A fatídica madrugada que vitimou três jovens irmãos e reduziu a cinzas as casas de 24 famílias da Vila Sapo, no bairro Serrano, completa um ano neste sábado. Quem viu o fogo consumir uma a uma as derca de 20 casas, erguidas de forma precária e improvisada, ainda aguarda por definições.
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No terreno que abrigava as moradias, apenas um cercamento foi feito. Os moradores pedem que obras no local tragam melhorias na vila e, principalmente, inibam novas invasões.
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Algumas coisas, no entanto, já melhoraram. Em julho, a Rio Grande Energia (RGE) concluiu as obras para regularização da rede elétrica, especialmente nas ruas que à época do incêndio eram abastecidas por "gatos" de luz. O morador José de Góis, 52, lembra do curto-circuito que provocou a falta de luz naquela noite. Foi o motivo para os irmãos Maiquel, 17, e Mateus, 12, deixarem a vela acesa no quarto onde dormia Mariele, 3, que tinha medo do escuro. Em minutos, o fogo alastrou-se pela casa e, em seguida, pela vizinhança. Os três foram encontrados abraçados com os corpos carbonizados.
- Nos meses depois do incêndio chegou a haver outros curtos-circuitos em postes próximos, a gente chegava a ficar 24 horas sem luz. Claro que era perigoso. Agora estamos mais tranquilos - comenta.
A vila está em processo de regularização pela prefeitura, que ainda investiga junto aos cartórios quem é o proprietário do terreno. Porém, a administração sabe que o espaço inspira cuidados e já declarou a área como de utilidade pública. Os problemas acumulam. Há esgoto correndo a céu aberto, as ruas estão esburacadas, e os alagamentos são frequentes em dias de pancadas de chuva. Claudemir Moraes, 30, mora há pouco menos de um ano na comunidade, em uma casa distante cerca de 30 metros do local incendiado.
Pai do menino Carlos Henrique, um ano e meio, Claudemir mostra o córrego que passa por trás de casa, onde corre o esgoto despejado por famílias vizinhas. Algumas paredes já estão apodrecidas, porque as inundações são frequentes. Além de cobrar a canalização do esgoto, ele gostaria que fosse feita uma praça no terreno hoje cercado.
- Seria bom ter um lugar pra meu filho poder brincar, pra não precisar ficar correndo na rua. Tem muitas crianças no bairro, acho que elas ficariam felizes - diz.
Embora a praça não seja uma ideia descartada pela Secretaria de Habitação, a prioridade de uso foi dada ao Samae, que irá construir uma bacia de retenção no local. A previsão é de que ela ocupe 6,5 mil dos 12 mil metros quadrados da área total - ela compreende o terreno incendiado e várias casas próximas, cuja remoção das famílias está sendo negociada. Segundo o secretário de Habitação, Renato Oliveira, o espaço restante terá o uso avaliado pelo poder público, juntamente com a comunidade.
- Por ser uma área propensa a inundações, é difícil realizar obras de moradia. Não dá para pavimentar as ruas antes de saber que uso faremos do espaço. A prioridade, por enquanto, é que não haja novas invasões.
Vizinhança desfeita
À época do incêndio, a comunidade da Vila Sapo se abraçou em solidariedade aos vizinhos desabrigados. Muitos abriram suas portas para oferecer um teto provisório enquanto o destino das famílias era incerto. Posteriormente, os moradores reconstruíram suas vidas longe da vizinhança.
Alguns em apartamentos recebidos da prefeitura, em loteamentos populares de Caxias do Sul, outros em casas, com o aluguel pago pelo governo municipal. Um ano depois, alguns contatos praticamente se desfizeram pela distância. A maioria das famílias foi destinada ao loteamento Campos da Serra, a 20 km da Vila Sapo. Compadres e comadres que se reuniam diariamente para tomar chimarrão e bater papo, hoje poucos se visitam.
A moradora Marilene de Moura, 35 anos, dez deles na Vila Sapo, sente falta do convívio com os vizinhos. Ela esteve apenas uma vez no Campos da Serra, mas achou estranho ver os antigos amigos empilhados em apartamentos.
- Estive uma vez e não gostei. Prefiro aqui, mesmo com os problemas. É onde já me acostumei a viver - comenta.
Vida refeita
Não foram fáceis os 12 últimos meses na vida de Maria Cardoso, 42. O incêndio na Vila Sapo tirou dela os três filhos e qualquer lembrança material que pudesse ter deles. Hoje, no apartamento em que vive desde janeiro no Campos da Serra, a mãe tem na estante da sala um porta-retratos com uma montagem de fotos dos três, presente de colegas de escola do filho mais velho, Maiquel.
Maria aguentou o trabalho na Agrale até janeiro. Foi quando a angústia que sentia pela perda dos filhos a impediu de continuar, e ela pediu licença da empresa. Maria estava trabalhando quando soube do incêndio em sua casa e nada conseguiu fazer. Desde os primeiros dias seguintes ao incêndio, ela passou a ter o acompanhamento de uma psicóloga, que ainda visita todos os sábados.
Uma vez por mês, tem consulta com uma psiquiatra. Maria depende de remédios para dormir e diz que em dias mais solitários ainda chora com saudade da família. Mas, de forma geral, o tempo fez com que seus dias fossem mais leves e, pouco a pouco, ela recobra as forças para viver.
Hoje, não mantém mais as janelas fechadas para não atrair visitas, passou a frequentar um curso de metrologia no centro da cidade e sente que pode falar nos filhos com firmeza, sem medo de desabar. O dia para voltar ao trabalho já está marcado: 5 de setembro. Foi ela quem pediu alta à psiquiatra.
- Já consigo aceitar que eles se foram e minha vida vai ser sem eles. A vida é como uma vela, que num sopro se apaga. A deles, infelizmente, se apagou enquanto eles tinham muitos sonhos. Minha filha mais nova ficava louca quando via a escola do bairro sendo construída, dizia que iria estudar lá - diz.
Para evitar que as recordações mais tristes insistam em voltar, Maria não foi mais ao antigo bairro. Os amigos entendem e os mais próximos a visitam com frequência. Ela gosta do apartamento onde vive hoje e só lamenta que os filhos não tenham tido a chance de sair da Vila Sapo para recomeçar com ela. Mas viver sem eles de forma alguma é esquecê-los:
- No dia a dia, sempre há coisas para fazer. Preciso arrumar a casa, ir no curso, agora vou voltar a trabalhar. Parece que está superado, mas intimamente nunca paro de pensar neles.
Um ano depois
Moradores da Vila Sapo, em Caxias, comemoram conquistas, mas ainda cobram melhorias
Prefeitura ainda busca identificar o proprietário do terreno
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