Régis agradece a cada dia que acorda e abre os olhos. Há 25 anos, a história poderia ser bem diferente. Hoje, ele é um exemplo de superação. Contudo, pela gravidade da agressão que sofreu em 1999, ele poderia ser apenas mais uma vítima de um ato de violência no futebol.
No dia 13 de novembro de 1999, o Caxias enfrentou a equipe do Santo Ângelo pela Copa Mais Fácil. A competição era organizada pela Federação Gaúcha de Futebol (FGF). Na época, o Grená mandou o seu time reserva para o Estádio da Zona Sul, em Santo Ângelo, pois também tinha um compromisso pela Série C do Brasileiro, contra o Juventus, em Caxias do Sul. Em casa, vitória por 3 a 0. Nas Missões, os reservas empatavam em 1 a 1 quando, no fim do jogo, o centroavante Darzone desferiu um soco na cabeça de Régis, zagueiro grená.
Com punho, dificilmente alguém faria um estrago desses
ALOIR DE OLIVEIRA
Médico do Caxias na época
Na segunda-feira seguinte ao lance, a página de Esportes do Jornal Pioneiro abria o resumo do final de semana com duas fotos, relatando a "alegria" da vitória na Série C e a "angústia" de Régis lutando pela vida. A reportagem da época afirmava que o atleta estava em coma profundo e as 24 horas seguintes seriam decisivas. O jornal chegou a relatar que um pedaço de tijolo havia sido encontrado no local. Assim, dirigentes do Caxias suspeitavam que o objeto teria sido usado na agressão.
— Com punho, dificilmente alguém faria um estrago desses — disse o médico do Caxias na época, Aloir de Oliveira, ao Pioneiro, em 1999.
Uma corrente de oração se formou por Régis. Muita energia positiva era transmitida. Enquanto o atleta estava internado, a família recebia ligações e cartas no apartamento localizado no bairro Pio X, desde atletas famosos a anônimos. O zagueiro Lúcio, do Inter, e Capone, que estava na Turquia e havia defendido o Juventude no ano anterior, foram dois dos que mandaram mensagens.
O jogador recebeu alta somente no dia 12 de dezembro. A recuperação foi longa, mas o sonho de voltar a jogar foi interrompido aos 21 anos. Régis poderia estar no time campeão gaúcho do Caxias em 2000. Até hoje ele lida com sequelas do lance, mas o sentimento de revolta Régis não carrega. O perdão foi o primeiro passo para vencer na vida.
HISTÓRIA VIRA LIVRO
Neste ano de 2024, o lance que por muito pouco não colocou um ponto final na vida de Régis virou um livro. A obra "Campeão da Vida - Perdoar para Viver" é resultado de um trabalho de reportagem de quase dez anos, do jornalista Luiz Fernando Aquino e do comunicólogo Fernando Jesus da Rocha.
— Em 2014 eu conheci a família dele, por circunstância de trabalho. Comentei com o pai dele: "como é que está o Regis?". E ali surgiu então a iniciativa de fazer o livro. Que a ideia inicialmente era contar essa história da recuperação, da superação, como é que alguém sai daquele momento. A grande surpresa é o ser humano. Depois, ao longo das entrevistas, da pesquisa para o livro, eu fui entender que ele era aquele tipo de pessoa, um sujeito amoroso, obstinado e disciplinado — contou o autor Luiz Fernando Aquino ao programa Show dos Esportes, da Rádio Gaúcha Serra, que ainda comentou sobre o perdão de Régis:
— Recentemente, um colega da TV perguntou para ele, em que momento perdoou o Darzone. Ele disse que foi quando abriu os olhos. Então, nunca passou pela cabeça dele qualquer desejo de maldade, ou de rancor em relação ao Darzone, apesar de tudo que tenha acontecido com ele.
Régis e Darzone tiveram um encontro no Estádio Sílvio de Faria Corrêa, quando o centroavante defendia o São Gabriel, em 2003.
— Todo mundo se pergunta, por que aquilo? Ato de tamanha agressividade. E palavras do Darzone: "foi um ato de brabeza". E sempre teve essa questão se ele teria usado ou não uma pedra. Eu tive acesso ao laudo médico da perícia, no hospital de Caxias. E ali constava a descrição do laudo médico de uma ferida de quatro centímetros, provocada por algo contundente, de uma pedra ou um tijolo. Palavras dos médicos ali, escritas ali, tijolo ou pedra — revelou Aquino.
O livro está disponível para venda na loja virtual da Melhorpubli, na Amazon e nas livrarias Santos.
