente à Secretaria de Trânsito, na Rua Moreira César.
- O trajeto: às 17h, os participantes caminham pela Moreira César em direção à Paróquia do Pio X. Às 18h, haverá na paróquia a missa de 30 dias da morte de Ana Clara.
- Os familiares pedem que os participantes usem camiseta branca.