* Andrei Andrade (interino)
- Quantas ovelhas matou ontem? - pergunta a camponesa ao lobo que a observa enquanto estende roupas no varal.
- Essa pergunta não posso responder. Faça outra - diz o lobo.
- Por que magoamos aqueles a quem amamos?
- Seis ovelhas.
A fábula acima, ilustrada em uma charge que não reencontrei para dar o devido crédito, toca em um dos distúrbios mais perturbadores da vida compartilhada. Falo dessa inabilidade em satisfazer as expectativas dos que nos amam e a proporcional facilidade para dar aos que mais amamos o pior de nós. Ainda que seis ovelhas pareça mesmo a única resposta possível, buscar a compreensão se faz necessário.
Só existe sofrimento onde há expectativa. Não me refiro aqui ao descaso sistemático, que corrói todo tipo de relacionamentos. Falo do 'apagão' e do descuido. De fazer esperar a visita, o telefonema, a fidelidade, a palavra cumprida, o elogio. Da mensagem visualizada e não respondida e da chamada ignorada. De não perceber o choro iminente. De erguer a voz por nada.
A mágoa é o fruto do sofrimento causado pela reversão da expectativa depositada no dia a dia de uma relação. Ou o leitor já perdeu uma noite de sono por frustrar-se com alguém de quem nada esperava?
Da mesma forma, apenas farei sofrer a quem em mim deposite alguma expectativa.
Mas essas constatações não respondem o primordial. Por que, na mesma medida em que somos capazes dos mais enobrecedores atos de amor, cometemos contra a mesma pessoa os mais vergonhosos gestos de negligência?
Seria nossa reação a uma certa fadiga das relações estáveis de nosso seio familiar, do círculo de amizades ou dos namoros, que nos tornam assim descuidados com quem nos é mais caro?
Ou talvez uma forma inconsciente de punir a quem nos aprisiona com seu amor verdadeiro, do qual não podemos fugir? Quem sabe negar a atenção seja apenas uma forma disfarçada de pedir por mais atenção?
A falta de uma resposta me sugere apenas que entendemos muito pouco do amor. E que amar é tão difícil quanto ser amado. Seis ovelhas, seis ovelhas...
* O colunista Marcos Fernando Kirst está em férias.
Opinião
Andrei Andrade: Por que magoamos aqueles que amamos?
Difícil entender a razão de reservarmos o pior de nós aos que nos são mais caros
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