Os livros sobre o basquete brasileiro precisarão reservar um capítulo especial para Caxias do Sul. A cidade recebeu, nesta segunda-feira (11), a primeira partida do Campeonato Brasileiro de Basquete Master com atletas de 85 anos ou mais. O jogo ocorreu na Arena Recreio da Juventude, no bairro Salgado Filho.
Ao todo, 13 atletas foram divididos em duas equipes. Eles jogaram com o nome da Federação Brasileira de Basquete Master, e receberam as cores azul e branca.
Além de longevidade, inspiração é outra palavra que pode definir os atletas da categoria. Entre eles, Benedicto Cícero Torteli, 85 anos, que foi campeão mundial com o Brasil em 1963.
— O objetivo em qualquer categoria é jogar na seleção brasileira, mesmo agora ou 60 anos atrás. Eu fui convocado para jogar na seleção em 1959 e joguei até 1967. Fui campeão do mundo, diversas vezes campeão sul-americano, diversas vezes campeão pan-americano, e o bom de tudo é que tenho 85 anos e estou vivo — celebra Torteli.
Conhecido no esporte como “Paulista”, o campeão mundial foi uma das personalidades mais reverenciadas antes, durante e depois da partida. Os colegas de equipe — ele vestiu a cor azul —, além dos adversários, tinham o olhar de admiração, e muitos até dizendo que ele é um dos responsáveis pelo desenvolvimento do basquete brasileiro.
Natural de Sorocaba, no interior de São Paulo, Torteli teve uma carreira longeva no basquete. Atuou de 1955 até 1974, jogando na cidade natal, em São José dos Campos e em São Carlos, além de vestir as camisas de Vasco e Fluminense, no Rio de Janeiro. O cruzmaltino foi a equipe em que mais vestiu a camisa, ficando lá durante 12 anos.
— Todos os momentos depois (que encerra a carreira) ficam valiosos. Na época você nem percebe, tanto é que quando eu fui campeão do mundo fui jantar em uma churrascaria e ficou por isso mesmo. Dez ou 12 anos depois, ou até agora, me surpreendo (com o título).
Paulista ficou pouco tempo em quadra nesta segunda, a condição física já não é a mesma. Mesmo assim, o basquete está em seu DNA:
— Eu nasci duas vezes. A primeira em 1939, quando minha mãe me pôs no mundo, e a segunda em 1955 quando eu conheci a bola de basquete. Atrás da bola de basquete, fiz toda a minha vida. Até hoje, sou um filho da bola de basquete.
Uma lição de vida aos 92 anos
Dentista aposentado, Kalil Boabaid, 92 anos, é uma das grandes referências da categoria. Mesmo sem ter sido atleta profissional, tem uma vida ligada ao basquete. Natural de Florianópolis, vestiu a camisa de diversas equipes amadoras na capital catarinense. Depois, se mudou para Curitiba.
Entre os momentos marcantes da vida ligada ao esporte, se recorda de ter enfrentado os Harlem Globetrotters — time norte-americano que mistura basquete com entretenimento —, em 1952, quando eles estiveram em Florianópolis. Mas também guarda na recordação um título em Caxias do Sul. Há 17 anos foi campeão do Brasileiro de Basquete Master na cidade da Serra pelo Paraná, na categoria 70 anos ou mais.
— O basquete realmente é praticado por aqueles que amam esse esporte, tem que ter muita motivação em um país em que sempre há a preferência nas novas gerações pelo futebol. Então, quando a gente vê algumas crianças e adolescentes se dedicando ao basquete é muito importante, porque temos que formar jogadores jovens para que o basquete cresça no Brasil — defende Kalil.
A estrela de 92 anos distribuiu passes e arriscou alguns arremessos. No intervalo da partida, tirou fotos, gravou vídeos e foi ovacionado pelos presentes.
— A gente joga, claro que dentro das limitações — diz o atleta que segue na ativa.
Cestinha aos 87 anos
Os times na categoria 85 anos ou mais começaram a ser mapeados ainda em 2022, quando foi criada a categoria 80 anos. Agora, em 2024, ocorreu a primeira partida. Matheus Saldanha Filho, coordenador da categoria, diz que os atletas foram divididos por idade, condição técnica, física e da posição de jogo.
— Para os atletas de 50 anos, de 40 anos, é uma referência maravilhosa, porque você projeta que pode chegar lá — diz Matheus.
E se engana quem pensa que o jogo foi uma mera formalidade. O time azul venceu por 38 a 25. A partida teve até pequenas discussões, mas tudo dentro da amizade. As regras são as mesmas, com quatro tempos de 10 minutos. A única mudança é que o tempo de 24 segundos de posse de bola só começa a ser contado quando o atleta ultrapassa a metade da quadra, sendo que os atletas tinham 10 segundos para fazer isso.
O cestinha da partida foi João Almeida de Goes, 87 anos, com 27 pontos. Ele, que serviu ao Exército Brasileiro, teve carreira de cerca de duas décadas como atleta profissional, com passagens marcantes pelo Clube de Regatas Tietê, Paulistano e Pinheiros.
Após encerrar a carreira como atleta, foi técnico de categorias de iniciação no esporte, e hoje faz recreação com jovens. Mas o vigor físico nesta segunda-feira chamou atenção. Ele chamou o jogo e cobrava movimentação dos companheiros.
— A longevidade, é isso que (o basquete) representa. Praticando sem parar, e essa longevidade, esses anos a mais vêm dessa atividade esportiva — resume Goes.
Após os jogos, os atletas receberam um certificado pela partida e foram aplaudidos de pé pelo público.
O campeonato
O Campeonato Brasileiro de Basquete Master está em sua 39ª edição, e une pessoas que continuam jogando basquete após os 30 anos, com categorias de cinco em cinco anos. As equipes são formadas por atletas masculinos, femininos ou times mistos.
Caxias sedia o campeonato após 17 anos. Neste ano, são 1,5 mil atletas, 150 equipes de 20 estados na disputa. Os jogos ocorrem na Arena Recreio, Recreio da Juventude — Sede Campestre, Clube Juvenil, Sesi, Ginásio do Vascão, Fundação Marcopolo, UCS Campus — Sede Poliesportiva e Sociedade Recreativa Amigos de Galópolis.