Gilberto Blume: Arrecadar donativos para aparecer no jornal

Entra ano, sai ano, a história se repete timtim por timtim:

- Estou telefonando para a imprensa para avisar que vamos fazer a entrega de donativos de Natal. Gostaríamos que o jornal viesse fotografar. Vai ser tão lindo!

Nos últimos dias a redação tem sido inundada com pedidos semelhantes.

Ninguém duvida que será lindo, mas ainda mais lindo que a festinha em si é a iniciativa. Mesmo assim lindo, a rigor o Pioneiro não comparece.

O Natal comunitário da Zona Norte é exceção. Lá, 5 mil crianças passam a tarde brincando lambuzadas de comidinhas e bebidinhas e voltando para casa com um presentinho. A festa lá é grande, coisa que não dá para ignorar.

A enxurrada de entregas avulsas de donativos pela cidade, porém, deveria ser encarada como desfecho natural da sensibilidade que aflora nos fins de ano.

A solidariedade de quem arrecada e entrega presentes no Natal precisa ser debitada na conta de nossa porção humana voluntária. Tais façanhas não carecem de vitrine. Pelo contrário, quanto mais anônima e discreta for a solidariedade, maior será seu valor, creio.

Felizmente dá para afirmar tranquilamente que, embora sejam muitos, os solidários exibicionistas são minoria. Enquanto 10 telefonam pedindo para aparecer no jornal, deve ter outros 50 investindo tempo, dinheiro e amor sem pedir absolutamente nada em troca, especialmente mídia.

Nesse meio "solidário" vicejam empresas e estabelecimentos comerciais de todo tipo que estão visivelmente em busca de promoção.

As crianças beneficiadas, claro, não têm nada a ver com o enredo armado. Embora anunciadas como protagonistas, muitas crianças não passam de coadjuvantes nessas ações pseudosolidárias.

Arrecadar donativos para aparecer no jornal é qualquer coisa, menos solidariedade.

Ah, alguém dirá, mas quando o jornal noticia outras pessoas podem se espelhar e promover ações semelhantes e beneficiar ainda mais crianças. Pode até ser, mas valerá a pena fazer as coisas sobre bases tão equivocadas?