Em setembro de 1983, Laudelino Fô saiu do anonimato em Caxias do Sul para ocupar manchetes de jornais e revistas de todo o país. Na época, havia a suspeita de que ele pudesse ser Carlos Ramires da Costa, o Carlinhos, garoto sequestrado dez anos antes no Rio de Janeiro e nunca encontrado.
Investigações da polícia mostraram que o morador de Caxias não era Carlinhos. Hoje, aos 53 anos, Laudelino se divide entre a família, que reside em São Marcos, e o trabalho como operário da prefeitura de Caxias. Vive, porém, a angústia de não saber a própria origem.
- Não gostaria de morrer sem pelo menos conhecer algum irmão meu, algum tio - desabafa.
Confira galeria de fotos atuais e do encontro de Laudelino com a mãe de Carlinhos
Laudelino virou protagonista do caso Carlinhos por conta de uma conhecida. A mulher assistiu a uma reportagem sobre os 10 anos do sequestro no programa Fantástico, da Rede Globo. Imediatamente, ela escreveu uma carta para a emissora dizendo que o menino estaria morando em Caxias do Sul e com outra identidade.
A rotina de Laudelino virou do avesso. De poucos amigos e dedicado do trabalho, ele se viu envolvido com a polícia e jornalistas da cidade e do centro do país. O caso ganhou ainda mais repercussão quando a mãe de Carlinhos, Maria da Conceição Ramires da Costa, veio a Caxias e afirmou que Laudelino era seu filho.
Exames e investigações da polícia provaram posteriormente que o morador de Caxias era apenas uma das muitas faces atribuídas ao menino Carlinhos, que surgiram ao longo dos anos em cidades diferentes.
O trabalhador admite que ficou muito triste à época, mas tratou de tocar a vida e esquecer Maria da Conceição. Contudo, ele não aceita a inexistência de qualquer informação sobre sua família.
A história de Laudelino é curiosa. Da infância, ele recorda apenas de ter morado em um casa com vários irmãos e os pais. Lembra também de um dia ter pulado um muro e ido parar em um circo, onde trabalhou como auxiliar durante algum tempo até fugir novamente para morar com um casal em Tijucas do Sul (PR). Dali, foi parar em um restaurante até ser encontrado por um agricultor de São José dos Pinhais (PR). Foi quando ganhou o nome Laudelino e a primeira certidão de nascimento.
- Ganhei esse nome na certidão quando tinha 12 anos, depois que fui morar com um fazendeiro lá no Paraná. Eu não tinha documentos e esse fazendeiro ajeitou as coisas para mim. Escolhi Laudelino porque havia um bebê no circo com esse mesmo nome. Na minha certidão aparece e nome de uma mulher (Hede Fô) registrado como se fosse minha mãe, mas tenho certeza que não é ela pois ninguém nunca a encontrou - detalha.
Laudelino veio para o Rio Grande do Sul a trabalho e fixou residência em Caxias do Sul. No embalo do sequestro, a polícia chegou a levantar informações sobre o seu passado, mas esbarrou na falta de informações.
- Um tempo cheguei a pensar que pudesse ser o Carlinhos. Fui levado para o Rio de Janeiro para conhecer a casa e alguma coisa me parecia familiar. Mas tudo bem. Um dos meu filhos (de 11 anos) disse que está só esperando crescer para me ajudar a encontrar a minha origem.
ENTENDA O CASO
1973 - No dia 2 de agosto, Carlos Ramires da Costa, 10, o Carlinhos, é sequestrado na casa de classe média da família, no Rio de Janeiro. O sequestrador invadiu a casa, trancou a mãe e seus seis irmãos em um quarto e fugiu levando o menino. Deixou um bilhete em que pedia resgate de Cr$ 100 mil (cerca de R$ 50 mil em valores atuais). A família chegou a oferecer o valor, conseguido com a ajuda de doações, mas ninguém apareceu para receber o resgate no local marcado.
1976 - A mãe de Carlinhos, Conceição Ramires da Costa, e o pai, João Mello da Costa, se divorciam. A mãe acusa o pai, que no dia do sequestro chegou em casa poucos minutos após o ocorrido, de não ter tentado impedir a fuga. O envolvimento de João Mello com o sequestro é amplamente investigado. A hipótese mais forte é de que ele teria forjado o sequestro por estar em em dificuldades financeiras, à beira da falência. Nada foi provado.
1977 - Quase quatro anos após o desaparecimento, é aberto o inquérito policial. Concluído em novembro, apontou um funcionário do laboratório farmacêutico do pai de Carlinhos como sendo o sequestrador. Em depoimento, uma irmã de Carlinhos afirmou tê-lo reconhecido. O homem chega a ser condenado, mas é solto por falta de provas.
1983 - Em Caxias do Sul, especula-se que Laudelino Fô, um menino que não lembra de sua origem e tem fisionomia semelhante a de Carlinhos, pudesse ser o filho de Conceição. A mãe vem a Caxias encontrar Laudelino e chega a se convencer de que se trata de Carlinhos. Os irmãos desconfiam. Semanas depois, exames descartam a hipótese. A manchete do Pioneiro do dia 21 de setembro destaca que Laudelino recebeu com naturalidade a notícia, mas queria ter mais respostas sobre seu passado. "...ninguém me explica como é que eu fui lembrar de tanta coisa lá do Rio", afirmou.
Hoje - Ao longo dos anos, a família Ramires da Costa passou por pelo menos dez casos de aparecimentos de meninos que poderiam ser Carlinhos. No entanto, nenhum se confirmou. A família parou com as buscas pelo país, mas ainda tem esperanças de resolver o caso.