COM A PALAVRA, RÉGIS
Há 25 anos eu fui agredido, quase morri. E estou aqui para contar a história. O meu Cristo maravilhoso lá, meu Deus, me deixou em pé para me contar a história. Ele (Darzone) vai pagar pelo que ele fez. A vida é assim, a vida é simples. A vida é maravilhosa e simples. Porque, o que a gente faz aqui, a gente colhe ali
RÉGIS
Em recente entrevista ao programa Bola nas Costas, da Rádio Atlântida
JUSTIÇA
No ano de 2007, o então jogador Darzone foi condenado a dois anos de prisão. Ele cumpriu um terço em regime aberto e o restante em condicional. Ele já cumpriu sua pena com a justiça e deixou o futebol em 2012. No mesmo ano, o Santo Ângelo foi condenado a indenizar Régis, algo que nunca ocorreu. Hoje, se especula em um valor na casa dos R$ 6 milhões. Na semana em que o caso completou 25 anos, o clube divulgou uma nota.
— Primeiramente, destacamos que o episódio aconteceu sob a gestão da direção da época, que possuía recursos financeiros em caixa para honrar a indenização devida ao jogador, mas que, lamentavelmente, não tomou as providências necessárias para resolver a situação. A atual diretoria, que não tem qualquer vínculo com os responsáveis por aquele período, assumiu um clube em condições financeiras e estruturais extremamente precárias — afirmou o nota do clube assinada pela direção.
LINHA DO TEMPO
JORNAL PIONEIRO 1999
13 de Novembro
Santo Ângelo 1x1 Caxias
Régis é agredido na cabeça pelo jogador Darzone, do time das missões.
14 de Novembro
Transferido
Régis é trazido de avião para o Hospital Geral de Caxias do Sul e, depois, transferido ao Hospital Medianeira.
15 de Novembro
Silêncio do agressor
Darzone passa alguns dias na casa da mãe, em Santa Maria, no bairro Camobi, e evita a imprensa.
O Darzone está marcado com dois arranhões na barriga e um machucado nas costelas. No fim do jogo, ele se irritou e fez besteira
JOANA PILLAR
Mãe de Darzone em entrevista em 1999
16 de Novembro
Darzone depõe na Polícia Civil
Três dias após o ocorrido, Darzone aparecia em público para dar seu depoimento na Delegacia de Santo Ângelo. Na época justificou que revidou as agressões que vinha sofrendo de jogadores do Caxias durante o jogo.
Se eu tivesse imaginado, nunca teria feito aquilo
DARZONE
Jogador fala pela primeira vez
No mesmo dia, o Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) suspendia o atleta do Santo Ângelo preventivamente por 29 dias.
17 de Novembro
Régis apresenta melhora
Os médicos começavam a reduzir os medicamentos de Régis. Ele apresentava uma leve melhorar e piscava os olhos. Contudo, seguia na UTI em estado grave. Uma infecção no pulmão também era tratada.
18 de Novembro
Aperto de mão
É um bom sinal
ALOIR DE OLIVEIRA
Médico do Caxias ao Jornal Pioneiro em 1999
Após apresentar hematomas e hemorragias em todo cérebro, o zagueiro do Caxias começava a se movimentar voluntariamente. O sinal mais forte foi um aperto de mão nos familiares.
19 de Novembro
Sem cateter
Aquela sexta-feira seria o melhor dia da semana dramática. O atleta tinha o cateter retirado da cabeça. O instrumento controlava a pressão intracraniana. No mesmo dia, a direção do Caxias pedia o cancelamento da Copa Mais Fácil.
24 de Novembro
Julgamento no TJD
Darzone foi punido com suspensão de 90 dias, mas a lei Pelé limitava o máximo de 29 dias. Ele ainda foi multado em R$ 97,70.
Enquanto isso, no Hospital, o pai de Régis, Régis Tadeu da Rosa, celebrava o fato do filho sair da entubação.
25 de Novembro
Cartas
Seja forte. O país inteiro está torcendo por ti! Algum dia iremos sorrir juntos! Obs: não sou do Caxias, mas torço por você
ALINE CORSO, 12 ANOS
Na época estudante do Colégio La Salle, Aline foi uma das dezenas de pessoas que mandaram cartas para a família de Régis.
26 de Novembro
"Futebol só um milagre"
Após 12 dias em coma, as esperança do jogador voltar a jogar futebol eram quase zero.
A lesão no cérebro é muito grave. Jogar futebol só por um milagre
ALOIR DE OLIVEIRA
Médico do Caxias em reportagem do Pioneiro no ano de 1999
12 de Dezembro
Alta e Caravaggio
Na véspera de completar um mês do trágico incidente com Régis, o pai do jogador e o irmão, Rafael, cumpriram a primeira promessa. Quando o atleta recebesse alta, eles iriam a pé até o Santuário de Nossa Senhora do Caravaggio. Eles saíram às 7h50min do Estádio Centenário e encaram um sol forte. A caminhada durou 3h24min.
27 de Dezembro
"Mãe"
Logo após o Natal de 1999, Régis deu um grande presente aos seus familiares e amigos. Ele voltou a falar. Ainda que a fala estivesse arrastada, ele falou a primeira palavra "Mãe". Na sua primeira entrevista ao jornal Pioneiro, ele disse:
Quero muito, muito, muito voltar a jogar
RÉGIS
Concedia sua primeira entrevista ao repórter Ayrton Centeno, por telefone, após dar alta do hospital