Na madeireira dos irmãos Albé, onde a cada semana chega um carregamento de toras de araucária vindas da fazenda da família na localidade 'Passo do S', desembarcou há algumas semanas uma tora destinada a fins mais nobres do que virar papel, lenha ou coisa assim. Não fosse naquela sexta-feira o madeireiro João Alberto Albé permitir-se por alguns instantes contemplar o vazio pela janela da casinha de madeira que faz as vezes de escritório da firma, talvez até tivesse o fim comum a qualquer tora. Mas na manhã fria da pequena Jaquirana, a forma triangular da imagem de Nossa Senhora Aparecida mostrou-se para ele com a clareza que só um devoto fervoroso pode perceber. E então ele correu para avisar os irmãos.
A imagem que se assemelha à padroeira do Brasil repousa hoje em um altar na igreja São Sebastião, em frente à praça da cidade. Distribuindo copinhos plásticos com chá de erva-cidreira para ajudar a suportar o frio que na manhã da última terça-feira , as irmãs Rosânia, 51, e Rosângela Albé, 49, e um grupo de amigos devotos contam que Jaquirana tem grande parte de sua população _ pouco mais de 4 mil habitantes, segundo o IBGE _ devota de Nossa Senhora Aparecida. No trajeto feito pela ERS-110, principal via de acesso ao município que espalha pouco mais de mil domicílio em suas 24 ruas, passa-se por um pomar de maçãs que leva o nome da Santa. O cultivo da fruta é um dos motores da economia do município. O outro é a madeira, desde que colonos italianos e alemães passaram a explorar suas vastas florestas de araucárias, no início do século passado. Se Nossa Senhora não aparecesse para os fiéis de Jaquirana em uma maçã, só poderia mesmo ser em árvore.
- Ela apareceu em uma árvore para que pudesse ser compartilhada por toda a comunidade - argumenta a professora aposentada Vânia Turella, amiga que já levou para casa seu pedaço de araucária ilustrado.
Como o desenho perpassa toda a extensão da tora, a família Albé partiu a tora em diversos tocos. Além da imagem que adorna a Igreja, há outra no posto de gasolina também administrado pela família e outra no escritório da madeireira, ao lado de uma imagem de porcelana em tamanho semelhante ao desenho na madeira. João Alberto conta que a cada dia dois ou três carros estacionam no pátio, com fiéis ou curiosos querendo conhecer a imagem, muitos pedem para levar um pedaço para casa. Mas a maior parte já foi distribuída.
- Acho que se tivesse mais 20 pedaços, também já teria dado todos, porque é muita gente que vem procurar. Todo mundo fica admirado - comenta.
Cada um tem seus motivos para levar um pouco do crédito pela suposta visita do mais importante símbolo religioso brasileiro. A aposentada Elodi Braga, 73, talvez seja a mais encantada com o que considera uma "bênção" para Jaquirana. Com a voz embargada, conta a história de como Nossa Senhora Aparecida salvou a vida de seu filho após um grave acidente de trânsito ocorrido há quatro anos.
- Meu filho foi internado com 21 fraturas, sendo oito delas na cabeça. Os médicos do (hospital) Pompéia disseram que o estado era gravíssimo, que ele estava nas mãos de Deus. Nessa hora, fui até a imagem de Nossa Senhora de Pompéia e pedi que ela devolvesse a vida dele. Olha...em 15 minutos, uma enfermeira disse que ele reagiu. Hoje ele vive e trabalha normalmente - relata.
Elodi alfineta os conterrâneos que, naquele mesmo dia, embarcariam rumo ao Santuário Nacional Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo, para acompanhar a homilia do Papa Francisco, na quarta-feira.
- Nem precisa mais ir tão longe pra ver a nossa Santa.
Padre mostra-se cauteloso
Há três anos como pároco de Jaquirana, Mário Pereira, 45, acompanha a devoção à imagem com olhos complacentes, porém incrédulos. Para ele, não se trata de milagre, mas sim de uma feliz coincidência.
- Respeito quem acredita, mas a fé precisa ser racional. A natureza é fascinante, desenha coisas muito bonitas, por isso que às vezes surgem na madeira imagens de borboletas, graxains, lagartixas. Mas o desenho da Santa não é um milagre, e sim um convite para apreciar a natureza - pondera o padre.
O biólogo e professor da UCS Marcelo Rossato explica que o suposto "desenho" se trata de uma lesão na base da árvore, aparentemente provocada por um corte parcial com faca ou facão.
- Esta lesão provavelmente provocou a entrada de organismos como fungos e bactérias. Como resposta fisiológica, a planta produz tecidos diferentes para preencher este espaço, algo semelhante ao processo de cicatrização no reino animal _ afirma.