Ao visitar Roma pela primeira vez, anos atrás, a florense Carla Fontana, 32 anos, sentiu-se "caminhando sobre a história do mundo" e teve uma espécie de epifania: precisava viver naquele lugar. De volta a Flores da Cunha, não sossegou até conseguir se mudar para a Itália - o primeiro destino foi Sospirolo, no Vêneto, com a proposta de acelerar o processo de cidadania italiana. Hoje vive em um charmoso apartamento em Vicenza com dois conterrâneos e não só conseguiu reconhecer a dupla nacionalidade, como descobriu uma série de curiosidades sobre os antigos parentes.
- Acabei descobrindo costumes e o lugar de onde eles saíram. Quando alguém do Brasil vem me visitar, levo para conhecer os locais onde vivia a família da minha mãe e a do meu pai. Também aproveitei para conhecer mais a culinária italiana, que aqui evoluiu de uma maneira diferente de lá - conta ela, que estuda gastronomia.
Entre semelhanças, diferenças e dificuldades, foi redescobrindo sua italianidade.
- Algumas coisas que minha avó fazia alguns ainda fazem e, outras que eu conto, eles dizem que não fazem mais há 60 anos. Nasci na década de 1980 e faço coisas que eles faziam na década de 1960 - diz.
Foi na região do Vêneto, também, que encontrou o siciliano Salvatore Liotta, que havia escrito o livro Il viaggio di Anna Rech - que tem apresentação da professora caxiense Vitalina Maria Frosi - sobre a viúva que saiu de Pedavena em dezembro de 1876, com sete filhos (dois com problemas mentais) e se ofereceu para traduzir a obra para o português. À medida em que fazia a tradução, Carla revivia a história de dificuldades dos antepassados e encontrava um alento para seguir em frente, apesar dos obstáculos.
- O espírito empreendedor que existe na Serra não tem mais aqui (na Itália). Parece que eles não precisam mais correr atrás das coisas - avalia Carla.
Assim como ela, o historiador bento-gonçalvense Remy Valduga, 75 anos, tem tanto interesse pela saga dos antepassados que, entre outros livros, escreveu Sonho de um Imigrante (Ed. Letra&Vida, 216 págs), recuperando a história do bisavô, da saída da cidade de Rovereto à chegada a colônia Dona Isabel, para deixá-la como herança à neta Giulia.
- Nós somos a realidade do sonho dos nossos imigrantes - filosofa.
Ao narrar a história, Valduga alterna nostalgia e empolgação na fala.
- No início, eles estavam tristes, porque não podiam voltar. Eles não assumiram o fracasso, vieram por causa da esperança. Mas havia um fator psicológico importantíssimo: pela primeira vez, os imigrantes italianos eram donos da terra e, aqui, tornaram-se mais italianos do que eram na Itália.
O desejo de ser reconhecido legalmente como italiano, para o advogado Lonis Stallivieri, especialista em processos de dupla cidadania, tem mais relação com o futuro dos descendentes do que com o passado.
- Os mais antigos até queriam resgatar a origem dos antepassados, os mais jovens veem nisso um caminho mais fácil para estudar na Itália, querem uma facilitação para ir à Europa - avalia.
O interesse pela cidadania se intensificou na década de 1990 - no final dos anos 1980, cerca de 4 mil pessoas no Rio Grande do Sul tinham cidadania italiana. Hoje, são 65 mil. A estrutura que o Consulado Italiano em Porto Alegre oferece é pequena para atender a demanda crescente. Atualmente existem cerca de 9 mil processos na fila, com uma demora entre 12 e 15 anos para se conseguir a cidadania.
Por isso, muitos descendentes tem ido morar na Itália para encurtar esse tempo. Há nove meses, a arquiteta Liana Fontana, 28, e o supervisor de informática Radael Pellin Fiorese, 23, que atualmente moram em Vicenza, foram viver em Caldogno para fazer o processo de cidadania e ter direito ao passaporte italiano. Paralelamente a isso, realizaram o sonho de viver no país dos ancestrais - ela, por causa da arquitetura, ele, para acompanhá-la.
- A gente só entende que essa história de coragem não é clichê quando tu te inseres nela. Sempre penso como deve ter sido difícil para os imigrantes se, para nós, com essas facilidades todas, não foi fácil - observa Liana.
Uma das bisavós dela, Fiorinda, era imigrante e queria muito voltar para a Itália:
- Me sinto realizando um pouco o sonho dela.