Além de quilos e quilos de pertences, da tristeza da partida e da esperança de uma vida nova, os italianos que chegaram ao Rio Grande do Sul há 140 anos trouxeram na bagagem cultural os provérbios.
As expressões que a nonna repetia em casa continham uma carga emotiva relacionada ao passado e um desejo de perpetuar algumas lições no futuro. Essas sentenças, escutadas até hoje, eram praticadas e repassadas aos descendentes como norteadores da conduta de vida e integram um valor da comunidade.
A professora e pesquisadora da UCS Vitalina Maria Frosi participa nesta segunda, das 14h às 16h30min, da mesa-redonda Memória, Cultura e Imigração no 4º Simpósio Internacional e 12º Fórum de Estudos Ítalo-Brasileiro.
A docente irá falar sobre a natureza e a função dos provérbios italianos na vida do ítalo-brasileiro. É dela a principal pesquisa sobre o assunto realizada na região: foram registrados 1.753 provérbios, em breve lançados no livro Provérbios italianos: pérolas na educação informal dos ítalo-brasileiros.
- Conformados na linguagem oral em terras do Velho Mundo, os provérbios dialetais italianos foram preservados na memória de nossos antepassados como um patrimônio da sabedoria popular - afirma.
Vitalina explica que provérbio é uma frase simples, bem formada, clara e sintética, fácil de memorizar, sendo que muitas delas têm ritmo e rima semelhantes aos versos de uma poesia:
- Os provérbios dos imigrantes eram orais, frutos da memória de tempos e lugares distantes. Tinham alcance coletivo, eram compreendidos por todos, porque eram ditos na voz dialetal, na fala do grupo étnico a que pertenciam.
Muitos provérbios foram empregados na educação em família e no grupo social das pequenas comunidades - a colônia era um ambiente propício para a prática dessas sentenças e as mensagens transmitidas por eles, ao contrário da pressa dos ambientes urbanos.
A pesquisadora observa que os provérbios também revelam uma tradição e uma hierarquia, mostrando um conhecimento ancestral ao usá-lo com as expressões "a minha avó dizia assim ..."; "a minha mãe dizia...", etc., e que são transmitidos dos mais velhos aos mais jovens.
- O atualizador do provérbio, com efeito, é representado por um indivíduo que amarra dois pontos no tempo e na vida de um provérbio: o passado e o presente. É a sabedoria dos ancestrais que se pereniza no provérbio - diz.
Como os provérbios estão relacionados a um grupo étnico, nesse caso, aos italianos, eles precisam da manutenção do dialeto para a própria sobrevivência. Vitalina cita a obra Voci del silenzio, referenciando que "as línguas morrem quando perdem os seus falantes":
- Hoje, porém, já não se dizem provérbios como outrora: os tempos mudaram, os valores são outros, os jovens têm interesses modernos e, sobretudo, muitos anciãos levaram consigo estas joias de sabedoria sem terem conseguido perpetuar a língua que falavam.
ALGUNS EXEMPLOS RECORRENTES
:: Al can ca bóia al pia minga. Ou: Al can che sbaia 'l pia mia. (O cão que late não morde). Este provérbio ensina que quem faz muitas ameaças, em geral, não vai às vias de fato.
:: Chi ga 'l difèto ga 'l sospèto. Ou: Chi ca gh'à 'l difèt i gh'à 'l sospèt. (Quem tem o defeito tem o suspeito). Alerta que o indivíduo que esconde alguma coisa, imperfeição, ou algo secreto, tem também o medo de ser descoberto e criticado. Outro significado é o de que a pessoa que tem um defeito suspeita que o outro também o tenha.
:: Al diàol al fa la pignata ma 'l cuèrc nò. (O diabo faz a panela mas a tampa não). Ou: Al diàol al fa la pignata ma 'l fa minga 'l cuèrc. (O diabo faz a panela mas não faz a tampa). Assevera que o diabo ensina a fazer ações ruins, negativas, comprometedoras, mas não ensina a mantê-las escondidas ou a desfazê-las. O diabo ensina a roubar, por exemplo, mas não dá garantias quanto ao esconderijo do roubo. A astúcia e a malvadeza podem funcionar como recipientes para esconder as ações reprováveis, mas nunca são suficientes para mantê-las ocultas. O indivíduo que pratica atos recrimináveis ou más ações, às escondidas, sempre deixa algum vestígio que põe a descoberto esses mesmos atos ou ações.
:: Le brónse cuèrte le brusa le travèrse. (As brasas encobertas queimam os aventais). Ou: Le brasche coèrte ié chèle che scòta. (As brasas encobertas são as que queimam). As brasas que estão ocultas sob a cinza queimam muito sem serem vistas. No nível metafórico, a paixão e os sentimentos mantidos em silêncio, não confessados, são fortes e produzem sofrimento. Indica a paixão secreta e também a simulação.
:: No se móve 'na fóia che Dio no vóia. (Não se meche folha que Deus não queira). Ou: No casca fóglia che Dio non vóglia. (Não cai uma folha sem o consentimento de Deus). O provérbio declara que tudo o que existe no mundo está sob o governo de Deus.
:: Tal e qual gh'è i gap ven-vìa anca i tap. (Tal e qual é o cepo saem as lascas ou Tal pai tal filho). Alude à semelhança entre pais e filhos.
:: Tant l'è ladro quél che ròba cóme quél che ghe tègn la scala. (Tanto é ladrão aquele que rouba como aquele que segura a escada). Ou Tanto è ladro chi ruba quanto chi tiene il sacco. (Tanto é ladrão quem rouba quanto aquele que segura o saco). Refere-se a uma pessoa culpada por ser cúmplice de alguém em ações ilícitas, então, advertia-se sobre a culpa ou pecado tanto do ladrão quanto de quem ajudava no roubo.
:: Val de pi la pràtica che la gramatica. (Vale mais a prática do que a gramática). Este provérbio ensina que a experiência da vida propicia segurança nos fatos a serem enfrentados e nas decisões que uma pessoa deve tomar.
Italianos da Serra
Provérbios dialetais italianos revelam tradição e são patrimônio da comunidade
Assunto será debatido nesta segunda-feira, no 4º Simpósio Internacional e 12º Fórum de Estudos Ítalo-Brasileiro na UCS
Tríssia Ordovás Sartori
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